PT vota contra MP sobre telecomunicações e denuncia prejuízo para a educação pública e o audiovisual nacional

Foto: Manuel Elias/ONU

A Câmara aprovou nesta quinta-feira (20) o projeto de lei de conversão da medida provisória (MP 1018/20), que reduz três encargos incidentes sobre estações terrenas de pequeno porte ligadas ao serviço de internet por satélite. O PT votou contra e defendeu a aprovação do texto original da MP. “Como é que os parlamentares que há poucas semanas votaram aqui recursos do Fust (Fundo das Telecomunicações) para a educação pública, para colocar internet nas escolas, agora aprovam um jabuti que tira dinheiro da educação brasileira? Como nós vamos dar incentivo fiscal para grandes grupos internacionais como a Netflix e a Amazon aqui no País, e não incentivar a produção do audiovisual brasileiro?”, indagou o deputado Pedro Uczai (PT-SC), ao frisar que o texto original era mais coerente.

O relator da matéria, deputado Paulo Magalhães (PSD-BA), acrescentou novos pontos à redação original do governo, determina que as empresas que oferecem serviços de vídeo por demanda não estão incluídas entre os contribuintes da Condecine (Contribuição para o Desenvolvimento da Indústria Cinematográfica Nacional, um tributo cobrado do setor audiovisual (cinema, TVs aberta e fechada e ‘outros mercados’).

A redação aprovada, que ainda precisa ser apreciada pelo Senado, estabelece que a oferta de vídeo por demanda não se inclui na definição de ‘outros mercados’. O efeito prático é que plataformas estrangeiras e nacionais do tipo Netflix não precisam recolher a contribuição.

“Jabutis”

Pedro Uczai destacou a importância da medida provisória para democratizar o acesso à informação no interior do País. Ele, no entanto, denunciou a inclusão de “jabutis” – matérias estranhas à medida provisória. “O texto original era melhor porque permitia que a banda larga fosse estendida para as áreas rurais, desonerando os encargos diante da expansão tecnológica em curso no Brasil. Mas, foi incorporada uma dezena de artigos, de emendas que desmontam o texto original, incluindo mudanças em várias leis que não tem nada a ver com banda larga, com pequenas antenas”, criticou. Esses jabutis, segundo Uczai, são lamentáveis do ponto de vista da democracia, do ponto de vista dos interesses privados. “Inclusive a Amazon e a Netflix serão as grandes beneficiadas dos incentivos para a produção de vídeos”, denunciou.

Pedro Uczai enfatizou ainda que a medida, do jeito que foi aprovada prejudica o audiovisual brasileiro. Ele citou que a Associação Brasileira de Cineastas; a Associação Paulista de Cineastas; a Associação de Produtores Independentes do Audiovisual Brasileiro; o Brasil Audiovisual Independente; a Conexão Audiovisual Centro-Oeste, Norte e Nordeste, e o Audiovisual Minas Gerais, Espírito Santo e Sul do Brasil são contra o texto aprovado. “A Indústria Audiovisual Brasileira é contra incentivos fiscais para as duas maiores empresas do planeta: Amazon e Netflix”, completou.

Fust

O texto aprovado altera em diversos pontos a Lei 9.998/20, que criou o Fundo de Universalização dos Serviços de Telecomunicações (Fust). O projeto de conversão amplia a presença de membros do Ministério das Comunicações no conselho gestor do fundo – de um para dois –, o que permite ao governo controlar a secretaria executiva do colegiado. Hoje o Executivo já preside o conselho, que é responsável por definir onde os recursos do Fust serão aplicados.

O parecer aprovado ainda reduz o recolhimento do Fust, em até 50%, das operadoras de telecomunicações que executarem programas de universalização aprovados pelo conselho gestor e com recursos próprios. Também exclui da lei a regra que exige que o fundo priorize investimentos em regiões de zona rural ou urbana com baixo Índice de Desenvolvimento Humano (IDH).

