Em audiência pública promovida pela Comissão de Legislação Participativa (CLP) da Câmara, nesta terça-feira (13), diversos parlamentares e lideranças indígenas pediram o arquivamento da proposta de emenda à Constituição (PEC 215/00) que transfere ao Congresso a competência de demarcação de terras indígenas. Para o Ministério da Justiça e para a Advocacia Geral da União (AGU), a matéria é inconstitucional.
Um dos expositores convidados, o jurista Dalmo Dallari, criticou duramente a proposta, que teve a sua admissibilidade constitucional aprovada na Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania (CCJC) em março passado. “A PEC 215 não deveria ter sido aprovada na CCJ, mas se os parlamentares insistirem e a aprovarem, vamos recorrer ao STF porque ela é escandalosamente inconstitucional”, atacou Dallari.
Para o presidente da Frente Parlamentar em Defesa dos Povos Indígenas, deputado Padre Ton (PT-RO), a PEC é uma estratégia dos ruralistas para o agronegócio avançar sobre as terras e os direitos indígenas consagrados na Constituição de 1988. “O artigo 231 é um dos pontos mais avançados da nossa Constituição e não é justo que o nosso parlamento burguês, onde mais de 200 parlamentares são ruralistas e legislam em causa própria, aprove uma PEC como essa, que é claramente inconstitucional, entendimento que foi expresso, inclusive, por vários juristas”, argumentou Padre Ton.
A proposta, na avaliação da deputada Erika Kokay (PT-DF), é uma grave ameaça à sobrevivência dos povos indígenas. “Tenho muita clareza da inconstitucionalidade da PEC e se ela for aprovada significará a retirada dos indígenas de suas terras e isso causará a aceleração do genocídio e do etnocídio destes povos”, opinou Erika.
O Secretário de Assuntos Legislativos do Ministério da Justiça, Marivaldo Pereira, explicou porque a PEC é considerada inconstitucional pelo governo. “Primeiro, a PEC invade a competência do Executivo, uma vez que o ato de demarcação é um ato meramente administrativo que busca apenas declarar um direito que já foi reconhecido pela Constituição, ou seja, é um ato de mera execução, que cabe ao por Executivo segundo a Carta Magna. Além disso, da forma como está colocada, a PEC coloca em risco os direitos dos povos indígenas, ferindo cláusula pétrea, que proíbe a aprovação de emenda à Constituição tendente a abolir direitos constitucionais”, esclareceu Pereira, manifestando uma posição que também é adotada pela Advocacia Geral da União (AGU).
Histórico – O deputado Nilmário Miranda (PT-MG) lembrou que boa parte dos conflitos envolvendo territórios indígenas teve origem nas doações ilegais de terras feitas pelos estados a produtores rurais, antes da Constituição. “Com a Constituição de 1988, revertemos o processo de extinção dos povos indígenas. Os maiores problemas relacionados a isso foram causados por assembleias legislativas, que concederam terras da União a proprietários privados, no período anterior à Constituição, e ali começou o processo de grilagem desses territórios, inclusive com apoio de cartórios. Esses problemas levam décadas para serem solucionados e tirar do Executivo a competência de demarcação das terras é um enorme retrocesso. Nós temos é que avançar”, afirmou Nilmário.
Posição semelhante possui o deputado Leonardo Monteiro (PT-MG). “A PEC 215 é um equívoco, é inconstitucional. Nós precisamos é avançar na promoção dos direitos indígenas, com a reestruturação da Funai e criar melhores condições para este órgão aperfeiçoar o seu trabalho e garantir dignidade aos povos indígenas”, afirmou Monteiro.
Mandado de segurança – Na semana passada, as frentes parlamentares em Defesa dos Povos Indígenas e dos Direitos Humanos impetraram mandado de segurança (MS 32262) no Supremo Tribunal Federal (STF) para barrar a tramitação da PEC 215/00 na Câmara. O ministro Roberto Barroso, tido como um dos principais constitucionalistas do País, foi designado relator da ação.
Nesta quarta-feira (14), a partir das 14h30, em local a definir, haverá reunião do Grupo de Trabalho criado pela presidência da Câmara para tratar das demandas das entidades indígenas, que também querem o arquivamento do projeto de lei complementar (PLP 227/12) que modifica o artigo 231 da Constituição, visando dificultar o processo de demarcação de terras indígenas.
Na quinta-feira (15) haverá outra audiência pública na CLP, com o objetivo de discutir a suspensão da demarcação das terras indígenas no Paraná, motivada por laudo produzido pela Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa). A reunião ocorrerá a partir das 9h30m, no plenário 3.
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Rogério Tomaz Jr.