A quebra de patentes, ou licença compulsória para produção de vacinas, foi apontada como uma das soluções para aumentar o ritmo de imunização da população brasileira contra a Covid-19. Durante Comissão Geral no plenário da Câmara nesta quinta-feira (8), especialistas em saúde pública e parlamentares criticaram o governo brasileiro pela incompetência na aquisição de vacinas e por negar apoio à proposta internacional que defende a quebra de patentes das vacinas contra o novo coronavírus. A ideia é capitaneada pela a Índia e a África do Sul e já conta com a adesão de mais de 100 países.
Atualmente considerado epicentro da pandemia no mundo, com média diária de quase 3 mil mortes (a maior do planeta) e surgimento de novas variantes do vírus, o Brasil apresenta um ritmo lento de vacinação. Até esta quarta-feira (7), tinham sido vacinados no País com a 1ª dose, 18.859.274 pessoas (9,4% da população), e com a 2ª dose – que efetivamente garante a imunização – apenas 5.338.722 (2,7% da população.
Alheio a essa realidade, o governo Bolsonaro se negou a apoiar a proposta de quebra de patentes de vacinas junto à Organização Mundial do Comércio (OMC). O Brasil é o único país em desenvolvimento que não apoiou a ideia. A atitude do governo federal foi muito criticada por especialistas em saúde pública e parlamentares do PT, que defenderam a suspensão de patentes como forma de reduzir a dependência do Brasil de fornecedores internacionais.
Em uma nova demonstração de descaso com a imunização do povo brasileiro, o governo Bolsonaro conseguiu retirar da pauta de votações do Senado, nesta quarta-feira (7), o projeto de lei do senador Paulo Paim (PT-RS), que autoriza a quebra de patentes de vacinas contra a Covid-19.
Convidado pela Bancada do PT para participar da Comissão Geral, o presidente do Conselho Nacional de Saúde (CNS), Fernando Pigatto, manifestou o posicionamento do conselho a favor da suspensão de patentes. “Temos que garantir o acesso da população a vacina e a medicamentos, como o kit intubação, porque esse é um direito, especialmente dos segmentos mais vulneráveis. No passado, já apoiamos a quebra de patentes contra o HIV/Aids, como de antiretrovirais, que passaram a ser fabricados no Brasil”, explicou.
Licença compulsória
Também convidada pelo PT, a professora de Direito da Fundação Getúlio Vargas (FGV) Eloisa Machado disse que, além da justificativa ética, a quebra de patentes da vacina tem garantia da legislação brasileira. “Temos também todas as razões jurídicas para as licenças compulsórias. A Constituição Federal trata o direito a exploração da patente como um privilégio temporário, e por outro lado diz que a saúde e a vida são direitos inalienável de todos os brasileiros. A nossa legislação também garante a licença compulsória em caso de interesse nacional e de emergência pública. E no momento não há maior interesse do que nas vacinas e maior emergência do que a que estamos enfrentando com a pandemia”, explicou.
A jurista disse ainda que tratados internacionais também preveem o afastamento do privilégio das patentes diante do interesse coletivo.
Já o pesquisador da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), Jorge Bermudez, alertou que enquanto faltam vacinas nos países pobres e em desenvolvimento, 60% da produção mundial até agora ficou com os países ricos. “Essa disputa de mercado é inaceitável. Podemos sim exigir a licença compulsória para vacinas e medicamentos porque isso é emergencial em defesa da vida, e países como Chile, Canadá e Israel já aprovaram leis que permitem a quebra de patentes. Vacina não pode ser tratada como mercadoria, deve ser um bem público”, defendeu.
Na contramão
O representante do Ministério das Relações Exteriores, Sarquis José, na contramão do que afirmam os especialistas, disse que o problema da falta de vacina não se resolve com quebra de patentes. “O problema está na capacidade de produção e distribuição de vacinas. A quebra de patentes vai trazer insegurança jurídica, inibir investimentos no Brasil no futuro e ainda prejudicar atuais contratos em vigor do Brasil com laboratórios que já produzem vacinas”, disse.
O representante do ministério da Economia, Geanluca Lorenzon, ao também se posicionar contra a quebra de patente, além de invocar a tese da insegurança jurídica, ironizou ao dizer que no Brasil “sempre se tenta achar a solução mais fácil”.
