A polícia brasileira nunca matou tantas pessoas quanto em 2019, primeiro ano do governo Bolsonaro, e esse genocídio tem raça: de cada dez vítimas de violência policial, oito eram negras, segundo o Anuário Brasileiro de Segurança Pública, divulgado pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP), nesta segunda-feira (19). Os números no Brasil demonstram um retrocesso cada vez maior.
A deputada Benedita da Silva (PT-RJ) ressaltou que o estudo divulgado confirma o que já está sendo denunciado há anos no País e pediu para que parem de matar a população negra. “Os novos e dolorosos números do estudo apresentam o que estamos denunciando há anos nesse Brasil: o genocídio da nossa população negra, onde a cada quatro negros assassinados três são jovens com idades entre 15 a 29 anos. Hoje, na comunidade de Jacarezinho, a polícia entra agindo com extrema violência contra os moradores. Mais uma ação policial sem inteligência e com muita brutalidade. O povo da favela tem os mesmos direitos de cidadania que qualquer outro morador e, por isso, merece igual respeito. Parem de nos matar!”, reforçou.
Os negros também são os que mais morrem vítimas de homicídio no Brasil. Em 2019, 74,4% das 39.561 vítimas de homicídio eram negros. O índice sobe, para 79,1% quando o autor do assassinato foi um policial.
“A violência contra o povo negro brasileiro e o genocídio da juventude negra são problemas estruturantes, oriunda do racismo que permeia a nossa sociedade”, denunciou o deputado Valmir Assunção (PT-BA). O parlamentar destacou que o problema não é novo, mas que Bolsonaro acentua o problema. “Não se trata de um problema novo, mas é preciso enfatizar que a legitimação do racismo e da violência por parte do governo Bolsonaro acentua mais ainda o problema. Essa legitimação se dá não só por meio de declarações que já deveriam ter sido condenadas. Dá-se também por meio do esvaziamento de políticas públicas, da escalada de violência e ataques oriundos de diversos órgãos públicos, a exemplo da Fundação Palmares”.
Vale lembrar que o presidente Jair Bolsonaro, ao longe de sua vida política, já deu diversas declarações racistas. Em entrevista na Rede TV no ano passado, por exemplo, afirmou que o “racismo no Brasil é uma coisa rara”, minimizando o racismo estrutural que existe no País.
Jovens Negros
O jovem negro – como nos Estados Unidos – são vítimas da violência policial de uma forma cada vez mais latente. Ainda de acordo com o Anuário, três a cada quatro negros mortos eram jovens, com idade entre 15 a 29 anos. 23,5% tinham entre 15 e 19 anos; 31,2% tinham entre 20 e 24 anos; 19,1% tinham entre 25 e 29 anos.
Para o deputado Paulão (PT-AL), a segurança pública elegeu como principal inimigo o jovem negro e pobre da periferia. “Esse é um retrato do Brasil que infelizmente se agravou com a eleição do Bolsonaro. Ele tem um protagonismo muito forte. Se você olhar o comportamento que existe nos grandes estados como São Paulo, Rio de Janeiro e outros, você verifica a ação belicista que a polícia tem, porque para ela o inimigo é justamente as populações vulneráveis e nesse caso o jovem negro pobre da periferia, lamentável”.
“Não se trata de estigmatizar a polícia e nenhuma das suas corporações, mas de reconhecer o fato de que o Brasil, como um todo, é sim um país racista. Um país que não garante oportunidade e respeito aos jovens negros e ainda por cima os vê sempre como suspeitos. Ninguém poderá dizer que esse sistema de segurança pública, que prioriza o confronto ao invés da inteligência, deu certo”, afirmou o deputado Reginaldo Lopes (PT-MG), que propôs e presidiu uma CPI, em 2015, de enfrentamento ao homicídio de jovens negros e pobres, que resultou em uma dezena de projetos, construídos junto com a sociedade.
Políticas Públicas
Os parlamentares defenderam políticas públicas permanentes para frear a violência e mudar essa realidade. “Sou defensor de políticas que qualifiquem a atuação policial, principalmente acerca dos direitos humanos. Infelizmente, há ainda estereótipos que orientam a ação policial, criminalizando principalmente o povo preto simplesmente por sua cor. Os exemplos não são poucos de mortes de pessoas negras e pretas em ações policiais, sem nenhuma justificativa”, apontou Valmir Assunção.
Na avaliação do deputado Paulão, essa realidade só será modificada com políticas públicas na área da educação, saúde, assistência social, cultura e juventude integrada, de forma multidisciplinar e permanente de médio e longo prazo. “Um dos grandes problemas que o Brasil tem e que agrava essa situação é a desigualdade social e isso está aumentando cada vez mais”. Ele apontou ainda que infelizmente este quadro dificilmente será modificado enquanto Bolsonaro estiver no poder.
Projetos de Lei
Dentre os projetos discutidos durante a CPI, Reginaldo Lopes citou o PL 2439/2015, que trata do uso progressivo da força; PEC 117/2015, que dispõe sobre a perícia independente; PEC 127/2015, sobre a Polícia de Ciclo Completo; e o PL 2438/2015, que cria o Plano Nacional de Enfrentamento ao Homicídio de Jovens. Ele destacou ainda o Fundo Nacional de Promoção da Igualdade Racial, Superação do Racismo e Reparação de Danos (PEC 126/2015).
Já o deputado Valmir Assunção falou sobre as ações urgentes contra o racismo institucional e contra a morte de negros, a maioria jovens e moradores de periferias, durante operações policiais, que ele propôs recentemente na Comissão de Direitos Humanos da Câmara. Ele também citou o PL 2438/15, que cria o Plano Nacional de Enfrentamento ao Homicídio de Jovens. E o PL 4471/12, que cria regras para a apuração de mortes e lesões corporais decorrentes das ações de agentes do Estado, como policiais. Pela proposta, esses casos deverão ter rito de investigação semelhante ao previsto para os crimes praticados por cidadãos comuns. Ou seja, acaba com os chamados “autos de resistência”.
Lorena Vale