A Câmara aprovou na tarde desta quinta-feira (16) a medida provisória (MP 1052/21), que modifica regras relativas à administração dos fundos constitucionais do Norte (FNO), do Nordeste (FNE) e do Centro-Oeste (FCO). O texto também diferencia custos de operações financeiras conforme o porte do tomador de recursos dos fundos e altera as regras do Fundo Garantidor de Infraestrutura (FGIE), permitindo apoio a concessões públicas e parcerias público-privadas. O deputado Zé Neto (PT-BA), ao encaminhar o voto contrário da Bancada do PT, denunciou que as mudanças abrem espaço para a transferência de recursos públicos para a iniciativa privada e enfraquece, os bancos oficiais de fomento.
Zé Neto observou que estamos vivendo um momento de total mudança nas estratégias de desenvolvimento do País. “Infelizmente, esse texto aprovado não atende ao que o mundo está fazendo, inclusive, no próprio liberalismo. Isso não é nem liberalismo. Eu diria que isso é uma libertinagem econômica que não olha para o setor público, mas quer do setor público vantagens; que não olha para o desenvolvimento sustentável, mas quer do setor público vantagem; que não olha para o crescimento coletivo, mas quer do poder público vantagens”, criticou.
O texto, que ainda precisa ser apreciado pelo Senado, foi aprovado na forma do projeto de conversão apresentado pelo relator, deputado Wellington Roberto (PL-PB), que retirou da proposta a redução da taxa de administração a que têm direito os bancos públicos por gerenciarem o dinheiro dos fundos, prevista na medida original do governo Bolsonaro.
Atrativo para investimentos
O deputado Zé Neto, que chegou a defender a retirada a MP da pauta de votação, destacou que o fundo garantidor é muito importante, e lembrou que o governo Dilma foi protagonista nesse processo de construção de um fundo garantidor, visando aprimorar as PPPs no Brasil, e fazer com que houvesse atrativos para os investimentos. “Entretanto, o texto aprovado deixou uma grande brecha para um nivelamento com o setor privado a partir dos interesses privados. E isso realmente faz parte de uma estratégia que, desde o primeiro momento do governo atual, ficou clara que é a diluição dos potenciais produtivos do ponto de vista do fomento e da interação do Estado com o setor de desenvolvimento do País”, afirmou.
Entrega do Estado para a iniciativa privada
A deputada Erika Kokay (PT-DF) ressaltou que a MP 1.052 segue a linha do governo atual de entregar o Estado para a iniciativa privada. “O fundo garantidor poderá aportar recursos em fundos de investimentos privados, o sistema financeiro, recursos públicos que vão para a iniciativa privada. Ela destacou que quando essa medida provisória foi instituída, ela representava uma tentativa nítida de destruição dos bancos públicos, e o relator teve a sensibilidade de entender o que representam esses bancos.
“O crédito rural, que é um crédito de risco, o crédito a longo prazo, que é um crédito fundamental para o desenvolvimento de uma região, estão concentrados nos bancos públicos, e 98% do crédito imobiliário para a população de baixa renda está na Caixa. Os bancos públicos são fundamentais para isso”, afirmou.
Por isso, continuou a deputada, a tentativa do governo de acabar com os bancos públicos, o Banco do Nordeste e o Banco da Amazônia, e, ao mesmo tempo, colocar um fundo garantidor de R$ 11 milhões nas mãos da iniciativa privada foi frustrada. “A tentativa foi frustrada, mas, ainda assim, a MP direciona recursos. Está bastante clara a finalidade de colocar recursos em fundo de investimentos privados sem que o Estado possa determinar para onde vão esses recursos, que são recursos para desenvolver o Brasil, para dar dignidade — que está tão aviltada — ao povo brasileiro. Isso fez com que nós votemos contra o projeto”, explicou.
A deputada observou ainda que a MP altera regras de gerenciamento dos fundos constitucionais do Nordeste e do Norte, que são fundamentais para se eliminarem as desigualdades regionais. “Nós estamos falando de bancos públicos, que são absolutamente imprescindíveis para que nós possamos ter agentes para o desenvolvimento tanto do Nordeste quanto do Norte. Nós estamos falando do Basa, do BNB e também do Banco do Brasil. Portanto, nós temos que ter cuidado para que nós não tenhamos a inviabilização desses bancos e também para que nós não tenhamos recursos públicos drenados para a iniciativa privada”, alertou.
Mudança para pior
O deputado Henrique Fontana (PT-RS) encaminhou o voto contrário da Minoria. Ele esclareceu que esse Fundo Garantidor (de investimentos) de Infraestrutura foi constituído nos tempos em que o PT governava o País, com o apoio do Parlamento.
“Ele é um fundo que tem mais de R$ 11 bilhões e, à época, foi constituído para contribuir com o crescimento do volume de investimentos públicos e também em parceira com o setor privado no PAC, que foi o Programa de Aceleração do Crescimento”. O Brasil, continuou Fontana, hoje, precisa muito de investimentos. “O governo Bolsonaro está asfixiando completamente os investimentos públicos, inclusive, investimentos em parceria com o setor privado. Agora, a maneira como querem fazer o uso desse fundo nesta medida provisória é equivocada”, afirmou.
