O deputado Padre João (PT-MG) propôs durante audiência pública realizada na Comissão de Direitos Humanos, Minorias e Igualdade Racial (CDHMIR), da Câmara dos Deputados, nesta quarta-feira (29), a criação de um observatório – dentro do colegiado – para acompanhar a situação do trabalho análogo ao escravo no Brasil e também propor medidas legislativas para erradicar esse crime. Durante a reunião, que foi aberta pela presidenta da CDHMIR, deputada Luizianne Lins (PT-CE), o Procurador-Geral do Trabalho, José de Lima Ramos Pereira, e representantes de auditores fiscais do trabalho e parlamentares também comentaram o panorama das condições atuais do combate ao trabalho escravo no País.
Logo na abertura da reunião, a presidenta da CDHMIR apresentou dados estarrecedores do crescimento da prática da exploração de mão de obra análoga à escravidão no Brasil. Segundo ela, em 2017 foram encontrados 648 trabalhadores em situação análoga à de escravo. Já em 2022, último ano do governo Bolsonaro, esse número aumentou para 2.575 trabalhadores encontrados na mesma situação em 257 estabelecimentos. Os dados foram levantados pelo Observatório Parlamentar da Revisão Periódica Universal – parceria entre a Câmara dos Deputados e o Escritório do Alto Comissariado da ONU para os Direitos Humanos (ACNUDH) – para acompanhar a efetividade do combate ao trabalho escravo no País.
Durante o debate, o deputado Padre João afirmou que estes números comprovam que houve uma deterioração das condições de combate ao trabalho escravo, aliado à precarização do mercado de trabalho no Brasil. “Antes víamos o trabalho escravo ocorrer apenas na zona rural, nos cafezais, nas lavouras, mas agora é uma situação que acontece cada vez mais nos grandes centros urbanos, principalmente na construção civil. Por isso proponho a criação de um Observatório nesta comissão para acompanhar o combate ao trabalho escravo e propor medidas legislativas”, ressaltou.
Deficiência no combate ao trabalho escravo
O parlamentar mineiro afirmou ainda que a precarização do combate ao trabalho escravo no País se deu principalmente pela falta de concurso público para recompor o quadro de auditores fiscais do Trabalho. Padre João propôs que a CDHMIR faça uma visita à Casa Civil da Presidência da República, e ao Ministério do Trabalho, com intuito de tentar viabilizar a realização de concurso à contratação de novos auditores fiscais do Trabalho.
O Procurador-Geral do Trabalho, José de Lima Ramos Pereira, reconheceu que o problema tem se agravado no País nos últimos anos. Segundo ele, é errada a ideia de que a exploração de mão de obra análoga à escravidão ocorra apenas no Norte ou Nordeste. “Esse problema existe em todo o território nacional, independente de região ou segmento”, explicou.
Apesar das dificuldades, o Procurador citou que o MPT e os auditores fiscais do trabalho cumprem o seu papel. Como exemplo, citou a recente operação que libertou mais de 200 trabalhadores em situação de trabalho análoga à escravidão na Fênix, empresa prestadora de serviços às vinícolas Aurora e às cooperativas Garibaldi e Salton, no Rio Grande do Sul. Segundo José de Lima Pereira, foram colhidos relatos dos resgatados sobre uso de choque elétrico, spray de pimenta e torturas como castigos nessas localidades.
“Há uma necessidade da retomada da discussão sobre a expropriação das terras onde se comete este crime. O trabalho análogo à escravidão não é apenas um ilícito criminal, mas também uma infração trabalhista”, afirmou ao dizer que também nestes casos são sonegados os direitos dos trabalhadores. “Em 90% dos casos de trabalho escravo estão envolvidas empresas terceirizadas. É preciso que as empresas contratantes se responsabilizem e respeitem os direitos humanos e trabalhistas de seus funcionários”, cobrou o procurador.
Ações legislativas de combate ao trabalho escravo
Entre as ações legislativas para fortalecer o combate ao trabalho escravo no Brasil, a deputada Reginete Bispo (PT-RS) defendeu a aprovação de um projeto de lei de sua autoria (PL 1102/2023) que regulamenta o art. 243 da Constituição. Esse dispositivo prevê a expropriação de propriedades rurais e urbanas onde se verifica a exploração de trabalho escravo. “Precisamos romper esse ciclo histórico de mais de 500 anos de exploração de mão de obra escrava, que nos últimos anos foi agravado com a precarização do trabalho terceirizado e atinge principalmente a população negra do Brasil”, apontou.
Já o deputado Helder Salomão (PT-ES), defendeu ainda a aprovação de um projeto de lei apresentado por ele (PL 572/22), que cria um marco legal para exigir das empresas o respeito aos direitos humanos de seus funcionários. “O que esse projeto de lei defende é o fim da impunidade corporativa das empresas (em casos de exploração de mão de obra escrava entre outras violações). Na prática, muitas empresas preferem pagar indenizações baratas do que proteger os direitos humanos de seus funcionários”, acusou.
Também falaram sobre o combate ao trabalho escravo o coordenador Nacional de Erradicação do Trabalho Escravo do MPT, Italvar Medina; além dos representantes do Sindicato Nacional dos Auditores Fiscais do Trabalho (Sinait) Carlos Silva Filho; e do Sindicato Nacional dos Peritos Federais Agrários (Sindpfa) Kássio Borba.
Héber Carvalho