Em audiência na Câmara Federal, vereadoras denunciam que são vítimas de violência política

Foto: Reprodução

Vereadoras de todo o País relataram a violência política que sofrem por parte de grupos conservadores e reacionários que ainda não aceitaram o resultado das urnas das últimas eleições, em 2020. Segundo os relatos que ocorreram nessa quarta-feira (16), durante audiência pública promovida pela Comissão de Direitos Humanos e Minorias da Câmara (CDHM), essa violência tem recorte racial, de gênero e de orientação sexual.

“A nossa presença, a presença de mulheres, mulheres negras, mulheres jovens e LGBTs, nos espaços de poder, incomoda aqueles que são herdeiros que sempre estiveram nos espaços de poder”, afirmou a vereadora do município de Uberlândia (MG), a petista Dandara.

A vereadora mineira disse ainda que os ataques sofridos por elas, “é uma tentativa de continuar mantendo hierarquias de privilégios que gera benefícios e privilégios históricos, materiais ou simbólicos a determinados grupos políticos”.

O debate sobre violência contra vereadoras e vereadores foi proposto pela deputada Erika Kokay (PT-DF) e subscrito pelos deputados Helder Salomão (PT-ES), Marcon (PT-RS) e Frei Anastácio Ribeiro (PT-PB). Segundo os proponentes, vereadoras e vereadores vêm sendo vítimas de ataques diversos por conta de sua atuação em defesa de minorias. O presidente da CDHM, deputado Carlos Veras (PT-PE), coordenou a audiência.

Um dos exemplos emblemáticos dessa violência relatados pelos parlamentares que sustenta o pedido da audiência, é o caso da vereadora de Niterói Benny Briolly (PSOL-RJ), que anunciou na semana passada ter saído do Brasil por estar sofrendo constantes ameaças à sua vida. Pelas redes sociais, ela contou que os ataques começaram há cinco meses, logo no início de seu mandato.

Segundo Benny Briolly, uma das ameaças foi via e-mail, citando seu endereço, exigindo que ela renunciasse ao cargo. Caso contrário, iriam até a casa dela para matá-la. Um dos agressores desejou que “a metralhadora do Ronnie Lessa” a atingisse. Lessa é o ex-PM acusado de matar a vereadora Marielle Franco.

Ataques e ameaças

Nas exposições, as vereadoras relatarem os ataques virtuais (pelas redes sociais, WhatsApp), ataques reais composto por ameaça de morte que elas têm enfrentado. Na opinião das vereadoras, os ataques e ameaças ocorrem no sentido de silenciá-las, de sustarem os seus mandatos conquistados dentro da legitimidade democrática.

“Não seremos interrompidas, não deixaremos que tentem silenciar as nossas falas, as nossas narrativas. Esses momentos contribuem para que a gente se fortaleça e se conecte em uma rede de resistência, para que cada vez mais mulheres negras e negros e LGBTQIA+ ocupem esses espaços que sempre nos foram negados”, afirmou a vereadora de Aracaju Linda Brasil (PSOL-SE).

Não é fato isolado

As debatedoras chamaram atenção para o fato de que a violência política que vem ocorrendo não se trata de fato isolado, mas é orquestrado, organizado, e que isso ocorre em todo o Brasil, tanto nas capitais quanto no interior do país.

“É uma constatação que precisa estar, inclusive na ata, no relatório dessa audiência pública, de que não são fatos isolados. Nós temos aqui vereadoras de todas as regiões do Brasil, de muitos estados e todas elas relatam uma violência política e também uma violência política de gênero que nós vivenciamos todos os dias”, afirmou Dandara.

Segundo Dandara, a violência tem objetivos claros de tentar silenciá-las. “Nosso corpo tem sido esse adversário que eles querem combater o tempo todo, de nos amedrontar, de fazer com que a gente não tenha coragem, força o suficiente de falar em determinados lugares, de trazer as convicções, nossos projetos, nossas ideias”, denunciou a vereadora mineira.

Violência institucional

A violência institucional também faz parte do relato da maioria das parlamentares presentes na audiência pública. Dandara reverberou a angustia sofrida por elas. Em seu relato, destacou a agressão sistemática praticada no âmbito das Câmaras Municipais.

