O Senado aprovou nessa quarta-feira (11), a PEC 48/2019, de autoria da deputada Gleisi Hoffmann (PT-PR), que autoriza a transferência de recursos federais a estados, ao Distrito Federal e a municípios mediante emendas ao projeto de lei orçamentária anual.
Pela proposta, o uso dos recursos será fiscalizado pelo Tribunal de Contas da União (TCU) e a Controladoria-Geral da União (CGU). O texto prevê ainda que 70% das transferências especiais sejam destinadas a investimentos e apenas 30% a custeio, proibindo a utilização para o pagamento de despesas com pessoal (ativo e inativo) ou encargos referentes ao serviço da dívida. A emenda constitucional de Gleisi será promulgada antes do fim do ano e as novas regras de repasse de recursos para estados e municípios valerão já em 2020.
Leia artigo da deputada sobre a proposta:
Destinação de recursos das emendas parlamentares individuais diretamente aos estados e municípios possibilitará ampliação dos investimentos e da oferta de serviços públicos.
A Constituição Federal de 1988 estabeleceu um novo pacto federativo baseado na descentralização político-administrativa, em contraposição à centralização que vigorou no período da ditadura militar. Nesse contexto, aumentaram as obrigações de estados e municípios na provisão de serviços públicos de saúde, educação, segurança pública, saneamento básico, urbanização, entre outros. No entanto, a maior responsabilidade em ofertar tais serviços não foi acompanhada, na mesma proporção, de um aumento nas arrecadações diretas destes entes. Desse modo, a Constituição estabeleceu que parcela da arrecadação da União seja repartida com estados e municípios[1].
Em 2018, a arrecadação direta dos estados e municípios foi de pouco mais de 34% do total da arrecadação tributária do país. Após as transferências intergovernamentais, a receita tributária disponível para os entes subnacionais chegou a 45%[2]. Ainda assim, para a maioria dos estados e municípios, os recursos são insuficientes para a provisão dos serviços públicos de uma maneira minimamente adequada ante a demanda existente. Neste cenário, as emendas parlamentares constituem uma importante fonte de recursos adicionais para que estados e municípios possam fornecer tais serviços públicos à população, especialmente para realização de novos investimentos. Em 2018, de um total de R$ 8,8 bilhões de emendas parlamentares individuais, R$ 7,5 bilhões foram destinados ao fornecimento de serviços públicos via estados e municípios. Entretanto, diversos entes não conseguem ter acesso a estes valores, ou, quando têm acesso, comumente os mesmos não chegam com a tempestividade necessária para suprir demandas urgentes dos seus habitantes, em função da burocracia, por vezes excessiva, para a realização dos convênios exigidos para que os recursos das emendas parlamentares cheguem à população que necessita dos serviços públicos. Além disso, quando a burocracia é superada, o recurso chega ao destino final com um valor menor do que o designado pela emenda parlamentar, devido ao pagamento das taxas de intermediação financeira para a celebração dos convênios.
Visando minimizar tais dificuldades, reduzir a burocracia e permitir que os recursos cheguem com maior celeridade e sem perdas para a provisão dos serviços públicos e atendimento à população, apresentei, em 2015, quando exercia o mandato de senadora da República, uma proposta de emenda à Constituição para autorizar que as emendas parlamentares individuais impositivas sejam alocadas diretamente nos estados e municípios, sem necessidade da realização de convênios e do pagamento de taxas de intermediação financeira. Além de desburocratizar, conferir celeridade na aplicação dos recursos públicos e minimizar as perdas, a proposta permite que os gestores locais, que conhecem de forma mais aprofundada as necessidades das suas comunidades, possam definir junto a estas comunidades em quais serviços públicos os recursos das emendas parlamentares devem ser alocados.
Dada a importância da proposta e do potencial de ampliação de investimentos que a mesma pode gerar, especialmente nos pequenos municípios brasileiros, o nosso projeto passou a fazer parte da pauta prioritária da Marcha dos Prefeitos que se reúne anualmente em Brasília. Após um amplo debate, o Congresso Nacional também reconheceu a importância da matéria e a urgência da sua aprovação. Com a incorporação de sugestões de diversos parlamentares, o projeto foi aprovado no plenário do Senado Federal e da Câmara dos Deputados, com voto favorável de mais de 95% dos parlamentares presentes à votação em cada uma das respectivas casas. Devido às mudanças na Câmara, o projeto retornou ao Senado onde também foi aprovado e deve ser promulgado antes do fim do ano. As novas regras valerão já em 2020.
A versão atual do projeto prevê que: I) pelo menos 70% dos recursos das emendas parlamentares individuais repassados diretamente aos entes devem ser destinados a despesas de capital de natureza não financeira, isto é, investimentos; e II) fica vedada a utilização destes recursos para o pagamento de despesas com pessoal (ativo e inativo) ou encargos referentes ao serviço da dívida. Considerando o cenário de falta de prioridade do atual governo federal com os investimentos públicos (o orçamento da União para 2020 prevê um investimento público federal inferior a um terço, em termos reais, do que foi executado em 2014), é possível que, nos próximos anos, em muitos municípios brasileiros, os únicos investimentos que ocorrerão serão os decorrentes das emendas parlamentares individuais, possibilitados pela desburocratização que se vislumbra a partir da aprovação da presente proposta. Esses investimentos, além de gerar emprego e renda nestes municípios, serão fundamentais para ampliar a oferta de serviços públicos, seja na área de educação, saúde, lazer, saneamento básico e urbanização, entre outras.
É importante ressaltar que não há qualquer redução de fiscalização ou prejuízo para o controle dos recursos públicos com a aprovação da medida. O projeto prevê que a fiscalização e controle das transferências realizadas com fins específicos continuam a ser realizadas pelos órgãos de controle interno e externo da União. As transferências diretas, que pertencerão ao ente federado no ato da transferência e que terão suas aplicações definidas pelos entes, serão fiscalizadas e controladas pelos órgãos de controle internos e externos dos estados e municípios, como controladorias estaduais e municipais, Tribunais de Contas estaduais, ministério público estadual, entre outros. Esse é o mesmo mecanismo de fiscalização e controle que ocorre na repartição de recursos federais com estados e municípios através do fundo de participação dos estados e municípios, já que, de forma análoga, nesta situação, uma vez transferido o recurso, ele passa a pertencer ao ente que o recebeu.
Deste modo, em prol da simplificação, desburocratização, redução de perdas com intermediação financeira, ampliação e maior celeridade na execução de investimentos em pequenos municípios, gerando emprego e renda para a população, além da maior provisão de serviços públicos, com manutenção de todos os mecanismos de fiscalização e controle, esperamos que a PEC 48, de 2019, seja promulgada ainda este ano pelo Congresso Nacional.
[1] Os municípios também contam com parcela dos tributos arrecadadas por seus respectivos estados.
[2] Dados extraídos de “Consolidação da Carga Tributária Bruta de 2018”, de José Roberto Afonso e Kleber Pacheco de Castro.
Artigo de Gleisi Hoffmann publicado no Blog do Esmael