Representantes dos trabalhadores dos Correios e parlamentares de partidos da Oposição, especialmente do PT, afirmaram nesta quarta-feira (28) que o projeto de lei (PL 591/2021) do governo Bolsonaro, que abre caminho para a privatização dos Correios por meio da desestatização da empresa pública, atende apenas ao interesse do mercado privado de logística. O assunto foi debatido em audiência pública conjunta das Comissões de Desenvolvimento Econômico, Indústria, Comércio e Serviços (CDEICS) e da Comissão de Trabalho, de Administração e Serviço Público (CTASP) da Câmara. A reunião foi presidida pelo deputado Helder Salomão (PT-ES).
Os parlamentares e os trabalhadores alertaram que uma possível privatização da empresa pública colocaria em risco a universalização do serviço, além de trazer prejuízos ao consumidor e ao próprio poder público. O presidente da Federação Interestadual dos Sindicatos dos Trabalhadores e Trabalhadoras dos Correios (Findect), José Aparecido Gandara, disse duvidar que uma empresa privada possa vir a cumprir o mesmo papel desempenhado pela empresa pública.
“Será que com a privatização os Correios iriam operar em mais de 5,2 mil municípios que não dão lucro? Quem iria prestar esse serviço em locais de difícil acesso ou em lugares perigosos? Como iria ficar esse atendimento, e a que custo?”, indagou. Segundo ele, os Correios só conseguem atender todo o País porque pratica o subsídio cruzado, em que os municípios mais rentáveis cobrem os custos onde não há lucro.
O líder sindical questionou ainda quanto custaria ao próprio Estado serviços como o transporte de urnas eletrônicas, provas do Enem e de medicamentos em todo o Brasil.
“Será que isso seria feito apenas em locais onde dá lucro, ou seria feito a qual custo? Esses questionamentos precisam ser avaliados. Só mesmo na visão deste governo o mercado poderá atender o País como um todo”, criticou o dirigente da Findect.
O secretário-Geral da Federação Nacional dos Trabalhadores em Empresas de Correios e Telégrafos e Similares (Fentect), José Rivaldo da Silva, alertou que a proposta de abertura de capital da empresa (desestatização) – que representantes do governo insistiram em dizer que não se trata de privatização – não garante que o controle da empresa continue nas mãos do Estado.
“Ao abrir o capital da empresa pública, ainda que o governo fique em um primeiro momento com o controle acionário, poderá vender depois para uma empresa privada”, explicou. Segundo José Rivaldo, “a desestatização não tem explicação porque os Correios deram lucro de mais de R$ 1 bilhão no ano passado, e a própria legislação já permite que a empresa pública faça parcerias com a iniciativa privada para aumentar a sua eficiência”.
De acordo com o presidente da Fentect, os Correios entregam diariamente 3 milhões de encomendas e 21 milhões de correspondências em todo o País, mesmo com a redução de trabalhadores nos últimos anos. José Rivaldo da Silva informou que em 2014 a empresa pública tinha 128 mil funcionários, e que atualmente tem 92 mil (36 mil funcionários a menos). “Não falta tecnologia aos Correios, mas é necessária mais mão de obra, para melhorar a eficiência”, observou.
Exemplo de outros países
O ex-presidente do Conselho de Administração da Empresa de Correios e Telégrafos (ECT) Adroaldo Portal ressaltou que a maioria dos países do mundo não renuncia ao controle do Estado sobre os serviços postais. Segundo ele, entre quase 200 países, apenas em 8 deles o serviço postal é totalmente privado. “Na maioria, as empresas são públicas porque os Estados entendem a importância estratégica desse serviço”, afirmou.
Como exemplo, ele citou os Estados Unidos, que mantém um serviço postal público deficitário. “Há mais de 10 anos o serviço postal público lá é deficitário, com prejuízo anual na casa dos US$ 9 bilhões, e mesmo competindo com gigantes privadas como a FedEx e UPS, nenhum governo cogitou privatizá-lo por conta da garantia de universalização do serviço”, explicou. Segundo ele, um exemplo a ser seguido é os Correios da França, considerado um dos mais rentáveis do mundo e dono de uma grande empresa de logística que inclusive atua no Brasil, a JadLog.
Por outro lado, o ex-presidente do Conselho de Administração da ECT citou os casos de Portugal e da Argentina como exemplos de fracasso na tentativa de privatização dos serviços postais. Por conta da queda na qualidade do serviço, e aumento das tarifas, o serviço postal argentino foi reestatizado. Em Portugal, empresas vencedoras do processo de privatização aumentaram em 4 vezes o valor das tarifas e ainda assim afirmam que é impossível manter o serviço em locais isolados do País.
Privatização é inconstitucional
De acordo com o vice-presidente da Associação dos Profissionais dos Correios (ADCAP), Marcos Cesar Alves Silva, a simples ameaça de quebra na universalização do serviço postal já define a proposta do governo Bolsonaro como inconstitucional.
“O artigo 21 da Constituição Federal é claro ao afirmar que compete à União manter o serviço postal, exatamente o contrário do que define esse projeto de lei”, apontou.