Situação desesperadora
Ao responder as alegações dos representantes do governo federal, principalmente do representante do Ministério da Economia, o líder da Minoria no Congresso, deputado Arlindo Chinaglia (PT-SP), disse que a situação do Brasil é desesperadora se comparada com o restante do mundo, com uma a cada três mortes por Covid em escala global. Segundo o petista, a quebra de patentes é uma medida urgente diante da incompetência e do descaso do governo Bolsonaro na aquisição de vacinas.
“Primeiro que não é uma solução fácil. Porém, o governo boicotou todo tipo de isolamento social, por causa do Bolsonaro. O Brasil nunca fez triagem dos contaminados e de seus contatos, demorou e até hoje falha na oferta de equipamentos individuais para os profissionais da saúde. O presidente boicotou até onde pode o acordo com Consorcio Mundial de Vacinas (Covax), e fechou a compra de apenas 10% das vacinas”, criticou.
O líder petista disse ainda que a ação do governo Bolsonaro na OMC “foi um suicídio, que no final suicidou o próprio povo brasileiro”, ao votar contra a proposta de quebra de patentes das vacinas apoiada por mais de 100 países.
Acabar com monopólio
Pela Liderança do PT, o deputado Alexandre Padilha (SP) disse que mais do que a quebra de patentes, o que se procura é acabar com o monopólio da produção de vacinas e insumos para tratamento da Covid. O parlamentar pediu a aprovação de seu projeto de lei (PL 1462/2020) que tratar de licença compulsória nos casos de emergência nacional decorrentes de declaração de emergência de saúde pública de importância nacional ou de importância internacional.
“O Brasil é hoje uma ameaça global, diante das várias variantes que estão surgindo. Daqui a pouco pode surgir uma que seja resistente as vacinas. Por isso apresentei o projeto de lei 1462/20, que desde maio já tem urgência aprovada para ser votado, que procura quebrar o monopólio da produção e distribuição das vacinas. Nós não daremos conta de imunizar a população se não aumentarmos a produção de vacinas. E preciso quebrar o monopólio para salvar vidas, o nosso sistema de saúde e até a nossa economia”, apelou.
Leia abaixo outras declarações de parlamentares do PT durante a reunião:
Deputada Rejane Dias (PT-PI), presidenta da Comissão dos Direitos das Pessoas com Deficiência da Câmara – “Eu fico indignada pelo fato de o governo brasileiro ser o único entre os países em desenvolvimento que é contra a quebra de patentes. Nós estamos vivendo uma situação de caos onde mais de 341 mil brasileiros já perderam a vida. O Brasil passou a ser um problema para o mundo por conta das variantes. E esse descontrole da pandemia também tem gerado um caos social, com metade do País vivendo em total insegurança alimentar”.
Deputado Jorge Solla (PT-BA) – “Sabemos que quebrar as patentes não será uma solução imediata, mas será um passo importante na transferência de tecnologia. Se não tivesse ocorrido no passado investimentos e transferência de tecnologia, não teríamos hoje o maior programa de vacinação do mundo, com distribuição de mais de 300 milhões de doses, garantindo a vacinação de adolescentes com a vacina da HPV, H1N1, Influenza”.
Deputado Zeca Dirceu (PT-PR) – “Situações extremas exigem medidas extremas. Essa Comissão Geral tem grande relevância no momento em que o Brasil precisa avançar no movimento que o mundo já faz para ter vacina em abundância. Não podemos ficar atrelados ao interesse econômico de grandes laboratórios”.
Deputado Valmir Assunção (PT-BA) – “Todos nós sabemos que a quebra de patentes sempre aconteceu no Brasil e no mundo. Está previsto na nossa legislação quando se tem uma emergência nacional e interesse público. Pergunto aos parlamentares: Existe emergência pública e interesse público para quebrar patentes? Nó sabemos que existe, mas Bolsonaro vai dizer que não, porque ele não cuida das vidas”.