Fontana relembrou ainda que o projeto das PPPs também foi votado em 2005, durante o governo Lula. “Ou seja, nós compreendemos, aliás aplicamos muito bem, esse convívio entre o papel de definição estratégica e a participação do público com o privado. O que está mudando para pior nesta medida provisória é que esses projetos de infraestrutura, quando foi concebido o fundo garantidor, eram definidos estrategicamente pelo Executivo. Agora, transfere-se o uso desse fundo garantidor para projetos que não serão analisados estrategicamente no interesse do planejamento do País como um todo. Esse é um dos grandes defeitos da mudança que está sendo proposta agora”, criticou.
Lógica do lucro e não do desenvolvimento
O deputado Joseildo Ramos (PT-BA), ao se manifestar contra a MP citou que as PPPs sairão da lógica do desenvolvimento estabelecido pelo Poder Executivo, “portanto, o desenvolvimento pensado de maneira estratégica, de maneira estruturante”. Ele explicou que o dinheiro público, cerca de R$ 11 bilhões, pode ir para fundos privados que irão administrar gratuitamente esse recebimento e definir os projetos que interessam à iniciativa privada, na lógica do lucro e não na lógica exclusiva do desenvolvimento do Nordeste. “Portanto, serão recursos drenados das iniciativas clássicas de desenvolvimento da região que vão parar, por exemplo, PPP do saneamento. A desregulamentação do marco regulatório pode drenar recursos para saneamento e para infraestrutura sem que estejam sendo pensados pela lógica do poder público”, alertou.
Ele informou que o Banco do Nordeste e o Banco da Amazonas têm equipe extremamente especializada. “Nós não podemos jogar na lata do lixo iniciativas importantes e históricas que esses bancos, que administram os fundos constitucionais, já fazem há bastante tempo”, argumentou, acrescentando que o que se quer agora é, mais uma vez, “deslocar recursos que estão sendo trabalhados nas nossas regiões, aquelas que não têm as mesmas condições de desenvolvimento do Sul e do Sudeste, e colocá-los na mão da iniciativa privada sendo presididas pelo sentido do lucro”, criticou.
Caos econômico e social
O deputado Helder Salomão (PT-ES) destacou que o Brasil está vivendo um caos econômico, social, político, sanitário, ambiental. “O que se propõe com esta medida provisória são mudanças no fundo garantidor de concessões e redução de encargos que compõem as receitas dos bancos públicos administradores dos fundos constitucionais. Na verdade, nós sabemos que é fundamental que se pense em um momento como este de pandemia no papel do Estado, que deve ser o de criar as condições econômicas para a geração de emprego, para ampliar os investimentos e garantir mais qualidade de vida para a população. E esta medida provisória sinaliza um retrocesso”, denunciou.
E o deputado Airton Faleiro (PT-PA) lembrou que os fundos constitucionais são fundamentais para reduzir as desigualdades regionais. “A legislação foi precisa em dizer que era para diminuir as desigualdades sociais, e os fundos constitucionais, prioritariamente, têm que investir nos mini, pequenos e médios, e também nos grandes, mas prioritariamente nesses segmentos. Eu sou testemunha de que os fundos constitucionais estão cumprindo esse papel. Então, eu pergunto: para quê alterar as regras agora?”, indagou.
O deputado reconheceu que o relator retirou do texto original a alteração do valor da taxa de administração e a alteração sobre del credere (garantia). “Estava ali a morte dos bancos estatais. Então, foi uma conquista. Mas, mesmo assim, a medida provisória permanece com problemas. Por exemplo, pegar uma fatia desses fundos e destinar para ser aplicada através da parceria público privada, pelo capital privado. Isso é retirar a capacidade de ação dos bancos públicos”, lamentou.
O deputado Leo de Brito (PT-AC) também reconheceu que o relator conseguiu melhorar o texto, “que era uma medida provisória completamente nefasta aos interesses do País” e que colocava o fundo garantidor, que é tão importante para as operações de crédito na mão da iniciativa privada. “O deputado Wellington Roberto conseguiu trazer para os bancos públicos. Foi um avanço, mas continua havendo a possibilidade de que esses recursos, contrariamente aos interesses nacionais, ao planejamento de desenvolvimento do nosso País, sejam drenados para as Parcerias Público-privadas, para fundos de investimento privado inclusive”, alertou.
O deputado Padre João (PT-MG) também se manifestou contra a entregar os fundos constitucionais para a iniciativa privada. “Temos bancos públicos — alguns até 100% públicos, mesmo os de capital aberto — que têm expertise na parte de infraestrutura, como o Banco do Nordeste, o próprio Banco do Brasil, o Banco da Amazônia, a Caixa Econômica Federal e o BNDES. É um escândalo o que está acontecendo neste País”, protestou.
Destaques
O PT ainda tentou reduzir danos, apresentando três destaques para modificar o projeto de conversão da MP. Um deles pretendia retirar do texto a previsão de que o estatuto desse fundo regulamentaria os serviços de assistência técnica a serem contratados pelo fundo garantidor; o outro pretendia retirar a possibilidade de reembolso ao banco administrador do FGIE de valores gastos com atividades para estruturar projetos de parceria público-privada; e o último tinha o objetivo de excluir do projeto a previsão de que o estatuto do fundo garantidor disciplinaria sua participação em fundos de investimento. Entretanto, todas as propostas foram rejeitadas pelo plenário.
Vânia Rodrigues