Parlamentares da Bancada do PT na Câmara denunciaram na tribuna da Câmara na quarta-feira (19) o autoritarismo do governo Bolsonaro, que não acatou a deliberação do Congresso Nacional, e editou na quarta-feira nova medida provisória (MP 886/2019) para colocar a demarcação de terras indígenas sob a responsabilidade do Ministério da Agricultura. No início do ano, Bolsonaro tentou a mesma coisa na sua primeira medida provisória (MP 870), mas o Parlamento rejeitou e manteve a tarefa com a Funai (Fundação Nacional do Índio), vinculada ao Ministério da Justiça, como sempre foi.
Na avaliação do deputado Alexandre Padilha (PT-SP), a edição dessa MP, com o mesmo teor de proposta rejeitada pelos parlamentares, marca uma nova era do relacionamento do presidente Bolsonaro com o Congresso Nacional; “a era do deboche, a era do desrespeito absoluto”, criticou. Para o deputado, Bolsonaro quer criar a “república bolsonariana”, que governa por medida provisória, por decreto. “Existe um Congresso Nacional. Respeite a Constituição, respeite as leis!”, bradou Padilha.
O deputado enfatizou ainda que Bolsonaro, que se inspira nas ditaduras militares, “não fecha o Congresso com canhões, mas quer calar o Congresso brasileiro com a sua caneta das medidas provisórias”, protestou. O Parlamento, segundo Padilha, não pode admitir esse “deboche” de forma alguma. “Porque, se aceitar, vai estar reconhecendo que as portas do Congresso estão fechadas na prática”, alertou.
Consea
O deputado Alexandre Padilha lamentou também a canetada de Bolsonaro, que vetou a recriação do Conselho Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional (Consea). O conselho, criado desde o governo de Itamar Franco e reativado pelo governo do Lula foi extinto por Bolsonaro, mas recriado pelo Congresso, durante a aprovação da MP 870. “E pasmem! O Consea foi recriado no parecer do líder do governo no Senado, senador Fernando Bezerra Coelho (MDB-PE), e Bolsonaro vetou”, lamentou.
Padilha ainda lembra do veto do presidente às alterações feitas pelo Legislativo em relação ao registro sindical. “Bolsonaro está dizendo que não ouve mais o Congresso Nacional, na mesma semana em que ele havia vetado a decisão do Congresso que garantia a gratuidade das bagagens no transporte aéreo”.
Devolução da MP
O deputado Airton Faleiro (PT-PA) também protestou contra a edição da MP 886 e informou que a Bancada do PT e de outros partidos já pediram que o Congresso devolva a medida para o governo. Ele disse que, enquanto parlamentar, se sentiu afrontado na manhã de hoje, ao ver no Diário Oficial da União a medida provisória na qual Bolsonaro transfere para o Ministério da Agricultura a demarcação de terras indígenas. “Quero recordar que não tem duas semanas que este Congresso – e não foi a Câmara, foi o Congresso que disse não a uma medida provisória de igual teor. Disse não à permanência da demarcação de terras indígenas, quilombolas e da agricultura familiar no Ministério da grande propriedade, o Ministério da Agricultura”, enfatizou.
Faleiro reforçou que Bolsonaro foi derrotado no Congresso nessa questão. “Isso não foi um debate, uma disputa de Oposição e Situação, foi um olhar do conjunto majoritário deste Parlamento, foi uma decisão do Legislativo dizer não à demarcação de terras com a Agricultura”. Faleiro observou ainda que vai durar pouco os efeitos dessa nova MP, porque ela não tem sustentação jurídica. “Nossa bancada, assim como outras bancadas, assim como a Frente Parlamentar Indígena, em sintonia com as organizações como o APIB – Articulação dos Povos Indígenas do Brasil -, a COIAB — Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira — e outros estão tomando iniciativas para derrubar essa MP”, anunciou.
O deputado Célio Moura (PT-TO) também manifestou indignação com a edição da MP, em desrespeito à deliberação do Parlamento. Para o deputado tocantinense, levar a demarcação para o Ministério da Agricultura, como Bolsonaro quer, “é a mesma coisa que entregar o sangue para o vampiro tomar conta”. E alertou: “Jamais os índios vão ter paz, neste Brasil, porque, deixar essa tarefa com o Ministério da Agricultura é, sem sombra de dúvida, para aniquilar os índios brasileiros”, argumentou.
MP 886/2019
A medida provisória (MP 886/2019), publicada hoje, estabelece que constituem áreas de competência do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento: reforma agrária, regularização fundiária de áreas rurais, Amazônia Legal, terras indígenas e terras quilombolas.
O texto da MP ainda determina que a competência de que trata o inciso XIV do caput [item acima] compreende a identificação, o reconhecimento, a delimitação, a demarcação e a titulação das terras ocupadas pelos remanescentes das comunidades dos quilombos e das terras tradicionalmente ocupadas por indígenas.
Vânia Rodrigues