Sociedade civil e deputados federais lançam “Agenda de Segurança Pública e Direitos Humanos”

Desde 2012, a Organização das Nações Unidas (ONU) usa o conceito de “segurança humana “ que, além das políticas de repressão ao crime, trata a segurança como algo mais. A segurança humana, por exemplo, exige respostas centradas nas pessoas, abrangentes ou específicas para determinadas situações e voltadas para a prevenção, que reforcem a proteção e o empoderamento de todas as pessoas e de todas as comunidades. Ainda de acordo com esse conceito, “a segurança humana reconhece a inter-relação entre paz, desenvolvimento e direitos humanos, além de levar em consideração os direitos civis, políticos, econômicos, sociais e culturais”.

Por causa da evidente crise da segurança no Brasil e do resultado das soluções ineficientes, que só produzem mais violência, um grupo de 24 deputados federais e 16 instituições da sociedade civil se reuniram e, desde o início deste ano discutem propostas para enfrentar essa realidade. Desse debate surgiu a “Agenda de Segurança Pública e Direitos Humanos”, que será lançada dia 14 dezembro, às 14h, no plenário 9 da Câmara dos Deputados. Inspirado no conceito da ONU, no resgate dos princípios da Constituição da República e nos acordos internacionais firmados pelo Brasil, o documento pretende ser um ponto de partida para uma mudança completa na arquitetura de segurança pública do País.

A Comissão de Direitos Humanos e Minorias da Câmara dos Deputados (CDHM) promoverá o ato de lançamento. O deputado Helder Salomão (PT-ES), presidente da CDHM, ressalta que “a segurança pública não pode ficar fora do olhar acurado da comissão, desde a proteção de vítimas de violações de direitos com a falha do Estado em proteger cidadãos e cidadãs, como a violência institucional”.

A segurança pública brasileira

A Agenda traz um retrato da segurança pública no País. “O Brasil vive uma profunda crise na segurança pública. Em 2017, atingimos a marca intolerável de quase 64 mil mortes violentas intencionais no País. Isso significa que em cada dia do ano cerca de 175 brasileiros tiveram suas vidas, sonhos e projetos interrompidos por conta da violência. No mesmo ano, foram registrados mais de 60 mil estupros e 200 mil casos de violência doméstica contra as mulheres. As respostas do sistema de segurança pública, salvo experiências locais exitosas, têm se mostrado ineficientes para lidar com esses e outros fenômenos da violência. A combinação entre um modelo defasado de policiamento e uma política criminal baseada no sensacionalismo e destituída de evidências tem gerado poucos resultados, com um elevado custo humano para os profissionais da segurança pública e para os cidadãos de maneira geral. Só em 2017, 367 policiais foram mortos, o que significa mais de um policial civil ou militar assassinado por dia no Brasil. Ao mesmo tempo, 5.159 outras pessoas morreram em decorrência de intervenções policiais, o que significa 14 mortos por dia.

Enquanto isso, atingimos a marca de mais de 700 mil pessoas encarceradas no Brasil, sem sinais de que a política criminal atual esteja sendo efetiva no combate à violência. Do total de presos, 64% são negros e 61% são analfabetos ou não possuem sequer o ensino fundamental completo. Dados como esses indicam que foi sobre o contingente mais vulnerável da sociedade que o Brasil quadruplicou sua população carcerária nos últimos trinta anos. Essa política de encarceramento em massa, além de não ter resultado em diminuição da violência, terminou por favorecer as organizações criminosas, para quem forneceu mão-de-obra farta. O grande número de prisões realizadas em flagrante e ligadas a acusações por pequenos delitos ou crimes não violentos tem prejudicado a priorização e o esclarecimento de crimes graves. Muitos casos que dependem de uma investigação criminal consistente, com apoio de perícia especializada, acabam não sendo esclarecidos. Dos 27 estados da Federação, apenas seis dispõem de dados que possibilitam um indicador seguro de esclarecimento de homicídios”.

Desafios

O documento enumera desafios e projetos de leis que tramitam no Congresso Nacional que podem ajudar a superá-los. “Em meio à diversidade de opiniões e programas, apresentamos propostas que representam fragmentos do Brasil com o qual sonhamos. Um Brasil justo e digno, onde a paz não seja fruto do medo, mas da justiça e da esperança, propomos o enfrentamento de seis desafios, identificando em cada um deles o modelo de segurança pública que queremos”.

Um dos desafios é a “Reestruturação do Sistema de Segurança Pública para um combate eficiente e efetivo à Violência”. A Agenda sugere, entre outros pontos, “reorientar a própria ideia de segurança pública constante da Constituição de 1988, colocando-a a serviço da ordem democrática e garantia dos direitos dos cidadãos, traçando uma distinção clara entre órgãos de segurança e de defesa. Em segundo lugar, é preciso construir um modelo que dê segurança jurídica à União para atuar no estabelecimento de princípios e diretrizes, formação de profissionais, gestão de informações, pactuação de metas e resultados e articulação de iniciativas de cooperação federativa na área”.

