De acordo com o Alto Comissariado das Nações Unidas para Refugiados (Acnur), em 2018 foram quase 71 milhões de migrações forçadas em todo o mundo. Foram 2,3 milhões de pessoas a mais que em 2017, que era o antigo recorde. Mais da metade são de crianças e adolescentes. Nesse mapa, o Brasil também teve um aumento considerável no número de solicitações para reconhecimento da condição de refugiados com mais de 80 mil solicitações no ano passado. Desse total, 62 mil são de venezuelanos. Os estados que mais receberam solicitações foram Roraima, Amazonas e São Paulo. Ainda segundo o Acnur, o Brasil é o principal destino de refugiados na América Latina. A situação dessa população foi discutida em audiência pública da Comissão de Direitos Humanos e Minorias da Câmara dos Deputados (CDHM), na terça-feira (20).
Paulo Sérgio Almeida, da Acnur no Brasil, explica que refugiados podem ser solicitantes de refúgio, deslocados internos e apátridas. Essas situações são forçadas por causa de guerras, perseguição política, por raça ou religião, por exemplo. A lei 9.474 de 1997, conhecida como a Lei de Imigração, determina quem é considerado refugiado. Ele informa que cerca de 4 milhões e 300 mil venezuelanos já saíram do país, por motivos como ameaças de morte, inflação, insegurança e desabastecimento. “Hoje temos 13 abrigos em Roraima com 7 mil alojados. Também já recebemos cerca de 4 mil indígenas, que estão se espalhando pelo Pará, Amazonas, Ceará, Maranhão e Piauí, e estão em situação extremamente vulnerável”. Almeida acrescenta outros números sobre a migração venezuelana: 57% são jovens e 96% querem ficar no Brasil.
Hoje, o Comitê Federal de Assistência Emergencial, que executa um programa de interiorização de venezuelanos atua em cinco frentes. Vão para abrigos nas cidades de destino, são contratados por empresas para trabalhar, se juntam a familiares ou são recebidos por instituições da sociedade civil. Cerca de 10 mil refugiados já foram interiorizados principalmente para estados como Rio Grande do Sul, São Paulo, Paraná e Mato Grosso.
Discriminação, xenofobia e ataques à Lei de Imigração
Para a procuradora do Trabalho e coordenadora da Coordenadoria Nacional de Erradicação do Trabalho Escravo (Conaete), Catarina Von Zuben, a falta de acesso ao mercado de trabalho por causa do preconceito e manifestações xenófobas são cada vez mais preocupantes. “Não temos informações sobre o número exato de pessoas que são interiorizadas e não existem políticas públicas para recebê-las. E o Brasil vai receber cada vez mais pessoas do Sul do planeta, com as crises de guerra ou humanitárias”.
Camila Lissa Asano, do Conselho Nacional dos Direitos Humanos (CNDH) e da Conectas Direitos Humanos, alerta para o descumprimento da Lei de Imigração pelo governo federal. “A lei está sofrendo sérios ataques por parte do Ministério da Justiça, com a publicação da Portaria 666 que autoriza o agente de fronteira a impedir a entrada de quem busca refúgio e também cria a deportação sumária, sem direito de defesa. Isso é inconstitucional e já fizemos uma recomendação pedindo a revogação da portaria”. Ela ressalta que o Ministério Público Federal fez recomendação semelhante e o ministro Sérgio Moro já sinalizou que não vai acatar a sugestão. Asano cobra do governo mais agilidade na análise dos pedidos de reconhecimento de refugiados venezuelanos. “Nos abrigos para indígenas venezuelanos temos pessoas morando lá há mais de um ano, o que demonstra uma não-resposta do Estado brasileiro e total ausência da Funai. O Conare devia tomar medidas concretas, mas a demora prolonga o sofrimento dos venezuelanos”.
O representante da Coordenação-Geral do Comitê Nacional para os Refugiados (Conare), responde que o Comitê tem hoje 180 mil processos de pedido de reconhecimento de refúgio. “A análise é complexa e demorada e quanto aos venezuelanos, se fossemos analisar à luz da nossa legislação, seriam indeferidos. Porém, agora reconhecemos que acontece uma grave violação de direitos humanos na Venezuela e basta que comprovem a cidadania e que não estejam enquadrados em nenhuma cláusula que limite a análise, como ter cometido determinados tipos de crimes”.
Para Helder Salomão (PT-ES), presidente da CDHM, “é um escândalo manter a Portaria 666, pois ela vai contra a Lei de Imigração, e não é com tratamento indigno e deportações sumárias que teremos um Brasil democrático, mas um País com comportamentos odiosos e intolerantes. Acreditamos que o diálogo e a concórdia é que vão constituir um País melhor, caso contrário teremos um futuro muito complicado”.
Os autores do requerimento da audiência pública foram os deputados Túlio Gadelha (PDT-PE) e Joênia Wapichana (Rede-RR).
Assessoria de Comunicação-CDHM
Foto: Fernando Bola