Com o voto contrário da Bancada do PT, o plenário da Câmara aprovou na noite desta quarta-feira (29) o projeto de lei (PL 7082/17), do Senado, que cria regras para a pesquisa clínica com seres humanos e o controle das boas práticas clínicas por meio de comitês de ética. O deputado Jorge Solla (PT-BA), ao encaminhar o voto contrário do partido, afirmou que a vida das pessoas não pode ser transformada em mercadoria. “O que eles – autor e defensores da proposta – querem é liberar as indústrias farmacêuticas, para que a responsabilidade do tratamento dos pacientes com novos medicamentos tenha a limitação de 5 anos”, denunciou.
Solla alertou que o projeto que veio para a Câmara não era assim. “Ele foi alterado aqui. O projeto original dizia que a obrigação da assistência farmacêutica era mantida até que o medicamento fosse incorporado pelo SUS. É uma posição irresponsável limitar essa obrigação a 5 anos, em se tratando inclusive de doenças raras, cujos tratamentos são caros e sua aquisição é proibitiva e cujos novos medicamentos são ainda mais proibitivos, ainda mais caros”, protestou.
Na avaliação do deputado, a responsabilidade para continuar esse tratamento deve ser da indústria farmacêutica. “Ela vai ganhar uma fortuna com as novas patentes, ela vai ganhar uma fortuna com os novos medicamentos. Não é nada demais nem é proibitivo para ela garantir o tratamento”, ponderou. Jorge Solla defendeu destaque da Bancada do PT para evitar esse retrocesso de apenas 5 anos. Entretanto, o plenário não acatou.
“Não é ético, não é justo, não é digno”
A deputada Maria do Rosário (PT-RS) também se posicionou contra o projeto. “A proposta reduzi a nada o direito de pacientes pós-estudo quanto ao recebimento de medicamentos. Se votarmos a favor, estaremos tratando as pessoas como cobaias simplesmente”. Ela citou a resolução atual do Conselho Nacional de Saúde, uma das normas que rege o atual sistema de ética e pesquisa no País e aprova as diretrizes e normas regulamentadoras das pesquisas em seres humanos. “Se há um benefício na pesquisa do medicamento que foi oportunizado à pessoa que participa da pesquisa, que fez parte da pesquisa, que recebeu o medicamento, mesmo tendo sido encerrada a pesquisa, o laboratório, a empresa, mantém a responsabilidade para com o paciente, pelos efeitos colaterais futuros, e também o benefício de ele continuar recebendo a medicação”, reiterou.
No entanto, denunciou, se o PL 7082/17 virar lei, não existirá mais qualquer responsabilidade destes que fizeram a pesquisa com relação aos efeitos colaterais vindouros de longo prazo. “E não só isso: não existirá a responsabilidade de manter, de forma gratuita, o medicamento para os pacientes, o que é totalmente desumano. Não é ético, não é justo, não é digno”, protestou.
“Cobaias” da indústria farmacêutica
E a deputada Ana Pimentel (PT-MG), ao se pronunciar contra o projeto relembrou que, no Brasil, mulheres, principalmente mulheres do Nordeste e do Norte do País, foram submetidas a práticas de pesquisa violentas. “Essas mulheres serviram de cobaias em indústrias farmacêuticas, que, depois, não as acompanharam nem cuidaram delas”. A deputada citou ainda que, recentemente, “tivemos um escândalo enorme relacionado a um medicamento chamado Essure, utilizado também para a esterilização das mulheres. Até hoje estamos acompanhando esses casos, porque essas mulheres foram submetidas ao tratamento e depois não foram acompanhadas”.
Para Ana Pimentel, o que esse projeto propõe é a desresponsabilização das indústrias farmacêuticas que fazem as pesquisas clínicas no território nacional. “Nós resolvemos essa situação do Brasil na década de 90, quando criamos o Conep (Comissão Nacional de Ética em Pesquisa), que é um instrumento importantíssimo para a participação, garantindo uma corresponsabilização da prática de pesquisa. Esse projeto propõe extinguir o Conep e passar para a mão do Executivo o controle, a fiscalização e a delimitação do que são os comitês de ética”, criticou.