Deputado João Daniel (PT-SE) – “Precisamos fazer uma reflexão sobre o grande problema que estamos enfrentando com 4 mil mortes diárias, com mais de mil municípios com ameaça de oxigênio e falta de UTIs. Temos que enfrentar o problema que é esse presidente da República que é incompetente e despreparado para enfrentar a pandemia. Por isso sou favorável a quebra do monopólio dos laboratórios porque a vacina não pode estar a serviço do lucro”.
Deputada Natália Bonavides (PT-RN) – “A razão da falta de vacina no Brasil é culpa da política desse governo genocida que não planejou a compra antecipada. Nosso ordenamento jurídico já possibilita a flexibilização das patentes. A esse parlamento não cabe vacilo, não podemos permitir que o lucro de algumas poucas pessoas se sobreponha a pandemia, que além de matar está fazendo pessoas morrerem de fome. A vida não pode estar acima do lucro”.
Deputado Vicentinho (PT-SP) – “Precisamos quebrar as patentes para tomar o caminho da liberdade e da soberania, como fizemos na época em que quebramos patentes de medicamentos da Aids. O Brasil tem gente extraordinária, com capacidade técnica, que pode produzir vacina. Fora Bolsonaro é sua política de morte, viva a produção nacional para salvar vidas”.
Deputado Joseildo Ramos (PT-BA) – “Estamos diante de um dilema: como garantir saúde como direito inalienável garantido pela Constituição, quando estamos sem vacina, sem insumos, sem medicamentos e prestes a entrar em um colapso funerário? Não podemos assistir de camarote um genocídio produzido por um presidente despreparado e incompetente”.
Deputado Henrique Fontana (PT-RS) – “A quebra de patentes é um mecanismo importante para o Brasil ampliar a produção interna de vacinas. É evidente que a curto prazo a quebra de patente não vai gerar uma produção imediata, mas essa pandemia não terá vida curta. Porém, a quebra de patente na atual emergência é extremamente necessária porque coloca o direito à vida acima do monopólio”.
Deputado Odair Cunha (PT-MG) – “Nós precisamos organizar a cadeia produtiva dos medicamentos, especialmente das vacinas. Estamos com duas medidas fundamentais que estão no legislativo (Câmara e Senado) para a licença compulsória das vacinas. Temos que aprová-las, porque não existe governo federal neste país que possa coordenar o Programa Nacional de Imunização de maneira eficiente. Essa é questão”.
Deputada Maria do Rosário (PT-RS) – “Já tomamos essa decisão de quebra de patentes na questão dos medicamentos para o HIV/Aids, no caso dos retrovirais, fazendo inclusive uma importante contribuição para o mundo. Assim nos tornamos referência no enfrentamento a Aids. Agora é o momento de sobrepesarmos o direito à vida, contra a lógica simplificada de proteger o monopólio privado”.
Deputado Reginaldo Lopes (PT-MG) – “Neste momento, em que o mundo precisa superar a pandemia, o direito a saúde tem que ser global. O mundo precisa que as ofertas de vacinas sejam universais, e isso nos coloca a favor da licença compulsória das patentes. Enquanto o planeta tem um problema, que é o vírus, nós no Brasil temos dois, o vírus e o governo Bolsonaro que não tem competência para apontar uma saída para a crise sanitária, social e econômica do País. Portanto, o parlamento precisa apontar esse caminho”.
Deputado Léo de Brito (PT-AC) – “A quebra de patentes é fundamental para enfrentarmos a pandemia. O problema é que ela expôs o erro desse governo, e do Ministério das Relações Exteriores, no tratamento a parceiros importantes, como a China, que produz vacinas, e a Rússia, quando ao se aliar a Donald Trump deixou de negociar no ano passado a aquisição da Sputinik V. Esse governo ainda negligenciou a aquisição de 70 milhões da vacina Pfizer no ano passado, que já garantiriam a vacinação de 35 milhões de brasileiros”.
Deputada Erika Kokay (PT-DF) – “Temos um presidente da República que naturaliza as mortes ao dizer que ela simplesmente acontece em todos os lugares do mundo. Ele é responsável pelo que ocorre porque não adquiriu as vacinas no momento certo, enquanto agora está concentrada em poucos países. Precisamos democratizar o acesso a vacina quebrando o monopólio da fabricação”.
Héber Carvalho