Pedro Uczai questionou qual era o interesse subjacente a essas propostas de não retirar ou excluir o índice de desenvolvimento humano para acessar o direito à tecnologia e de ampliar o Conselho Gestor do Fust. Ele citou que na votação do fundo foi destinada à educação pública 18% dos recursos do Fust, que deverão ser utilizados para aquisição de internet para as escolas. “Como agora se retira parte do conteúdo desses recursos da educação e deixa-se somente a classificação não reembolsável. Retiram-se duas modalidades contempladas lá na Lei do Fust. Dessa forma, efetivamente, há uma redução dos valores para a educação pública num momento histórico, em que nós temos mais necessidade de investir em educação no período de pandemia e de pós-pandemia”, denunciou.

Incentivo fiscal para streaming

O deputado Henrique Fontana (PT-RS) também defendeu a proposta original que, segundo ele, trata de melhoria da condição tributária para pequenas antenas, satélite, para melhorar a internet em lugares de difícil acesso. “Só que esse projeto de conversão veio com outras mudanças e matérias estranhas à medida provisória. Não consigo compreender por que o relator quer introduzir esta mudança estrutural no nosso sistema de cultura, especialmente na questão dos audiovisuais, onde ele gera incentivo fiscal para estas grandes estruturas de streaming”, protestou.

Segundo o deputado Fontana, o incentivo fiscal, por exemplo, para a Amazon e a Netflix, obviamente fará falta para a produção audiovisual nacional ou a outros tipos de atividades culturais, que precisam muito mais de apoio. “Temos tudo a favor da ideia de levar a Internet em lugares ermos e distantes de forma subsidiada com o apoio governamental, com o apoio do Estado”, reforçou.

Dep. Henrique Fontana- Foto – Pablo Valadares -Câmara dos Deputados

A deputada Erika Kokay (PT-DF) também criticou as mudanças no texto original da MP. “Essa medida provisória possibilitava levar a banda larga para o conjunto dos municípios brasileiros, para os rincões que alguns que ocupam os cargos de poder neste País invisibilizam. Levar a banda larga é fundamental para que se possa eliminar uma desigualdade que ficou muito nítida durante a própria pandemia: a desigualdade de acesso ao mundo digital. Infelizmente o texto foi completamente adulterado”, protestou.

Para Erika Kokay, o texto aprovado se transformou num estímulo fiscal para a Netflix, e para a Amazon, que não precisam ter esse tipo de benefício. “O Brasil precisa valorizar a sua própria cultura. E esse projeto de conversão, atenta contra o desenvolvimento do nosso cinema, do setor audiovisual. E não é só isso. Tira-se um critério para as modalidades não reembolsáveis de priorizar programas com baixo IDH e transforma-se esse num critério de um maior número de pessoas beneficiadas”, criticou a deputada, frisando que, com essa mudança de critério, as comunidades, os territórios longínquos, os quilombos serão excluídos da prioridade necessária para integrar este País.

Dep. Erika Kokay – Foto – Pablo Valadares -Câmara dos Deputados

Economia criativa brasileira

Na avaliação do deputado Reginaldo Lopes (PT-MG), as mudanças incluídas pelo relator não contribuem para um setor da economia criativa brasileira, para o cinema nacional, o audiovisual. “Pelo contrário, agravam. Esse é um setor que gera mais de 300 mil empregos, que é responsável por uma arrecadação de R$ 3,6 bilhões para o País. Se nós, de fato, não regulamentarmos a questão das TVs por streaming com conteúdo nacional, e mais, também cobrarmos os devidos impostos, nós vamos prejudicar muito o cinema nacional. Portanto, nós estamos perdendo uma oportunidade. Se era para alterar o texto original, nós deveríamos ter avançado na perspectiva de regulamentar também esse serviço”, ponderou.

O deputado Vicentinho (PT-SP) disse que estava animado para votar o texto original, “que era de extrema importância para a sincronização do nosso País, com equipamentos modernos dando acesso a essa forma de comunicação dos satélites até a chegada ao computador ou ao celular de todas as pessoas pobres deste País”.

Dep. Vicentinho (PT-SP) – Foto Agência Câmara

Vânia Rodrigues

 

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