Seminário comemora conquistas das pessoas com deficiência e acusa governo Bolsonaro de tentar implementar retrocessos

Deputada Erika Kokay coordena seminário sobre Lei de Cotas para pessoas com deficiência - foto Cleia Viana - Câmara dos Deputados

Representantes da sociedade civil afirmaram nesta segunda-feira (20) que, além de evitar retrocessos na Lei de Cotas para Pessoas com Deficiência (Lei 8.213/1991), o Brasil precisa avançar ainda mais para garantir cidadania plena a este segmento da população. As declarações aconteceram durante seminário virtual em comemoração ao Dia Nacional de Luta das Pessoas com Deficiência, celebrado no dia 21 de setembro, e os 30 anos da Lei de Cotas. A atividade da Comissão de Defesa dos Direitos das Pessoas com Deficiência da Câmara foi coordenada pela deputada Erika Kokay (PT-DF), e contou com a participação da presidenta do colegiado, deputada Rejane Dias (PT-PI).

O diretor da Associação Nacional dos Membros do Ministério Público de Defesa dos Direitos dos Idosos e Pessoas com Deficiência (Ampid), Sérgio Caribé, lembrou que neste Dia Nacional de Luta das Pessoas com Deficiência o grande desafio é fazer com que a Lei de Cotas seja efetivamente cumprida. Entre outros pontos, a legislação prevê que empresas com 100 ou mais funcionários tenham entre 2% e 5% de trabalhadores com deficiência.

“Ainda é difícil fazer essa legislação ser cumprida. Estudos indicam que existe resistência do setor privado em prover essas vagas e falta de empenho do poder público em fiscalizar e oferecer qualificação profissional para essas pessoas acessarem o mercado de trabalho”, explicou.

Na condição de procurador do Ministério Público junto ao Tribunal de Contas da União (TCU), Sérgio Caribé ressaltou que entrou com uma ação junto ao órgão para exigir que a Caixa Econômica aumente o número de pessoas com deficiência entre seus funcionários. Pela proposta, acatada pelo TCU, a partir de agora, ao invés de reservar em seus editais de concursos 5% das cotas para pessoas com deficiência, a Caixa terá que priorizar a contratação dessas pessoas até atingir esse índice entre o quantitativo total de seus funcionários.

Já a representante da Associação Brasileira para Ação por Direitos das Pessoas Autistas (Abraça), Amanda Paschoal, que é autista, disse que o capacitismo – discriminação e preconceito contra pessoas com alguma deficiência – é um mal que está arraigado na sociedade brasileira e precisa ser combatido. “Muitas pessoas enxergam as pessoas com deficiência como inferiores, independente da qualificação que tenham”, observou.

Como exemplo desse tipo de discriminação, o auditor-fiscal do Trabalho e representante do Sindicato Nacional dos Auditores Fiscais do Trabalho (Sinait), Rafael Faria Giguer, revelou que mesmo com formação superior nunca conseguiu colocação em uma empresa privada antes de passar em concurso público.

“É preciso combater as fakes news (notícias falsas) de que as pessoas com deficiência não conseguem emprego porque não tem qualificação profissional. Isso não é verdade, eu era engenheiro e não conseguia emprego na iniciativa privada”, afirmou.

Durante o seminário, o presidente do Centro Brasiliense de Defesa dos Direitos Humanos do Distrito Federal (CENTRODH), Michel Platini, coordenou a apresentação de uma série de vídeos enviados por ativistas e representantes de entidades ligadas a Pessoas com Deficiência. Todos eles enalteceram a importância da Lei de Cotas, mas reivindicaram sua efetiva aplicação e alertaram sobre tentativas de retrocessos em direitos já conquistados.

Tentativas de retrocessos

A deputada Erika Kokay ressaltou durante o seminário que o governo Bolsonaro já tentou enfraquecer a legislação que protege as pessoas com deficiência. Ela lembrou especialmente do projeto de lei (PL 6159/2019), do Poder Executivo, que prejudica a entrada dessas pessoas no mercado de trabalho. Entre outros retrocessos, a proposta prevê que as empresas poderão pagar a um fundo de reabilitação ao invés de contratar um profissional com deficiência. O projeto aguarda a criação de comissão especial para analisar o mérito da proposta.

A parlamentar citou ainda a medidas provisória (MP 1045/21), que flexibilizavam a contratação de pessoas com deficiência por meio de cotas, que foi derrubada pelo Senado. A proposta desobrigava empresas de obedecerem às cotas mínimas para pessoas com deficiência, desde que fossem contratados jovens em uma forma de admissão, sem vários direitos trabalhistas.

Deputada Rejane Dias. Foto: Pablo Valadares/Câmara dos Deputados

A presidenta da Comissão, deputada Rejane Dias, disse que o atual momento é de vigilância para que não ocorram retrocessos. “É incrível como esse governo tenta descontruir, não só a Lei de Cotas, mas também a inclusão de crianças com deficiência, como vimos recentemente nas palavras do ministro da Educação (Milton Ribeiro), de que essas crianças atrapalham o ambiente escolar. Precisamos estar atentos para impedir que as atuais políticas retrocedam. Graças a Deus temos resistido a essas tentativas de desconstrução”, ressaltou.

O autor do projeto de lei que deu origem ao Dia Nacional de Luta da Pessoa com Deficiência, o senador Paulo Paim (PT-RS), destacou que essa data tem que ser lembrada como um marco na busca por uma sociedade mais igualitária. Como exemplo da atual desigualdade brasileira, o senador petista lembrou que, entre as pessoas com deficiência que possuem até o ensino fundamental incompleto, o índice de desocupação chega a 66%, enquanto entre pessoas sem deficiência, e na mesma condição, é menos da metade, cerca de 30%.

Ações em defesa das pessoas com deficiência

Ao final do seminário, a deputada Erika Kokay anunciou que vai propor na Comissão de Defesa dos Direitos das Pessoas com Deficiência a criação de um grupo de trabalho, ou uma subcomissão, para debater com representantes da sociedade civil o aprimoramento da legislação para este segmento e ainda acompanhar a aplicação da lei de cotas.

Atendendo a reclamação de defensores das pessoas com deficiência, a parlamentar petista disse ainda que vai apresentar na Comissão uma moção pela volta do funcionamento do Conade (Conselho Nacional dos Direitos da Pessoa com Deficiência), desativado pelo governo Bolsonaro.

Kokay revelou também que participará de uma audiência com o presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira (PP-AL). Nesse encontro, que terá a presença de entidades que defendem os direitos das pessoas com deficiência, será solicitado ao chefe do poder Legislativo que ele assuma o compromisso de barrar qualquer retrocesso e ainda que irá propor avanços voltados a este segmento da sociedade.

O seminário contou ainda com a participação de representantes da Rede Brasileira de Inclusão da Pessoa com Deficiência (Rede IN); do Coletivo Nacional de Pessoas com Deficiência da CUT; do Centro Brasiliense de Direitos Humanos (CENTRODH); da Confederação Brasileira de Desportos de Deficientes Visuais (CBDV); da Federação Nacional das Associações Pestalozzi (Fenapestalozzi); da Organização Nacional de Cegos do Brasil (ONCB); e da Federação Nacional de Educação e Integração dos Surdos (Feneis), além de vários parlamentares.

O seminário foi encerrado com uma apresentação da Banda Surdodum, grupo de percussão formado em sua maioria por pessoas surdas.

 

Héber Carvalho

 

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