Parlamentares, gestores públicos e especialistas em questões federativas afirmaram nesta quinta-feira (28), durante o Seminário Resistência, Travessia e Esperança, que o chamado “Orçamento Secreto” – esquema de distribuição de verbas para emendas pelo qual o governo Bolsonaro obtém maioria no Congresso – é um entrave para a reconstrução do Pacto Federativo com estados e municípios em um futuro governo Lula. Segundo eles, os recursos hoje liberados via “Orçamento Secreto” deveriam ser destinados à reconstrução de políticas públicas nacionais.
Na abertura do Seminário – organizado pela Lideranças do PT na Câmara e no Senado, pelo PT Nacional, pela Fundação Perseu Abramo e pelo Instituto Lula – o Líder da Bancada na Câmara, deputado Reginaldo Lopes (PT-MG), acusou o governo Bolsonaro de ser “antifederativo”. Ele lembrou, por exemplo, que enquanto o governo federal joga a responsabilidade acerca dos aumentos sucessivos dos combustíveis sobre os governadores e acaba com a Cide para tentar disfarçar sua responsabilidade, os municípios não têm dinheiro nem mesmo para recuperar estradas vicinais e pontes.
“Enquanto isso o presidente fica defendendo liberação de emendas via Orçamento Secreto. Esse governo destruiu as relações federativas e quer deixar os municípios de “pires na mão”. Não é possível construir o futuro do País somente com liberação de emendas parlamentares, ainda que sejam justas, porque hoje o recurso para investimento de muitos ministérios é menor do que o liberado para essas emendas”, explicou.
O deputado Pedro Uczai (PT-SC), um dos coordenadores da mesa de debate, ressaltou que é impossível discutir o futuro do País sem debater sobre a distribuição do Orçamento. “Vamos precisar de recursos para reconstruir o País, portanto temos que ter cuidado com o discurso fácil de apenas descentralizar porque um futuro governo Lula precisará de recursos e terá que ter autonomia (para implementar políticas públicas) ou senão viverá ajoelhado diante de interesses parlamentares”, disse o petista ao lembrar do Orçamento Secreto controlado pelo Centrão.
Já o deputado Patrus Ananias (PT-MG), também coordenador da mesa de debates, lembrou que o Brasil precisa retomar as políticas públicas integradas iniciadas no governo do ex-presidente Lula.
“Em um futuro governo Lula precisaremos integrar as políticas públicas com estados e municípios para maximizarmos a utilização dos recursos públicos, como fizemos em nossos governos. Políticas de educação devem estar integradas às de ciência e tecnologia, essas com as da pesquisa, da pesquisa com a saúde, da saúde com a moradia, da moradia com o direito a uma alimentação saudável. Enfim, um novo pacto federativo terá que ser feito para essas ações integradas, dentro de uma justa divisão de tarefas”, recomendou.
O líder do PT no Senado, senador Paulo Rocha (PA), destacou que “o governo ex-presidente Lula trabalhou com os municípios para implementar e ampliar as políticas públicas”. Entre essas ações ele citou o Programa habitacional Minha Casa Minha Vida, o Pronaf e o Luz para Todos.
Bolsonaro destruiu o planejamento do Orçamento
Ainda durante o seminário, vários palestrantes também ressaltaram a necessidade de se reconstruir a capacidade organizativa do orçamento brasileiro para fazer frente às necessidades do País. O secretário de Relações Institucionais do PT, Joaquim Soriano, lembrou que Bolsonaro cumpriu a promessa feita no início do seu governo de que a missão dele era destruir. “O Bolsonaro cumpriu o que prometeu inclusive em relação ao orçamento. Da forma como tem sido fatiado atualmente, sem levar em conta o interesse comum, não há possibilidade de qualquer planejamento de política pública”, lamentou.
Por sua vez, o presidente do Instituto Sul-americano para Cooperação e a Gestão Estratégica de Políticas Públicas (Amsur) e ex-secretário de Assuntos Federativos do governo Lula, Vicente Trevas, observou que atualmente o Brasil é uma Federação “sem coordenação e com baixa cooperação”.
“Temos um presidente que renunciou à sua condição de chefe de Estado, e vimos isso durante a pandemia, quando se eximiu de coordenar ações nacionais e ainda apostou no conflitos com os governadores. Hoje, infelizmente somos uma Federação de clientelas, onde não há mediação de um projeto nacional e tudo se traduz em Orçamento Secreto”, criticou.
Prefeitos denunciam a falta de cooperação do governo Bolsonaro
O prefeito de Araraquara, Edinho Silva (PT), relatou que nem mesmo durante a pandemia o governo Bolsonaro tentou estabelecer mínimos princípios republicanos na relação com os municípios. “O governo Bolsonaro não obedeceu nem mesmo os critérios mínimos do SUS na distribuição do Orçamento da Saúde durante a pandemia. Aqui em São Paulo, municípios com apenas 30 mil habitantes receberam três vezes mais recursos proporcionalmente do que Araraquara, com população muitas vezes maior”, comparou. Segundo estimativas do IBGE, em 2020 a população do município era de quase 240 mil habitantes (238.339).
Já a prefeita de Contagem, Marília Campos (PT), reclamou do excesso de atribuições que os municípios têm arcado, principalmente relativos à segurança pública. “Aqui no município sofremos uma pressão do governo estadual para municipalizarmos a segurança pública, inclusive para repassarmos tarefas que hoje são da Policia Militar, e da Polícia Civil, para a guarda municipal. Além disso, somos constrangidos a financiar as políticas de segurança, sobrecarregando o município com atribuições que deveriam ser do governo estadual”, explicou.
Os prefeitos petistas também reclamaram do fim da faixa 1 do Programa Habitacional Minha Casa Minha Vida, destinado às famílias de mais baixa renda. Eles denunciaram que hoje os munícipios somente têm acesso a financiamento para construção desse tipo de moradia por meio de empréstimos juntos à Caixa, Banco do Brasil ou bancos privados, a juros de mercado.
Fundação Perseu Abramo defende recriação do Ministério das Cidades
Durante o seminário, coordenadores de Núcleos de Acompanhamento de Políticas Públicas (NAPP) da Fundação Perseu Abramo afirmaram que os colegiados já trabalham sugestões para aperfeiçoar o Pacto Federativo em um futuro governo Lula. O Coordenador do NAPP Cidades, Nabil Bonduki, defendeu a recriação do ministério das Cidades como órgão formulador e executor das políticas públicas em parceria com Estados e municípios. “Temos que implementar um projeto de desenvolvimento urbano integrado, com políticas de saneamento, mobilidade urbana e reordenamento territorial, por meio da recriação do Ministério das Cidades”, destacou.
Já o Coordenador do NAPP Nordeste, Jonas Paulo, sugeriu ainda a adoção do modelo de desenvolvimento que vem sendo adotado pelos estados do Nordeste, vítimas de boicote sistemático do governo Bolsonaro.
“Na Bahia podemos dizer que a situação não é nem mais de boicote, mas sim, de perseguição por parte do governo federal, que também deu as costas para os demais estados do Nordeste. Apesar disso, os 9 estados da região, quatro deles administrados pelo PT, se uniram no Consórcio do Nordeste para planejar o desenvolvimento da região no longo prazo, mostrando assim a importância do papel do Estado na indução do desenvolvimento”, ressaltou.
Héber Carvalho