Reconstruir políticas públicas de assistência social será o grande desafio de um governo pós-Bolsonaro

Foto: Lula Marques

Especialistas na área social e parlamentares petistas afirmaram nesta segunda-feira (14) que o grande desafio de um governo pós-Bolsonaro – que todos desejaram ser o de Luiz Inácio Lula da Silva – será reconstruir as políticas públicas de assistência social destruídas ou descontinuadas pelo governo Bolsonaro. As declarações ocorreram durante o Seminário Resistência, Travessia e Esperança, promovido pelas lideranças do PT na Câmara e no Senado, em parceria com a Secretaria de Economia Solidária e Setorial de Segurança Alimentar e Nutricional do PT, a Fundação Perseu Abramo (FPA) e o Instituto Lula. O evento foi coordenado pelos deputados petistas Patrus Ananias (MG) e Odair Cunha (MG).

Na abertura do evento, o líder da Bancada do PT na Câmara, deputado Reginaldo Lopes (MG), resumiu os desafios que devem ser enfrentados por um possível governo petista a partir de 2023.

“O grande desafio deste século para o Brasil se resume a três elementos. Primeiro, gerar emprego e potencializar o mercado interno também por meio de fortes programas de transferência de renda, substituindo o atual Auxílio Brasil que nem tem orçamento para o próximo ano. Segundo, fortalecer a política de valorização do poder de compra da classe trabalhadora, que atingiu a menor média desde o início da série histórica medida pelo IBGE. E por último, fomentar uma política de crédito que ajude as pessoas empreendedoras a se emanciparem financeiramente”, afirmou.

A ex-ministra do Desenvolvimento Social e Combate à Fome no governo Dilma Rousseff, Tereza Campelo, ressaltou que o modelo que deve ser adotado para o País superar o atual estágio de explosão da miséria e da fome no Brasil deve ser calcado em políticas públicas que promovam o desenvolvimento social, o progresso econômico e a proteção do meio ambiente.

“Para enfrentar esse fenômeno complexo da fome e da pobreza o País terá que reativar as políticas multisetoriais, que estruturamos para no Estado (quando fomos governo) para articular ações sociais, na educação, na saúde e na agricultura familiar, entre outros, dentro de um conceito amplo de inclusão”, explicou.

PT tratou o combate à pobreza e a fome como prioridade do Estado

O ex-ministro do Desenvolvimento Social e Combate à Fome no governo Lula, deputado Patrus Ananias, destacou que os governos do PT trataram a questão do desenvolvimento social com uma visão mais alargada, entrelaçando as ações do setor com avanços no setor econômico, político e ambiental.

“No governo Lula iniciamos programas como o Fome Zero, seguido da criação do Bolsa Família e de programas de segurança alimentar, com políticas para o desenvolvimento agrário, agricultura familiar e incentivos ao cooperativismo. Integramos as políticas públicas de assistência social gerando oportunidades para todos, especialmente para os historicamente excluídos”, relembrou.

Foto: Gabriel Paiva

A ex-ministra Tereza Campelo apresentou dados que apontam como a miséria e a pobreza caíram no Brasil após a entrada do PT no governo. Ela citou que quando Lula assumiu a presidência em 2003 o País possuía cerca de 51 milhões de pessoas em situação de pobreza, e após 13 anos de governo o número caiu de forma consistente e ininterrupta até atingir 20 milhões de pessoas.

“Em 13 anos tiramos mais de 30 milhões de pessoas da pobreza. E tem gente que diz que o Lula ‘surfou’ na alta do preço das commodities para conseguir tirar tantas pessoas da pobreza, sendo que mesmo após a crise de 2008, com a queda no preço dos nossos produtos, o número de pessoas pobres continuou caindo. E essa ascensão social foi fruto de um guarda-chuva de políticas sociais como a valorização do salário mínimo, geração de emprego, o Bolsa-Familiar, o BPC, e o fortalecimento da agricultura familiar”, disse.

Segundo ela, foram essas políticas que permitiram que ao País atingir em 2014 seus índices mais baixos de miséria e pobreza, além do menor patamar de desemprego e a saída do País do Mapa da Fome.

Políticas sociais

Já o líder do PT no Senado, senador Paulo Rocha (PA), deu como exemplo de sucesso das políticas sociais seu próprio estado. “Sou de um estado riquíssimo, mas com o povo pobre, muito por conta de um modelo de desenvolvimento implementado na época da ditadura militar que beneficiou a agropecuária, a mineração e grande projetos hídricos, mas que deixou os pequenos que não se beneficiaram diretamente dessas ações na pobreza e passando fome. Somente nos nossos governos, iniciando com o de Lula, tivemos programas como o Bolsa Família, o Luz Para Todos, o Minha Casa Minha Vida e o fortalecimento do Pronaf, que grandes impactos sociais positivos na região Amazônica”, revelou.

