Vale não comparece em audiência pública sobre a tragédia de Brumadinho

No dia 25 de janeiro deste ano, uma barragem pertencente à mineradora Vale no município de Brumadinho (MG) rompeu, liberando 11,7 milhões de metros cúbicos de rejeitos de mineração. De acordo com as investigações, nenhuma sirene de perigo foi acionada. Na tragédia, 243 pessoas morreram e 23 continuam desaparecidas.

“As grandes mineradoras, como a Vale, usam o sistema de automonitoramento, escolhem as empresas que monitoram e pagam por isso. Em Minas Gerais, tanto em Brumadinho como em Mariana os auditores disseram que as barragens estavam estáveis e elas caíram. Há anos os auditores fazem as mesmas recomendações e nada acontece”, afirma Bruno Milanez, pesquisador da Universidade de Juiz de Fora (UFJF). Ele participou, nessa terça-feira (28), da audiência pública da Comissão de Direitos Humanos e Minorias da Câmara dos Deputados (CDHM) sobre os aspectos econômicos e institucionais da tragédia.

O ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, e Eduardo Bartolomeo, diretor-presidente da Vale foram convidados, mas não compareceram e não mandaram representantes.

Bruno apresentou o relatório “Minas não há mais”, que trata sobre o desastre. Ele sugere que Agência Nacional de Mineração tenha responsabilidade nas auditorias e que trabalhadores e comunidades também participem dessa fiscalização.

“Porque são eles que estão embaixo dessas barragens, milhões de pessoas vivem em zonas de risco, principalmente na região de Congonhas?”, questionou. O professor também ressalta que faltam alternativas econômicas para esses municípios. “A mineração concentra renda e gera empregos com baixos salários, na faixa entre dois a quatro salários mínimos”.

Milanez informa ainda que na região de Brumadinho de 60 a 70% da população é de não-brancos, e que a questão racial deve ser levada em conta nas licenças ambientais.

“A mineração tem um tempo de vida, ela acaba. São municípios que dependem 100% dessa indústria, precisamos mudar a matriz econômica de cidades como Brumadinho, Congonhas e Ouro Preto”, pondera Eduardo de Souza Leão, diretor da Agência Nacional de Mineração (ANM).

O técnico sugere a criação de um fundo soberano para custear pesquisas e até o monitoramento das barragens. “Vivemos na desconfiança e na insegurança”.  A ANM criou, recentemente, um sistema online de acompanhamento onde as empresas informam sobre 21 parâmetros. A medida já teria resultados em obras emergenciais em algumas barragens.

Novo marco

No dia seguinte ao desastre de Brumadinho, o Ministério Público de Minas Gerais criou uma força-tarefa reunindo nove instituições e dividida em três núcleos – socioambiental, socioeconômico e criminal – para acompanhar o caso. Os grupos agiram com ações desde assegurar a pureza da água até apurar as causas e responsabilização pela tragédia.

“Na área cível, não há dúvida que a Vale é responsável pelas indenizações. No que concerne às mortes e lesões corporais temos que identificar a culpa, a responsabilidade, e é isso que estamos fazendo agora. Creio que, em sessenta dias, vamos concluir a apuração criminal e levar à justiça para os devidos procedimentos”, informa Antônio Sérgio Tonet, procurador-geral de Justiça de Minas Gerais.

Para o procurador, é necessário um novo marco regulatório que dê segurança para a operação das mineradoras, garanta os direitos fundamentais para as populações atingidas por barragens e que proponha auditorias independentes. Ele também critica o atual modelo de automonitoramento. “É uma relação empregado e empregador, precisa ser desqualificada ou qualificada, porque precisamos confiar na certificação. Se isso não acontecer, a população vai viver em pânico”, alertou.

História

Edmundo Dias Netto Júnior, procurador da República, sugere uma “virada de página”. Ele resgata um pouco da história da mineração no País.  “Continuamos com o modelo do século 17, início do ciclo do ouro, seguimos as amarras do tempo do Império”, recordou. Para ele, hoje as mineradoras criaram uma “minero dependência” e assumem riscos deliberadamente. “Sabemos que existem planilhas onde estão calculados o valor de cada vida humana. São 243 mortes e 27 desaparecidos graças às mãos criminosas das empresas que buscam o lucro sobre a vida humana. É urgente o marco regulatório das pessoas atingidas por barragens e que estabeleça também mecanismos de recomposição financeira dos cofres estaduais”, recomendou.

Reforma Trabalhista

O diretor da Confederação Nacional dos Trabalhadores na Indústria, José Inácio, diz que a Reforma Trabalhista aprovada pelo Congresso no ano passado trouxe ainda mais precariedade para os trabalhadores do setor. “Os novos contratos de trabalho fragmentam mais ainda mais a classe trabalhadora no momento em que precisa se organizar. Hoje, dos 266 mil trabalhadores do setor, 55% são terceirizados”.

O sindicalista acrescenta que a Vale responde, hoje, a 8.189 processos trabalhistas em Minas Gerais e no Espírito Santo. “A Vale descumpriu as convenções 174 e 176 da Organização Internacional do Trabalho tanto em Mariana como em Brumadinho. Dos quinze agentes patogênicos que podem adoecer um trabalhador, todos estão presentes na mineração”, observou.

Diligências                       

“Tantas tragédias humanas que poderiam ser evitadas, irresponsabilidades de quem poderia evitar, mas, por outros interesses, deixa seres humanos em segundo lugar”, lembra Helder Salomão (PT-ES), presidente da CDHM.

O deputado pediu aos participantes que enviem propostas e ideias para ajudar na construção de um novo marco regulatório para a mineração e reparação dos atingidos por barragens. “Também vamos realizar diligências em Minas Gerais e Espírito Santo para ajudar a resolver esse problema que se arrasta e deixa milhares de brasileiros em constante medo e insegurança”, afirmou.

 

Assessoria de Comunicação – CDHM

Foto – Gustavo Bezerra

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