No apagar das luzes da atual legislatura, cujas sessões se encerram nesta semana, a bancada ruralista, com o deputado tucano Nilson Leitão (PSDB-MT) à frente, tenta a todo custo acelerar a tramitação da proposta de emenda à Constituição (PEC 215/2000) que viola direitos dos povos indígenas consagrados na Carta Magna de 1988.
Nas últimas duas semanas os ruralistas vêm tentando realizar a votação da PEC na comissão especial que analisa a matéria, mesmo à revelia do presidente do colegiado, deputado Afonso Florence (PT-BA). A proposta dos representantes do grande agronegócio visa retirar do Executivo e atribuir ao Congresso Nacional a competência de demarcação de terras indígenas e quilombolas. Para os ruralistas, os territórios das populações tradicionais são um obstáculo à expansão da fronteira agrícola.
A tensão entre os parlamentares a favor e contrários à PEC 215 ficou bastante acirrada na semana passada, quando indígenas foram proibidos de acompanhar a reunião da comissão especial, convocada através de uma manobra de Nilson Leitão, que recolheu assinaturas de 1/3 dos membros do órgão, atropelando o presidente Afonso Florence. Por mais de duas horas, parlamentares do PT, PV, PSB, PCdoB e PSOL conseguiram obstruir, por meio de questões de ordem e outros dispositivos regimentais, a votação do parecer do relator, deputado Osmar Serraglio (PMDB-PR).
Para o deputado Padre Ton (PT-RO), a PEC 215 é inconstitucional e representa um “golpe” contra todos os indígenas do Brasil. “O intuito dessa proposta é acabar com a demarcação de terras indígenas”, afirma o parlamentar de Rondônia, que preside a Frente Parlamentar de Apoio aos Povos Indígenas.
Na opinião da deputada Erika Kokay (PT-DF), a proposta dos ruralistas “equivale a rasgar a Constituição” e ameaça gravemente a sobrevivência dos povos indígenas. “Está sendo urdido nesta casa um dos mais profundos golpes contra a nossa Constituição, contra os direitos dos indígenas e dos quilombolas e contra a democracia. Os ruralistas querem aprovar o relatório da PEC 215 a ferro e fogo”, denuncia Erika.
A deputada também critica a ingerência de uma entidade de classe sobre o processo legislativo. “O relatório financiado pela CNA é uma ingerência absolutamente ilegal e contamina qualquer processo de discussão aqui na Câmara. Um órgão que representa a iniciativa privada não pode pagar ou financiar um parecer”, criticou a parlamentar do Distrito Federal.
Juristas renomados, como Dalmo Dallari, apontam o caráter inconstitucional da PEC 215, posição que também já foi manifestada pelo ministro da Justiça e pela Advocacia Geral da União (AGU), bem como por entidades como a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB). “É profundamente lamentável, embora não seja de todo surpreendente, que membros do Parlamento, deputados federais e senadores, procurem valer-se do mandato concedido pelo povo para fazer a defesa e promoção de interesses privados, afrontando princípios e normas constitucionais, com absoluto desrespeito pelas instituições, pela ordem jurídica nacional e pelos legítimos interesses do povo brasileiro”, afirmou Dallari em artigo publicado na semana passada.
A comissão especial que debate a PEC tem reunião marcada para esta terça-feira (16), às 14h, em local a ser definido.
Rogério Tomaz Jr.