“Nós convivemos sistematicamente com uma onda de violência sobre a nossa vida, nossa trajetória. Distorcem os projetos que a gente constrói, distorcem nossas falas na tribuna, distorcem conteúdo de nossas redes sociais, espalham isso para tentar diminuir a nossa atuação política, para deslegitimar a envergadura e o tamanho da nossa fala, da nossa liderança”, relatou Dandara, como porta-voz da mesma realidade vivida por suas companheiras de parlamentos diversos.

“É muito duro perceber que nós ainda convivemos com uma violência institucional. Eles barram os nossos projetos na primeira comissão, falam que é inconstitucional, que é vício de iniciativa, manda arquivar ou devolver para o autor. Eles não querem a nossa presença em comissões, e em debates importantes eles tentam nos silenciar no plenário, eles ameaçam abrir comissão de ética contra nós vereadores(…) Sem dúvida, há uma violência institucional que também é muito grande”, lamentou Dandara.

Enfrentamento

A vereadora da capital paulista Juliana Cardoso (PT-SP) também relatou as violências cotidianas que sofre, principalmente pelos bolsonaristas que compõem a Câmara Municipal da cidade de São Paulo. Como forma de enfrentamento a essa onda de violência, a petista sugeriu à CDHM que se faça ações no sentido de coibir a violência política de gênero, de raça, de orientação sexual, identidade de gênero.

“Gostaria que o senhor [Carlos Veras], por favor, fizesse uma notificação ou uma audiência sobre a violência política nitidamente articulada, exigindo que o Ministério Público Federal acompanhe e aja com o Estado para a possibilidade dessa sua comissão se somar com essas iniciativas”, sugeriu Juliana Cardoso.

Ela também sugeriu que a comissão em parceria com o observatório da ONU possa realizar acompanhamento de pesquisas relacionadas à violência política. Ao mesmo tempo, organizar atividades de acompanhamento com as assembleia legislativas e observatórios dos estados.

“Fortalecer uma campanha o mais rápido possível contra a violência política nas redes. Divulgar isso em rede, retransmitir em audiência pública o máximo que a gente pode, tudo que a gente pode fazer na atuação da Câmara dos Deputados e no Senado. Isso nos fortalece, isso nos ajuda a fazer esse enfrentamento todo dia”, argumentou.

Encaminhamentos

O deputado Helder Salomão (PT-ES) – que já presidiu a CDHM – disse que o Brasil está vivendo um momento de polarização política grave. Para ele, é inadmissível que as pessoas sejam ameaçadas e atacadas por terem posicionamentos políticos ideológicos diferentes.

“A democracia comporta a diversidade, a pluralidade e é fundamental que a gente exerça este direito democrático com fundamento no diálogo, e é o diálogo que deve mediar as relações pessoais, sociais, familiares, religiosas, políticas, enfim, é isso que deve ser o fundamento das relações pessoais. E é inadmissível que a gente tenha em pleno século 21 num país como o Brasil, de dimensões continentais, esse acirramento do ódio e da intolerância contra as minorias”, ponderou.

O parlamentar capixaba sugeriu como encaminhamentos que a CDHM notifique as câmaras de vereadores sobre os fatos relatados na audiência, exigindo apoio jurídico e garantia de vida e segurança às pessoas ameaçadas. Além disso, Helder Salomão propôs que a comissão apresente um projeto de lei para punir a violência política, de gênero, de raça, de orientação sexual, de identidade de gênero.

O deputado também considera importante que a Comissão de Direitos Humanos notifique o Ministério Público Federal sobre essa realidade que os representantes municipais estão vivendo.

Outra proposta apontada por Salomão vai no sentido de uma parceria entre a CDHM com a ONU para que se faça um monitoramento da violência política existente no Brasil. Por fim, o parlamentar sugeriu uma relação mais próxima com as assembleias legislativas buscando entender isso em cada estado. “E é preciso que a gente fortaleça uma campanha contra a violência política nas redes”, completou.

