Sociedade organizada é protagonista em Comissão que celebra 20 anos em defesa da Democracia Participativa

Foto: Pablo Valadares/Câmara dos Deputados

A Comissão de Legislação Participativa da Câmara dos Deputados (CLP), presidida pelo deputado Waldenor Pereira (PT-BA), promoveu no primeiro semestre 25 audiências no colegiado, ouvindo a sociedade civil, parlamentares e especialistas. Devido à pandemia, todos os encontros foram realizados no formato virtual para atender as normas sanitárias exigidas para evitar o contágio. Na volta do recesso parlamentar, em agosto, a CLP vai comemorar os 20 anos de instalação da comissão, criada em 2001.

Um dos encontros do colegiado com maior repercussão no 1º semestre foi o que ouviu o ex-superintendente da Polícia Federal do Amazonas, delegado Alexandre Saraiva. Na ocasião, o delegado disse que a atuação do então ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, no esquema de facilitação de contrabando de madeira no estado do Amazonas, que terminou em notícia-crime no STF, foi “uma fraude organizada”. A afirmação foi feita durante audiência pública da Comissão de Legislação Participativa da Câmara dos Deputados (CLP), em abril. Salles foi demitido em junho.

O colegiado também debateu o Projeto de Lei que revogava a Lei de Segurança Nacional. Juristas alertaram que seria uma ameaça ao estado democrático de direito. A sociedade civil pediu mais debates sobre o PL, que acabou aprovado pelo Congresso.

Outro tema discutido na CLP foi a Reforma Administrativa. Debatedores alertaram durante a audiência pública que essa reforma vai transformar a Constituição cidadã em uma Constituição comercial.

“Imaginem uma pandemia sem o serviço público? Já estaríamos com um milhão de mortos. Imaginem se não existisse o SUS? Esse governo não tem a pretensão de manter os serviços públicos através de concurso público e sim manter os apadrinhados de deputados, senadores, como era anos atrás”, afirmou José Moreira Castro, coordenador-geral da Federação de Sindicatos de Trabalhadores das Universidades Brasileiras.
Leia abaixo outros temas debatidos pela CLP no 1º semestre:

Comunidades Tradicionais

Comunidades Tradicionais pediram que o ensino da cultura afro-brasileira seja efetivamente implementado. A Lei 10.639, que definiu sua obrigatoriedade, foi aprovada em 2003, mas até hoje as redes de ensino não conseguiram efetivá-lo nas grades curriculares. A Lei 11.645/08 determina a mesma obrigatoriedade em relação à história e à cultura dos povos indígenas do Brasil.

Mãe Tuca D’Osogyan, advogada, destacou que “nas escolas, os livros contam a história que mais se adequa à maioria. Hoje, estão passando o trator pela nossa história. De 2016 para cá, tivemos todos nossos direitos violados. Não há mais participação social. Passamos mais tempo em brigas e questões judiciais do que construindo com políticas públicas para nossos povos. Falamos nos espaços públicos, mas nada acontece”.

Saúde

Em outra audiência pública, a sociedade civil pediu a revogação de portaria do Ministério da Saúde que inclui no SUS contraceptivo sem consulta aos grupos atingidos. A ex-procuradora Federal dos Direitos do Cidadão Deborah Duprat destacou que a consulta feita pelo Ministério foi apenas pela internet e durou menos de vinte dias.

“Tenho seríssimas desconfianças de que mulheres em situação de rua ou privadas de liberdade tenham sido ouvidas. Ao mirar um determinado grupo, mira o controle dos seus corpos. O controle dos corpos é fundamental para a participação na vida pública. Mais desconfiança por ter sido criada por um governo que tem como principal objetivo educacional a escola sem partido e, como política sexual, a abstinência”.

Democracia participativa

Mais de 40 instituições apresentaram sugestões e demandas para o plano de trabalho da CLP em 2021, durante mesa redonda.

“A CLP é uma das portas de entrada da democracia brasileira porque possibilita a apresentação de ideias e propostas pela população. Nossa preocupação é com o número de desempregados e a situação do mercado de trabalho no país, o que tem levado milhares de pessoas à insegurança alimentar”, destacou Noemia Porto, presidente da Associação Nacional dos Magistrados da Justiça do Trabalho.

Também no primeiro semestre, a Comissão deu a largada para a criação de rede nacional de comissões de legislação participativa. A iniciativa foi do presidente da CLP, deputado Waldenor Pereira, e debatida em uma mesa redonda com representantes de comissões similares nos legislativos municipais e estaduais.

“Estamos completando 20 anos da criação e instalação da CLP. Queremos fazer uma reflexão sobre seu papel no parlamento e seu sentido para a sociedade civil, discutindo os avanços e ressaltando o que ainda é necessário fazer para aprimorar a participação popular no processo legislativo”, explicou Waldenor Pereira.

Consumidor

O colegiado debateu ainda questões envolvendo o direito do consumidor. Especialistas apontaram que sobre o empréstimo consignado, “o que era para ser bom pode virar um problema”. O volume do crédito consignado teve um recorde em janeiro deste ano, com R$ 442,8 bilhões contratados. De acordo o Banco Central, é o maior valor já registrado neste tipo de empréstimo. As fraudes e o vazamento de dados foram discutidos pela CLP.