Já quanto à “Proteção dos direitos das vítimas de violência”, o documento diz que “é necessário fortalecer os programas de proteção a vítimas e testemunhas ameaçadas e de “proteção a crianças e adolescentes ameaçados de morte. Programas como esses, essenciais à proteção dos direitos humanos das vítimas de violência, vêm sendo prejudicados com a escassez de recursos, ataques do governo Bolsonaro1, que suspendeu as transferências de verbas para o programa de proteção a testemunhas no Rio de Janeiro, e com a falta de repasses de governos estaduais”.

Outro desafio seria “Tratamento digno e respeito aos trabalhadores e trabalhadoras da segurança pública”. Neste ponto, o grupo afirma que “o modelo de segurança vigente no país não é apenas ineficiente no combate à violência. Ele também desrespeita a dignidade e os direitos de milhares de trabalhadores e trabalhadoras da segurança pública em todo o Brasil. Os profissionais, que arriscam todos os dias suas vidas, sofrem com os baixos salários, jornadas extenuantes de trabalho e regulamentos incompatíveis com a Constituição e a vida democrática”.

A Agenda traz também como desafio o “Fortalecimento dos direitos e garantias fundamentais frente ao poder do Estado”. Parlamentares e sociedade civil colocam que “os discursos sensacionalistas que denunciamos neste documento têm gerado tanto uma profusão de novos tipos penais quanto a aplicação de tipos já existentes, sem considerações sobre sua potencial efetividade no combate à criminalidade, possibilidade de emprego de medidas não penais, custo humano e custo para os cofres públicos. Um grande exemplo é atual lei de drogas, na qual a amplitude dos tipos penais e a confusão entre a gravidade das condutas têm promovido um gasto descomunal de tempo e dinheiro dos contribuintes e do sistema de justiça e custado a vida de muitos jovens negros e pobres brasileiros. Desde o seu advento, a lei de drogas se tornou responsável pelo encarceramento de 24% dos nossos presos, sem conseguir equacionar adequadamente a questão dos entorpecentes em nosso País”.

Mais uma proposta é a “Reforma do Sistema Penitenciário”. Aqui, o documento afirma que “a política de encarceramento em massa, combinada com o total abandono dos presídios pelo poder público, não faz mal apenas às pessoas que se encontram presas, mas para toda a sociedade. A política do sensacionalismo penal permitiu que, sob a custódia do Estado, nascessem e se desenvolvessem facções criminosas que encontraram mão-de-obra farta e barata em pessoas que poderiam estar cumprindo penas alternativas, gastando menos recursos do contribuinte e oferecendo mais retorno à sociedade. Foi, portanto, na omissão do Estado e na insistência em políticas destituídas de evidências, que o crime se fortaleceu”.

Assinaturas

Assinam, até agora, a “Agenda de Segurança Pública e Direitos Humanos” os deputados  Camilo Capiberibe (PSB-AP), Célio Moura (PT-TO), Elvino Bohn Gass (PT-RS), Erika Kokay (PT-DF),  Fabio Trad (PSD-MS), Frei Anastácio (PT-PB), Helder Salomão (PT-ES), Jandira Feghali (PCdoB-RJ), João Daniel (PT-SE), José Guimarães (PT-CE), José Ricardo (PT-AM), Marcelo Freixo (PSOL/RJ), Margarida Salomão (PT-MG), Maria do Rosário (PT-RS), Nelson Pellegrino (PT-BA), Padre João (PT-MG), Patrus Ananias (PT-MG), Paulo Pimenta (PT-RS), Paulo Teixeira (PT-SP), Reginaldo Lopes (PT-MG), Rogério Correia (PT-MG), Talíria Petrone (PSOL-RJ),Túlio Gadêlha (PDT-PE) e Valmir Assunção (PT-BA).

Também assinam o documento ABGLT (Associação Brasileira de Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis, Transexuais e Intersexo), ABJD (Associação Brasileira de Juristas pela Democracia, AJD (Associação de Juízes pela Democracia), ANADEP (Associação Nacional das Defensoras e dos Defensores Públicos), APD (Advogadas e Advogados Públicos Para a Democracia),  Associação Fórum SUAPE Espaço Socioambiental, Coletivo Transforma MP, CONECTAS Direitos Humanos, Educafro, IDDH (Instituto de Defesa do Direito de Defesa), Instituto Sou da Paz, MNPCT (Mecanismo Nacional de Prevenção e Combate à Tortura), Ouvidoria de Segurança Pública do Maranhão, Rede Justiça Criminal, Rede Nacional de Feministas Antiproibicionistas e Themis – Gênero, Justiça e Direitos Humanos.

Assessoria de Comunicação-CDHM

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