Discurso do ódio

Ao se pronunciar, a deputada Erika Kokay lembrou que a violência política tem sustentáculo no discurso do ódio imposto ao Brasil pelo presidente da República, Jair Bolsonaro. “O discurso de ódio, ele se transforma em balas, se transforma em hematomas, ele vira estatísticas e são estatísticas muito duras, mas não é só isso, não é apenas a violência política contra quem pensa de forma diferente, mas a violência política que é mais intensa para determinados corpos. Como a necropolítica, ela atinge de forma mais profunda determinados corpos, são corpos negros, corpos LGBT, corpos femininos, corpos, corpos que não se pensou as estruturas de poder pra serem ocupadas por esses corpos e por isso buscam nos interromper”, assegurou.

Deputada Erika Kokay foi autora do requerimento da audiência pública. Foto: Gustavo Sales/Câmara dos Deputados

A deputada Maria do Rosário (PT-RS) é da mesma opinião. Para ela, Bolsonaro tinha que ser barrado na época em que exerceu mandato de deputado federal. Segundo ela, Jair Bolsonaro ao longo de quase trinta anos de mandato na Câmara, sempre atuou com agressões. “Nós jamais deveríamos ter deixado passar pelo Conselho de Ética qualquer dos ataques que ele fez a qualquer pessoa. Quando foi racista, quando foi machista, quando foi homofóbico, quando foi contra os familiares dos mortos e desaparecidos. A origem da violência política no atual período está dentro do Palácio do Planalto”, acusou.

Observatório da mulher

A deputada Professora Rosa Neide (PT-MT), segunda coordenadora da Secretaria da Mulher da Câmara dos Deputados, colocou a pasta à disposição das vereadoras e acrescentou que a secretaria está construindo o observatório da mulher na política. Com essa iniciativa, completou, a ideia é fazer o observatório nacional e também o sul-americano “para que a gente possa colocar o quanto a mulher na política está sendo agredida, disponibilizar um site onde a palavra fique aberta, as mulheres possam demonstrar publicamente, denunciar publicamente o que está acontecendo”.

Desdobramentos

Ao final da audiência, o deputado Carlos Veras fez um breve relato das ações encaminhadas pela comissão no enfrentamento à violência de gênero e de raça na política. “Em dezembro de 2020, a presidência da Comissão de Humanos e Minorias realizou reunião acerca da violência política contra as mulheres. Desde então, a presidência da CDHM atuou em nove casos de violência política”, explicou.

Sobre as propostas apresentadas no decorrer do debate, Veras Informou que as contribuições integrarão o relatório sobre participação política das mulheres do observatório de revisão periódica universal, fruto da parceria da Câmara dos Deputados com a ONU.

Em relação à proposta de notificações às câmaras de vereadores e solicitação de investigação criminais, o deputado solicitou que as pessoas que desejarem, encaminhem os casos por escrito à Comissão de Direitos Humanos, relatando as ameaças sofridas, anexando boletim de ocorrência, se houver. Ele esclareceu que esse procedimento vai auxiliar na notificação às câmaras municipais.

Veras disse ainda que vai encaminhar as notas taquigráficas da audiência ao Ministério Público Federal.

Quanto à produção legislativa o deputado informou que a Câmara aprovou o projeto de lei (PL 349/2015), de autoria da deputada Rosangela Gomes (Republicanos-RJ) que versa sobre combate à violência política contra a mulher. “O projeto está aguardando apreciação no Senado. Se houver propostas legislativas diferentes deste projeto, ou não contempladas nesse PL, solicitamos que enviem as propostas também por escrito, para que possamos encaminhá-las à consultoria legislativa”, solicitou Carlos Veras.

O presidente da CDHM informou ainda, que tramita na comissão o projeto de lei (PL 78/2021) de autoria do deputado Alexandre Frota (PSDB-SP), que altera o código eleitoral para proibir a violência política eleitoral contra os candidatos LGBTQI+ ou transgênero. “O PL é relatado pelo deputado Helder Salomão, que está trabalhando em um substitutivo. Sugestões a esse PL também podem ser encaminhadas ao deputado Helder Salomão”, finalizou.

Benildes Rodrigues

Assista a íntegra da audiência pública:

Leia mais sobre a audiência:

Vereadores denunciam violência política e pedem apoio da Câmara dos Deputados

 

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