A Frente Parlamentar Feminista Antirracista com Participação Popular promoveu, nesta sexta-feira (18), seminário virtual para debater a Portaria n° 2282, de 7 de agosto de 2020, do Ministério da Saúde, e o ataque aos direitos sexuais e direitos reprodutivos de mulheres e meninas. A discussão contou com a participação de especialistas e parlamentares.
A portaria obriga a equipe médica a informar à vítima de violência sexual sobre a possibilidade de visualização do feto ou embrião por meio de ultrassonografia. Também torna obrigatória a notificação à autoridade policial quando a mulher solicitar o aborto por estupro. Além de obrigar os profissionais de saúde a preservar possíveis evidências materiais do crime de estupro, como fragmentos de embrião ou feto, no caso de aborto legal. Para os organizadores, a portaria mistura a interrupção da gravidez com o início de um processo criminal e transforma agentes do sistema de saúde em policiais, na contramão de seu papel de acolhimento e cuidado com as vítimas de violência sexual.
A deputada Maria do Rosário (PT-RS) deixou claro que rejeita totalmente a portaria apresentada pela pasta, pois ela revoga, também, portaria instituída no governo da presidenta Dilma Rousseff que trata da atenção emergencial e da responsabilidade do atendimento humanizado às vítimas de violência sexual pelos profissionais do serviço público, além de criar um protagonismo e uma responsabilidade da saúde. “Falta totalmente às autoridades públicas sentido objetivo das responsabilidades que têm de cumprirem a lei, de cumprirem a Constituição, de assegurarem os direitos da criança e de assegurarem os direitos das mulheres”.
“Não tem nenhum espaço para negociar essa portaria. Essa portaria não cabe e não pode ser objeto de qualquer tipo de negociação. É uma portaria que tem que ser revogada e derrotada. É uma portaria que traduz uma série de ataques e sintetiza uma série de proposições que buscaram atacar a interrupção legal da gravidez”, denuncia a deputada Erika Kokay (PT-DF).
Para o senador Humberto Costa (PT-SP), ex-ministro da Saúde no governo Lula, quando uma mulher procura um atendimento é para ser, primeiramente, acolhida. “Quando uma mulher sofre uma violência e ela procura um atendimento – seja no serviço de saúde, seja nessas casas que oferecem proteção e atendimento – a preocupação de quem atende no primeiro momento não é saber como foi que aconteceu, quer dizer, ‘como foi’, tudo bem, mas ‘quem fez’, ‘se ela quer denunciar, se não quer’, é atender, é acolher, e depois, inclusive, discutir com ela para lhe dar força para que ela possa denunciar, porque é uma questão fundamental”.
Manifesto contra a portaria
O obstetra Cristião Fernando Rosas, integrante da Rede Médica pelo Direito de Decidir, falou sobre o manifesto, com mais de 2 mil assinaturas, dos profissionais de saúde contra a “portaria da tortura”, como eles nomearam. Para ele, a portaria vem na contramão de tudo que já foi escrito pelo próprio Ministério da Saúde em termos de normativas, portarias, protocolos clínicos e linhas de cuidado relacionados ao tema.
“Entendemos que a portaria é um grande retrocesso, pois o serviço de aborto previsto em lei deve ser espaço de atenção humanizada, de acolhimento, de cuidados em saúde sexual reprodutiva, não de investigação criminal ou de tratamento desumano. Hospital não é delegacia, e médico não é policial e nem juiz”, afirma o médico.
Governo da violência
“Cresce a violência política contra nós – deputadas – no Parlamento, cresce a violência contra as mulheres no ambiente doméstico, cresce a violência contra a criança porque nós temos um governo que investe na violência contra as mulheres. Um governo que quer exercer o seu poder sobre o corpo das mulheres. Um governo que fez do nosso corpo, de todas as mulheres brasileiras, sua plataforma”, denunciou Maria do Rosário.
Para a parlamentar, o Estado brasileiro precisa ser contestado, como em qualquer lugar do mundo, sobre a força com a qual ele se posiciona e exerce seu poder contra o corpo feminino. “O Estado tem um poder sobre os corpos que não deveria ter”, apontou.
A portaria teve diversas reações contrárias: cinco projetos de decreto legislativo (PDL) pedem a suspensão da Portaria, sendo dois no Senado, e três na Câmara dos deputados, além de notas e manifestações por parte da sociedade.
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Lorena Vale