A Comissão de Juristas contra o Racismo Estrutural no Brasil apresentou nesta sexta-feira (5), durante reunião virtual a parlamentares negras e negros do Congresso Nacional, o plano de trabalho do colegiado e dos grupos temáticos sobre propostas de combate ao racismo no País. O colegiado foi criado em dezembro do ano passado pelo então presidente da Câmara, deputado Rodrigo Maia (DEM-RJ) – a partir da pressão do movimento negro e parlamentares -, e tem como objetivo avaliar e propor o aperfeiçoamento da legislação de combate ao racismo estrutural e institucional existente no Brasil.
Na reunião desta sexta, os cinco grupos temáticos do colegiado apresentaram aos parlamentares uma síntese dos temas que vão debater nas próximas semanas. O que trata do Direito Econômico, Tributário e Financeiro e Questões Raciais, coordenado pela procuradora federal da Advocacia-Geral da União (AGU), Chiara Ramos, apresentou como seus temas prioritários o crédito voltado ao afroempreendedorismo; a criação de um Fundo de Combate ao Racismo; o debate sobre uma reforma tributária justa não voltada ao consumo; e a proteção ao patrimônio de terras quilombolas.
O grupo de trabalho que trata do Racismo Institucional no Setor Privado; coordenado pela procuradora do Trabalho do Ministério Público do Trabalho (MPT/SP), Elisiane Santos, vai priorizar os seguintes temas: O aperfeiçoamento da legislação de responsabilização civil e administrativa das empresas que praticam discriminação e racismo no ambiente de trabalho e nas cadeias de produção; e ações afirmativas (cotas raciais) no setor privado para garantir oportunidades iguais para todos.
Já o grupo que debate Medidas de Combate ao Racismo Institucional no Setor Público; coordenado pela defensora pública da União (DPU), Rita de Oliveira, defende o apoio a projeto de lei que criam mecanismos para evitar e punir ações discriminatórias e racismo estrutural dentro do setor público; a renovação da lei de cotas no serviço público, que termina em 2024; e ações afirmativas nos serviços públicos essenciais, no sistema eleitoral – ampliando a participação de negras e negros na política – e na publicidade institucional.
Por sua vez, o grupo temático sobre o Sistema de Justiça Criminal e Racismo; coordenado pelo professor Direito e pesquisador da Universidade Federal da Bahia (UFBA), Cleifson Dias, vai priorizar sua atenção nas mudanças nas áreas do Direito e Execução Penal, como forma de evitar a discriminação e o racismo na aplicação da lei.
O último grupo, que trata sobre Direitos Sociais (trabalho, saúde, educação e cultura), sob comando da juíza do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, Karen Luise, vai levantar e propor aperfeiçoamentos em projetos de lei em tramitação no Congresso Nacional que tratam sobre políticas de cotas na educação; atendimento específico na saúde para a população negra; precarização do trabalho; e o direito a memória negra e a datas comemorativas.
A comissão tem prazo de 120 dias para concluir seus trabalhos, a contar do prazo de sua instalação (ocorrida em 21 de janeiro deste ano). Porém, o prazo pode ser prorrogado mediante solicitação de seu presidente, ministro Benedito Gonçalves, do Superior Tribunal de Justiça (STJ). O relator do colegiado, o professor da FGV Silvio Luiz de Almeida, afirmou em seu plano de trabalho que pretende entregar o relatório final do colegiado à Câmara no dia 21 de maio.
Petistas manifestam apoio a pautas dos juristas
Parlamentares da Bancada do PT e de outros partidos com assento na Câmara se comprometeram a apoiar o trabalho do colegiado. O deputado Paulão (PT-AL) alertou que um dos principais desafios do povo negro é impedir no Congresso a implementação do voto distrital puro, sistema que, segundo o petista, “beneficia o poder econômico e dificulta a eleição de representantes das minorias”.
“Propostas que envolvem mais recursos, também terão tramitação difícil no Parlamento. O Centrão e as bancadas da agropecuária, da bala e da Bíblia estão atualmente no comando do Orçamento, com a indicação inclusive de uma aliada do atual presidente da Câmara para comandar a Comissão Mista de Orçamento do Congresso”, alertou. Segundo o petista, será necessária muita mobilização da sociedade para aprovar qualquer avanço na pauta racial, diante da correlação de forças desfavorável aos defensores do povo negro no Parlamento.
Mesmo reconhecendo que a conjuntura política para avanços é difícil, o deputado Valmir Assunção (PT-BA) afirmou que o movimento negro tem que continuar pressionando o Parlamento. Ele defendeu, inclusive, uma campanha para se aprovar uma lei que puna os gestores púbicos que não adotarem políticas públicas de redução da desigualdade racial.
“Hoje, o governante que não cumpre a Lei de Responsabilidade Fiscal fica inelegível. Também temos que ter uma lei que obrigue o Estado a cumprir a titulação das terras quilombolas, a garantir moradia e educação para a população negra que vive na periferia das grandes cidades”, defendeu.
Assunção disse ainda que é preciso aumentar as penas para crimes de injuria racial. “Hoje quem é preso pelo crime de injuria paga fiança e é solto, e no máximo tem como pena o pagamento de cesta básica ou multa. Temos que ter uma lei mais dura, que coíba esse tipo de crime. Precisamos também de uma legislação que considere crime continuado a injúria racial nas redes sociais”, propôs.
Ao parabenizar o trabalho da Comissão de Juristas, o senador Paulo Paim (PT-RS) citou várias propostas de interesse do povo negro em tramitação no Congresso, que estão paradas a espera de votação. “Eu me sinto isolado no Senado, porque dá para conta nos dedos de uma mão os que apoiam essa agenda. Poucos se dedicam a questão racial. Tento trabalhar para reverter esse crime hediondo que é feito contra o nosso povo”, disse. Segundo ele, o trabalho dos juristas será fundamental para subsidiar a luta que os parlamentares comprometidos com a causa negra vão enfrentar no Congresso.
Já a deputada Erika Kokay (PT-DF) ressaltou a importância de debater o aperfeiçoamento da lei de cotas, a garantia de homologação de terras quilombolas e a preocupação com uma reforma política que instaure um sistema eleitoral que reduza ainda mais as chances de eleição de negras e negros. A parlamentar lembrou ainda que é preciso defender a memória histórica da luta do povo negro do Brasil, hoje ameaçada pela irresponsabilidade da Fundação Palmares.
“O acervo da Fundação Palmares está em caixotes dentro do prédio da EBC, em condições inadequadas de conservação e segurança. São obras de arte, livros, documentos históricos como cartas de alforria e até mesmo presentes do então presidente da África do Sul, Nelson Mandela, quando passou pelo Brasil. Tudo isso está encaixotado, devido a mudança da sede da Fundação, sem nenhuma condição de preservação e segurança”, denunciou a deputada.
A parlamentar lembrou inclusive que já entrou com uma representação junto ao Tribunal de Contas da União (TCU) e o Ministério Público Federal (MPF) cobrando providências da Fundação Palmares em relação a preservação do patrimônio histórico do povo negro.
Héber Carvalho