Foto: Gabriel Paiva

Fortalecimento do Sistema Único de Assistência Social

O deputado Odair Cunha ressaltou que agora a principal missão do PT e das redes de assistência social do País é resistir a todas as tentativas de desmonte do atual governo Bolsonaro contra o Sistema Único de Assistência Social (SUAS). O parlamentar denunciou que esse comportamento tem influenciado inclusive gestores municipais. “Recebi o relato de que moradores de rua foram procurar parentes no município de São Tomé das Letras, com a ajuda da prefeitura de Extrema, e que ao chegarem no destino sequer as redes de atenção social daquele município foram avisadas”, observou.

Márcia Lopes, ex-ministra do Desenvolvimento Social e Combate à Fome no Governo Lula, ressaltou que para reconstruir as políticas públicas de assistência social do País, duramente atacadas pelo atual governo, será preciso fortalecer a rede de assistência social pelo menos ao nível da época dos governos do PT.

“Em 2004, na 4ª Conferência Nacional de Assistência Social, decidimos criar o Sistema Único de Assistência Social (SUAS) abrangendo todo o País, ainda com o ministério (do Desenvolvimento Social e Combate à Fome), sob o comando da (atual deputada federal) Benedita da Silva. Já com o Patrus (Ananias) à frente do ministério, implantamos o SUAS que chegou a ter mais de 17 mil estabelecimentos conectados a uma rede de proteção social voltados aos mais pobres e a populações historicamente marginalizadas”, citou.

Segundo ela, hoje não há mais interlocução do governo federal com os municípios e entidades ligadas a rede de proteção social, e muitos ações e projetos foram abandonados.

Ações para superar a fome e a miséria no País

A coordenadora do setorial de Segurança Alimentar e Nutricional do PT, Adriana Aranha, ressaltou que para o Brasil superar a fome e a insegurança alimentar que assola atualmente o País o próximo governo terá que criar mecanismo que facilitem aos brasileiros acessarem alimentos de qualidade.

“Temos que combater esse conceito de meritocracia, que diz que todas as pessoas têm condição de conseguirem o que querem pelo seu próprio esforço. No Brasil, nem todas as pessoas tem a mesma oportunidade, e por isso precisaremos criar uma rede de distribuição de alimentos, e expansão dos restaurantes populares (com comida subsidiada), e ainda implantar uma ligação direta entre produtores rurais e cidades, para abastecer de alimentos a população”, defendeu.

O ex-presidente do Conselho de Segurança Alimentar e Nutricional (Consea) no período do governo Lula, Francisco Menezes, também destacou a necessidade de se retomar a participação da sociedade na formulação e implementação das políticas públicas de superação do fome.

“O Estado não pode prescindir do papel da sociedade como motor para acelerar as ações do governo, e ainda trazer conhecimento de realidades especificas que o governo não consegue enxergar. As ações do Estado não podem estar desassociadas da responsabilidade da sociedade. É sintomático que o Consea tenha sido extinto no primeiro dia do governo Bolsonaro. É preciso recriar o Consea e retomar as conferências de segurança alimentar e nutricional”, defendeu.

Sistema econômico mais justo

Por sua vez, a coordenadora do setorial Nacional de Economia Solidária do PT, Tatiana Valente, afirmou que o Brasil precisa avançar muito na implementação de um sistema econômico mais justo.

“Segundo a ONU, o Brasil é o 7º país mais desigual do mundo. Acreditamos que as estratégias de economia solidária são as mais eficazes para resolver as desigualdades sociais. Precisamos de mais crédito para as redes de cooperação nas cadeias produtivas locais com autogestão. Somente esses sistemas mantém uma relação harmoniosa da produção com o meio ambiente ao produzir bens e serviços, em uma nova lógica de desenvolvimento onde a partilha dos resultados econômicos são distribuídos de acordo com a necessidades dos trabalhadores”, explicou.

Desigualdades sociais

Ao defender o enfrentamento de múltiplas ações para enfrentar as desigualdades sociais no País, a ex-diretora da Organização Internacional do Trabalho (OIT), Laís Abramo, destacou que também é necessário lutar contra o fenômeno estrutural da desigualdade no Brasil.  Ela explicou que, apesar de inaceitável do ponto de vista ético, historicamente a pobreza e miséria tem sido tolerada culturalmente no País.

“Temos que enfrentar a cultura do privilégio, herança do período escravocrata, que nega ao outro a condição de sujeito de direitos. Infelizmente, até pessoas em condição de poder veem com naturalidade a desigualdade social que atinge principalmente no Brasil negros e negras, indígenas, pessoas com deficiência, pessoas em situação de rua, por exemplo”, lamentou.

Sobre a fonte de financiamento para todas essas ações de combate à desigualdade social, o senador Paulo Paim (PT-RS) defendeu uma Reforma Tributária que institua no País a justiça fiscal.

“Precisamos de uma Reforma Tributária progressiva e solidária, para promover justiça social no País. É necessário tributar mais o patrimônio, os ganhos com juros e dividendos, bem como tributar bens como jatinhos, helicópteros e iates. E temos que taxar as grandes fortunas, para combater a miséria, a fome e promovermos os investimentos sociais que o Brasil necessita”, ressaltou.

 

Héber Carvalho

 

 

 

 

 

 

 

 

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