Na véspera do Supremo Tribunal Federal (STF) julgar a portaria 2.282/20, do governo Bolsonaro, sobre procedimentos para a realização do aborto legal, o Ministério da Saúde publicou hoje (24), no Diário Oficial da União, nova portaria (2.561/20) sobre o tema. O novo texto retira o trecho contido na portaria anterior, que previa que, na fase de exames, a equipe médica informasse a vítima de violência sexual que ela poderia visualizar o feto ou embrião por meio de ultrassonografia. Foi mantida, porém, a regra de os profissionais de saúde denunciarem o caso à polícia, independentemente da vontade da vítima, quando houver indícios ou confirmação de estupro.
Na avaliação da deputada Erika Kokay (PT-DF), a edição da portaria é uma manobra para evitar que o tema fosse julgado pelo STF. “A nova portaria do Ministério da Saúde sobre interrupção legal de gravidez continua sendo horrenda para meninas e mulheres. Insiste no tom criminal e misógino no atendimento à saúde para amedrontar ao invés de acolher. A nova edição é uma manobra sim”, reforçou a deputada.
O julgamento da portaria foi retirado da pauta logo após a publicação do novo texto. O ministro Ricardo Lewandowski pediu que os partidos – PT, PCdoB, PSB, PSOL e PDT – e o Instituto Brasileiro das Organizações Sociais de Saúde, que são autores das ações, se manifestem sobre as alterações feitas pelo governo. O instituto aponta na ação que há criminalização da vítima, e os partidos pedem para suspender a eficácia da norma que impede que o direito de interromper a gravidez em caso de estupro, assegurado pelo Código Penal, seja exercido pela vítima mediante constrangimento e sofrimento.
Criminalização da vítima
A deputada Maria do Rosário (PT-RS) enfatizou que o governo Bolsonaro tem comportamento de ataque às mulheres e crianças. “Não existe ação de cuidado e prevenção e as vítimas são tratadas com desrespeito. Esta nova portaria apenas reescreve o mesmo desrespeito. São regras desumanas e que criminalizam mulheres e crianças. No momento mais difícil e de maior fragilidade elas são constrangidas e tratadas como criminosas e não como vítimas”, lamentou.
Maria do Rosário disse que a batalha será grande e reafirmou a sua disposição de continuar na luta para assegurar direitos já garantidos na Constituição, no Código Penal e no Código de Ética Médica. Ela é autora, juntamente com outras 12 parlamentares, do projeto de decreto legislativo (PDL 409/20), encabeçado pela deputada Jandira Feghali (PCdoB-RJ), protocolado hoje na Câmara para sustar os efeitos da nova portaria do Ministério da Saúde.
Pelo PT, além da deputada Maria do Rosário, são autoras do PDL as deputadas Gleisi Hoffmann (PR), Professora Rosa Neide (MT) e Erika Kokay.
O PDL 409/20 mantém apenas um artigo da nova portaria: o que susta a portaria 2.282 de agosto deste ano. Na justificativa da proposta, as parlamentares argumentam que o texto de agosto esteve inserido no contexto mais amplo de restrição dos direitos das mulheres vítimas de violência sexual. “Recebemos ambas as normas como uma reação ao recente caso de autorização judicial para a realização da interrupção da gravidez de uma criança de apenas 10 anos e não com a base técnica que deveria orientar as políticas públicas. Isso é inadmissível”
Argumentam ainda que “qualquer norma que ofereça constrangimentos para o exercício de um direito deve ser prontamente contestada. As mulheres vítimas de violência sexual são constantemente revitimizadas ao enfrentar o caminho para fazer valer sua opção pelo aborto legal. Na prática, a nova portaria mantém o viés de inviabilizar o atendimento das mulheres e meninas vítimas de violência sexual nos serviços de saúde, ao fazer exigências que dificultam o acesso aos serviços”.
Aborto legal
No Brasil o aborto é permitido por lei e realizado pelo Sistema Único de Saúde (SUS) em três situações: se a gravidez é decorrente de estupro; se a gestação representa risco de morte para a mãe; e em caso de bebês com diagnóstico de anencefalia (sem cérebro viável).
Leia a íntegra do PDL
https://www.camara.leg.br/proposicoesWeb/prop_mostrarintegra?codteor=1932379&filename=PDL+409/2020
Vânia Rodrigues