A Lei da Anistia entrou em vigor em 28 de agosto de 1979 e foi regulamentada pela Lei 10.559 de 2002, que tratou dos direitos dos anistiados políticos. A iniciativa visava a, entre outras coisas, indenizar quem sofreu perseguição e tortura do Estado durante a ditadura militar. A maioria dos reconhecidos como anistiados foi alvo de perseguição durante a ditadura entre os anos de 1964 e 1985.
Porém, desde 2016, houve não apenas a diminuição do número de julgamentos de casos dos pleitos por reparação, em particular dos que ainda não receberam qualquer benefício decorrente da anistia aprovada em 1979, como a atual composição da Comissão praticamente trabalha para desconhecer os pedidos. Para se ter uma ideia, em 2021, houve 630 indeferimentos e nenhum caso aprovado pela atual Comissão de Anistia, criada em 2011 e atualmente vinculada ao Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos. Cerca de 13 mil processos estariam parados naquele órgão.
Para debater essa situação, a Comissão de Legislação Participativa da Câmara dos Deputados (CLP) promoveu, nesta terça (24), uma audiência pública, por solicitação do deputado Paulo Teixeira (PT-SP).
O atual presidente da Comissão da Anistia, sr. João Henrique Nascimento de Freitas, foi convidado para o encontro, mas não respondeu aos contatos da CLP.
“Esse governo desrespeita o Estado Democrático de Direito. Estamos vendo a transformação da Comissão de Anistia em um tribunal de exceção”, destaca o deputado Leonardo Monteiro (PT-MG).
O deputado Ivan Valente (PSOL-SP), presente à audiência, teve pedido de reparação negado este ano. Ele denuncia que “sempre lutamos pela punição dos torturadores, a lei era um acordo, uma transição, um processo de pacificação da sociedade. Em qualquer lugar da América Latina, torturadores foram presos. Aqui não, são promovidos. Inclusive defendidos pelo presidente da República, que é um delinquente. A Comissão de Anistia hoje é uma farsa, composta por criminosos”.
Destruição da Lei
Para Eneá de Stutz e Almeida, coordenadora do Grupo de Pesquisa Justiça de Transição da UnB, “a Lei está sendo destruída nos últimos quatro anos, uma lei que deveria regular a justiça de transição da ditadura para a democracia, fazer as reparações integrais previstas na Constituição. Por integral se entende reparação econômica, reinserção no trabalho e escolas e até psicológica. Porém, o governo federal mudou as regras da Comissão de Anistia, que são inconstitucionais. Uma afronta aos direitos humanos, virou uma comissão de governo”.
“Tivemos um período de grande acúmulo de boas experiências com um programa brasileiro de reparações. Isso acabou em 2016. O desmonte de hoje atinge a integralidade desse programa, não apenas na interpretação da lei, mas também na perspectiva das políticas construídas ao longo do tempo, como a Caravana da Anistia, o programa Marcas da Memória e os efeitos dessas políticas para outras gerações”, ressalta Paulo Abrão Pires, ex-secretário da Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) e ex-presidente da Comissão de Anistia.
“A Lei deve ser reinterpretada, não se pode colocar no mesmo nível torturados e torturadores, há um projeto de lei meu prevendo isso, mas está engavetado. Temos que limpar essa página cruel da história brasileira, para poder haver o fim real da ditadura. Ainda temos 734 desaparecidos políticos. O crime continua”, avalia Luiza Erundina (PSOL-SP).
Memória, justiça e verdade
A militante e anistiada política Rosa Cimiana dos Santos destaca que quem tem “um processo comprovado, como nos casos da ex-presidente Dilma Rousseff e do deputado federal Ivan Valente, que têm direito ao benefício, assim como de sindicalistas e estudantes, hoje são é perseguido de novo”. Os pedidos de reparação de Dilma e Valente foram indeferidos.
Rosa lembra o que ouviu de um integrante da atual Comissão durante um julgamento: “se a pessoa foi presa e torturada isso é um problema policial e não político, se fosse sindicalista, isso também não era político, mas sim trabalhista e que fosse procurar o Ministério do Trabalho”.
“Não podemos viver sem memória, justiça e verdade. Estamos vivendo uma tentativa de reviver o passado, querem nos transformar, novamente, em bandidos”, diz Jessie Vieira de Souza, anistiada e professora aposentada da UFRJ.
Também participaram Vera Vital Brasil, anistiada política e psicóloga, representantes de anistiados políticos e Vitor Neiva, ex-conselheiro da Comissão de Anistia.
A íntegra da audiência pública, em áudio e vídeo, está disponível na página da CLP no site da Câmara dos Deputados.
Assessoria de Comunicação CLP