Ela afirmou que esse é um retrocesso na fiscalização, no acompanhamento e no cuidado das pessoas que, de maneira voluntária e altruísta, colocam seus corpos para a experimentação de medicamentos. “Esse é um ponto importantíssimo, porque é um ponto de grave retrocesso desse projeto de lei. Se ele for aprovado, nós estaremos retirando o principal instrumento que nós construímos nos últimos anos e que foi uma resposta às violências praticadas em pesquisas em corpos de seres humanos, principalmente de mulheres”, lamentou.
Escândalo
Para a deputada Erika Kokay (PT-DF) o projeto “é um escândalo” contra a população. “Aqui temos uma demonstração explícita de que parte deste Parlamento acha que os interesses das grandes corporações, das grandes indústrias farmacêuticas, são superiores ao interesse das pessoas ou à preservação da vida das pessoas”. Ela também citou o caso das vítimas do Essure, “mulheres que se submeteram a um método anticoncepcional que causa muitas dores e as impedem de ter uma vida plena. E quem cuida dessas mulheres?”, indagou.
Então, continuou a deputada, “você não estabelece qualquer tipo de responsabilidade ou de responsabilização pela própria indústria, as pessoas que se submetem à pesquisa não vão ter para o resto da vida o atendimento. Depois de 5 anos, não tem mais fornecimento de qualquer medicação. Depois de aprovado o medicamento, 5 anos é o prazo final. Essas pessoas não são coisas. Os interesses da indústria farmacêutica não podem pisotear os interesses do povo, dos seres humanos”, protestou.
Texto aprovado
Pelo texto aprovado, que retorna ao Senado por foi modificado na Câmara, haverá direitos para os participantes voluntários das pesquisas e deveres para o pesquisador, o patrocinador e entidades envolvidas. As pesquisas deverão atender a exigências éticas e científicas, como embasamento em relação risco-benefício favorável ao participante; respeito a seus direitos, à sua segurança e bem-estar; respeito a sua privacidade e ao sigilo de sua identidade; e outros.
Para a pesquisa poder ocorrer com a participação de seres humanos, seja um ensaio clínico de medicamento já existente ou similar ou terapias experimentais, o pesquisador deverá submeter o pedido (protocolo de pesquisa) ao comitê de ética vinculado à instituição que realizará a pesquisa.
Energia eólica em alto mar
O plenário aprovou também o projeto de lei (PL 11247/18), Senado, que regulamenta a oferta e outorga de áreas para exploração de energia elétrica em alto mar (offshore), como por geração eólica. Pelo texto aprovado, caberá ao Poder Executivo definir quais áreas serão passíveis de instalação de equipamentos geradores, devendo harmonizar as políticas públicas de seus órgãos (como Energia e Meio Ambiente) a fim evitar ou mitigar potenciais conflitos no uso dessas áreas.
O texto aprovado, que retorna ao Senado para nova apreciação porque foi modificado pelos deputados, incorpora mudanças na obrigatoriedade de contratação de energia de termelétricas a gás natural vinculada à privatização da Eletrobrás e determina a compra de energia de reserva gerada a partir do carvão mineral.
O deputado Carlos Zarattini (PT-SP) alertou que o governo não se compromete a sancionar as alterações mais polêmicas incluídas no texto pela Câmara. “Houve um acordo para aprovar o projeto, mas não há compromisso do governo de sanção. Seremos favoráveis (ao texto) para que o projeto avance e retorne ao Senado”, argumentou.
A exploração de energia elétrica em instalações offshore dependerá de autorização ou de concessão e será proibida em determinados setores como: blocos licitados no regime de concessão, cessão onerosa ou de partilha de produção de petróleo; rotas de navegação marítima, fluvial, lacustre ou aérea; áreas protegidas pela legislação ambiental; áreas tombadas como paisagem cultural e natural nos sítios turísticos do País; áreas reservadas para a realização de exercícios pelas Forças Armadas; e áreas designadas como termo de autorização de uso sustentável no mar territorial.
Zona econômica
As outorgas serão concedidas por autorização com chamamento público ou por meio de concessão com licitação quando houver oferta pública. A área marítima envolvida é o mar territorial (22 Km da costa), a plataforma continental (em média 70 a 80 km), a Zona Econômica Exclusiva (ZEE), situada até 370 Km da costa. Estão abrangidos ainda outros corpos hídricos sob domínio da União, como rios e lagos que banham mais de um estado ou em limite com outro país.
Vânia Rodrigues