Durante o debate, representantes do Ministério da Economia e do BNDES repetiram os tradicionais argumentos dos privatistas. Segundo eles, somente a desestatização (privatização) dos Correios pode garantir os investimentos necessários para garantir o serviço em todo o País, com qualidade e eficiência.
Resposta dos petistas
Os parlamentares petistas presentes ao encontro rebateram os argumentos dos representantes do governo. O coordenador da Frente Parlamentar Mista em Defesa dos Correios, deputado Leonardo Monteiro (PT-MG), destacou que tem dialogado com os trabalhadores da empresa pública e que a posição da Frente é de apoio total à categoria.
“Temos muita preocupação com a desestatização ou privatização dos Correios, da mesma forma como esse governo deseja fazer com a Eletrobrás, Petrobras e Banco do Brasil, em um momento em que deveríamos estar preocupados em salvar a vida das pessoas, com mais vacinas e com um auxílio emergencial mais justo”, ressaltou.
Na mesma linha, o deputado Helder Salomão também criticou o governo Bolsonaro por colocar a privatização em debate no atual momento em que o País alcança quase 400 mil mortes por Covid-19.
“Nesse momento o governo deveria estar preocupado em comprar vacina, gerar empregos e dar comida para o povo. A empresa pública tem uma missão diferente da empresa privada. A missão da empresa pública é prestar serviço à população, que não necessariamente tem que ter o mesmo lucro do que a empresa privada”, argumentou.
Já a deputada Erika Kokay (PT-DF) criticou as justificativas dos representantes do governo em defesa da desestatização (privatização) dos Correios. Sobre a acusação de que empresas sob a administração do governo estão mais suscetíveis à corrupção, a petista lembrou que, nos últimos anos, os grandes escândalos de corrupção sempre envolveram empresas privadas.
Sobre a alegada melhora na eficiência dos Correios com a desestatização, Erika criticou o exemplo dado com a privatização das telecomunicações. Segundo esse argumento privatista, a telefonia celular no Brasil só avançou porque houve a venda das estatais do setor.
“Aqui se falou que as telecomunicações no País evoluíram porque foram privatizadas. Quem disse que não haveria evolução sem a privatização? Vejam o Banco do Brasil, a Petrobras, a Embrapa. São empresas que acompanharam a evolução tecnológica e estão sob comando do Estado. O que se deseja na verdade é tirar os Correios da concorrência com o setor privado. Querem entregar o patrimônio público para quem sabe, uma Amazon ou Alibaba”, se referindo a grandes empresas mundiais de logística.
Por sua vez, o deputado Zé Neto (PT-BA) ressaltou que a privatização dos Correios colocaria o Brasil na contramão do que ocorre em outros países. “O mundo tem fortalecido suas empresas públicas postais. Os 20 maiores países em território do mundo têm Correios sob controle do Estado. Neste momento em que crescem os serviços de logística, os Correios têm importante papel no desenvolvimento do País”, ressaltou.
Fracasso nas privatizações
Os deputados Rogério Correia (PT-MG) e José Ricardo (PT-AM) deram exemplos de privatizações que não deram certo em seus respectivos estados. Correia disse que os mineiros têm “os dois pés atrás com privatizações”, porque viram o que aconteceu na privatização da Vale do Rio Doce.
“Depois que a Vale foi privatizada ocorreram dois grandes crimes ambientais, em Mariana e Brumadinho, não se gerou mais emprego e nem renda para o Estado, por conta da lei Kandir que isenta a empresa do recolhimento da circulação de mercadorias. A Vale transformou Minas em um ‘queijo suíço’, só extraindo minério cru para exportação, sem se preocupar em transformar em aço, por exemplo, para ajudar no desenvolvimento do estado”, reclamou.
Já o deputado José Ricardo disse que a privatização do setor elétrico no Amazonas, e do serviço de águas e esgoto na capital Manaus, não trouxe benefícios à população.
“No Amazonas sabemos que essa história de que privatização gera empregos e eficiência é mentira. Aqui privatizaram o setor elétrico, o serviço não melhorou, aumentaram a tarifa e não houve aumento de investimento após a iniciativa privada adquirir a empresa pública por preço baixo. Privatizaram o serviço de água e esgoto há 20 anos, e desde então não houve mais investimento. Não se pode fazer o mesmo com os Correios. Não podemos deixar que as “aves de rapina” aproveitem o atual momento de pandemia para privatizar a empresa”, defendeu.
Privatização beneficia setor privado
A deputada Maria do Rosário (PT-RS) disse que a desestatização significa entregar a parte lucrativa dos Correios ao setor privado. “Essa visão de que o Estado não deve agir na atividade econômica, nos leva à situação atual em que o Brasil não tem nenhum projeto nacional de desenvolvimento que preserve o interesse público”, acusou.
Por sua vez, o deputado Carlos Veras (PT-PE) ressaltou que o setor privado está “de olho gordo” nos Correios, “porque estão interessados na estrutura logística, e no sólido nome dos Correios”.
“Eu venho da agricultura familiar, e pergunto se o setor privado vai querer entregar uma encomenda lá na roça. Duvido, porque empresa privada só pensa no lucro. O que pudermos fazer nesse Congresso para manter os Correios públicos, nós vamos fazer. O PT vai defender os Correios como empresa pública”, declarou.
Héber Carvalho