Crime organizado transnacional, estupros e destruição dos territórios: a violência contra mulheres indígenas

Povos indígenas - Foto - Gabriel Paiva

A violência sofrida pelas mulheres indígenas foi tema de audiência pública realizada, nesta sexta-feira (10), pela Comissão de Legislação Participativa da Câmara dos Deputados. O debate aconteceu em apoio à “II Marcha das Mulheres Indígenas: as originárias reflorestando mentes para cura da Terra”, que termina amanhã em Brasília.

Cerca de 5 mil mulheres indígenas participam da marcha, que dá continuidade a mobilização nacional de luta pela vida, iniciada em 22 de agosto e que tem como motivação principal a retomada, pelo Supremo Tribunal Federal (STF) do julgamento do “marco temporal”. A decisão vai definir o futuro das demarcações das terras indígenas no País.

A audiência pública foi realizada por iniciativa do presidente da comissão, deputado Waldenor Pereira (PT-BA), em parceria com as deputadas Maria do Rosário (PT-RS) e Professora Rosa Neide (PT-MT) e com os deputados João Daniel (PT-SE) e Leonardo Monteiro (PT-MG).

“As mulheres indígenas estão sofrendo violência de todos os lados e maneiras. Racismo, machismo e invasão de território. Queremos ampliar as discussões com as populações indígenas e com a sociedade em geral sobre o desrespeito recente com essa parcela da população. O Brasil precisa aprender com os povos indígenas”, afirmou o deputado Waldenor Pereira.

E a deputada Professora Rosa Neide lembra que o Brasil é um dos 5 países do mundo com mais violência contra as mulheres. “E as indígenas sabem o que isso significa. Por isso que as mães educam, desde o ventre, as crianças e terem coragem e determinação”.

Não vamos calar

Patrícia Krin Si Atikum, do Movimento Unido dos Povos e Organizações Indígenas da Bahia lembra que “antes, as mulheres indígenas eram estupradas pelos portugueses. Hoje, são nossas adolescentes. Mas, com tantas leis, os olhares não são voltados para nós. Não vamos calar, a violência mexe também muito com nossa espiritualidade, quando mexe como nosso território, mexe com nosso chão, ventos, águas e matas. Mexe com o que é sagrado para nós, com nossos encantos femininos”.

Em agosto, duas meninas indígenas foram assassinadas. Daiane Sales, de 14 anos, da etnia Kaingang, foi morta na Terra Indígena Redentora, no Noroeste do Rio Grande do Sul. Raissa da Silva Cabreiara, uma criança guarani kaiowá de 11 anos, foi assassinada na Reserva Indígena de Dourados, no Sul do Mato Grosso do Sul. Nos dois casos, houve violência sexual.

Angelita Prororita Yanomami, da Hutukara Associação Yanomami do Povo Indígena de Roraima denunciou que cerca de 20 mil garimpeiros estão nas terras do povo dela. “Nosso rio está poluído, nossas crianças ameaçadas e cinco mulheres já foram estupradas por garimpeiros. Peço que olhem para a terra Yanomami, por causa de toda essa violência também contra o marco temporal e os projetos de lei que estão aqui”.

Projetos em tramitação

Tramitam no Congresso o projeto de lei (PL 490/07), que trata da demarcação e exploração econômica de terras indígenas e já foi aprovado pela Comissão de Constituição e Justiça em junho. Já o PL 3729/04, flexibiliza o licenciamento ambiental, foi aprovado na Câmara e está em análise no Senado. O PL 191/10, quer “abrir as terras indígenas para atividades intensivas de mineração por grandes empresas”, e o PDL 177/21, autoriza o presidente da República a se retirar da Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho sobre Povos Indígenas e Tribais.

A deputada Joênia Wapichana (Rede-RR), que é a primeira mulher indígena eleita deputada federal, destaca que “cada vez que uma comissão fala sobre os povos indígenas, dá visibilidade e voz aos povos. Nas invasões contra as terras e territórios indígenas, as primeiras que sofrem diretamente são as mulheres, porque muitas vezes são elas as responsáveis pelo cuidado da terra, pelos recursos naturais e o acesso direto à água e ao solo”.

Esequiel Roque do Espírito Santo, do Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos afirma que dados oficiais mostram aumento de violência contra mulheres por causa da pandemia. “Mas não há números específicos sobre a violência contra a mulher indígena. A informação que temos recebido é de que a se acentua quando há uso de drogas e álcool dentro dos territórios indígenas e precisamos fazer esse enfrentamento”.

Crime transnacional

Ricardo Pael, procurador da República (MT), informa que um estudo feito em 2020 mostrou o impacto do crime organizado transnacional sobre as comunidades indígenas.

“O estudo teve um olhar voltado às violações de direitos humanos e questões de gênero. Os principais crimes são os ambientais, como garimpo, extração ilegal de madeira, usurpação e poluição dos territórios tradicionais. Mas, a principal constatação, é que as comunidades sofrem muito por causa da invisibilidade que é imposta aos indígenas. Não existe nenhuma lei penal que puna ou agrave um crime por ele ser praticado contra indígenas. É urgente que se dê mais visibilidade principalmente às mulheres indígenas e o que elas sofrem, não só com o crime organizado, mas também com a violência sexual e o feminicídio”.

Dívida

“São cinco séculos que sofremos essa violência. Há duas formas sublimes de gerar vidas. Uma delas, pelo sagrado feminino, outra pela mãe terra. Há milhares de anos as mulheres cuidam de territórios e nunca tivemos problemas ambientais.  Nossos povos cresceram fortes e saudáveis. Hoje, temos um projeto de morte, de genocídio dos nossos povos e ecocídio da mãe terra. Esse país tem uma dívida histórica conosco”, afirma Marcivana Rodrigues Paiva do povo Sateré Mawé de Manaus e entorno.

Também participaram da audiência Patrícia Krin Si Atikum, do Movimento Unido dos povos e Organizações Indígenas da Bahia; Eloenia Araruna, vice-presidente da Takina (MT); Glicéria Tupinambá, do Movimento Unido dos Povos e Organizações Indígenas da Bahia; Vera Lucia Barbosa, da Secretaria de Movimentos Populares do Partido dos Trabalhadores; e Quenes Gonzaga, assessora da Liderança do PT na Câmara.

A íntegra da audiência pública, em áudio e vídeo, está disponível na página da CLP no site da Câmara dos Deputados.

Assessoria da CLP

 

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