LGBTQIA+

A violência e a dificuldade de punir homofobia também foram problemas apontados no 18º seminário LGBTQIA+, promovido pela CLP.
“O Brasil é o país que mais mata LGBT´s no mundo, sendo responsável por 52% dos casos. Precisamos de uma ação multidisciplinar na segurança pública, que envolva secretarias, escolas e movimentos sociais. No ano passado, 175 mulheres trans foram assassinadas no Brasil, a maioria negras. Ou seja, na nossa população existe uma parte que sofre mais ainda”, disse Linda Brasil, vereadora em Aracaju (SE).

Indígenas

“Hoje, o coração de todas as aldeias está aqui”, a frase é do cacique Bepnothi Atydjare Kayapó, da Associação Floresta Protegida. Ele participou de audiência pública na qual indígenas pediram apoio para impedir avanço de projetos de lei que violam direitos constitucionais.
Alessandra Munduruku, representante do povo Munduruku (PA), foi enfática ao falar sobre a situação de seu povo. “Nosso território tem sido atacado, fogo na casa de parentes e perseguição. Os garimpeiros incentivaram a queimar pontes para nenhum de nós chegar em Brasília. A Funai é a favor da soja e não da vida. A gente já toma água e come peixe contaminado. Não estamos aqui para brincar. Não posso ficar calada enquanto meus filhos e colegas são massacrados. Não somos lideranças de bandidos. Tem que haver justiça nesse Brasil”, protestou.

Pandemia

Da falta de informação à violência cotidiana: como sobrevive a população em situação de rua na pandemia, foi outra pauta de audiência pública. De acordo com levantamento feito pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), em todo o Brasil, 222 mil pessoas vivem em situação de rua. Esse resultado aponta um aumento de 140% no número de pessoas nestas condições entre 2012 e março de 2020. Por causa da pandemia de Covid-19, os números devem crescer ainda mais.

Na falta de ações coordenadas e eficientes do governo federal, a CLP mostrou exemplos de solidariedade em tempos de pandemia. A Associação de Vítimas e Familiares de Vítimas da Covid-19 – Avico Brasil é uma dessas organizações. Foi criada em abril deste ano, em Porto Alegre (RS).
“Vamos entrar com uma representação criminal contra Jair Bolsonaro. Vamos ser a pedra no sapato desse governo negacionista. Recebemos diariamente denúncias de famílias pedindo a responsabilização do governo pelas mortes e falta de apoio aos sobreviventes. Fizemos um levantamento sobre as várias omissões do governo como, por exemplo, reiteradas manifestações contra a vacinação, falta de planejamento para distribuição de imunizantes, gasto de dinheiro público em medicamentos sem eficácia e conselhos da sociedade sabotados”, disse Gustavo Bernardes, presidente da Avico Brasil.

Violência policial

A chacina de Jacarezinho (RJ) – operação da Polícia Civil terminou com 28 mortos – foi debatida na CLP. Houve denúncias de abuso, violência, tortura e execução sumária. Moradores afirmaram que houve execução mesmo após a rendição.

“Foi o massacre do Jacarezinho. Um ponto limite da violência policial que temos no Rio de Janeiro. As ações de segurança pública, com o uso indiscriminado da força sobre a população negra, das favelas, além do uso privado para fins criminosos, com a ação das milícias. Corrupção e impunidade que ameaçam o estado democrático de direito”, salientou Daniel Hirata, da Universidade Federal Fluminense.

Racismo

Os sintomas de uma sociedade machista e racista foram apontados em audiência pública sobre violência política contra mulheres negras.
“Esse tipo de violência acontece quando expomos nosso corpo para a luta e isso é muito duro, interfere na saúde mental. Isso acontece quando ocupamos espaços que há tanto tempo são privilégio da elite. São ameaças físicas, humilhações e interrupção de fala. Um mecanismo para nos tirar do lugar aonde chegamos. Ao ocupar esses espaços, causamos uma reação proporcional, ainda mais agora que vivemos uma realidade de desmonte, destruição e com a fragilização da democracia”, ressaltou a deputada Talíria Petrone (PSOL-RJ).

Criança e adolescente

Desemprego, fome e o aumento da miséria impactam no número de casos de abuso sexual de crianças e adolescentes. Essa foi uma das conclusões do debate sobre o aumento dos índices de denúncias e o desmonte das políticas públicas para a juventude.
“Há dois anos, o Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente sofre ataques que impossibilitam o trabalho. Não houve a nomeação dos integrantes e por isso não consegue funcionar. Toda democracia brasileira está ferida, a sociedade civil não participa mais, de forma paritária, na construção de políticas públicas”, denunciou a parlamentar Maria do Rosário (PT-RS).

A íntegra de todas as audiências públicas, em áudio e vídeo, está disponível na página da CLP no site da Câmara dos Deputados.

Duas décadas de atuação

Em agosto, eventos vão comemorar a instalação da CLP, criada em 2001, para fortalecer a democracia participativa e valorizar a participação da sociedade civil organizada.

Vinte anos depois, em agosto deste ano, uma extensa programação deve marcar essa trajetória. Entre as ações previstas para marcar a data estão uma exposição temática, seminários, audiências públicas e mesas redondas, com ampla participação da comunidade acadêmica e movimentos sociais. Também deve ser lançada uma publicação sobre os 20 anos da CLP.

Assessoria Comissão de Legislação Participativa

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