A comissão especial da Câmara que analisa mudanças propostas para afrouxar as regras para toda a cadeia dos agrotóxicos, aumentando assim sua produção e consumo realiza nesta segunda-feira (25), a partir das 12 horas, reunião extraordinária. O objetivo da presidenta, deputada Tereza Cristina (DEM-MS), do relator Luiz Nishimori (PR-PR) e dos demais ruralistas, maioria, é finalmente conseguir colocar em votação o polêmico Pacote do Veneno.
A tramitação da proposta, que começou sem estardalhaço, sendo discutida a princípio apenas entre especialistas e ativistas de saúde e meio ambiente, vem ganhando cada vez mais repercussão. Intelectuais, artistas, chefs de cozinha, cozinheiros famosos e celebridades até internacionais, como Gisele Bündchen, aderiram à campanha #ChegaDeAgrotóxicos e participam de manifestações pelas redes sociais às vésperas de cada reunião da comissão. Outras, como Paola Carosella, Bela Gil e Bel Coelho, entre outros, comparecem à sala de reuniões na Câmara, em Brasília.
Ansiosos pela aprovação, os ruralistas e seu trator, representado pela presidenta, que preside também a Frente Parlamentar Agropecuária (FPA), estão sendo brecados pela minoria. Deputados do PT, PCdoB, Psol, PSB, PDT e Solidariedade têm conseguido ganhar tempo ao forçar o debate com obstruções e requerimentos – o que nas palavras dos defensores do Pacote significa “atrasar o Brasil”.
Mas o pesquisador da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e integrante da Campanha Permanente contra os Agrotóxicos e pela Vida, o agrônomo Gabriel Bianconi Fernandes tem críticas ao vídeo em defesa do Pacote do Veneno que circulou esta semana. Conforme destaca, os ruralistas se utilizam de argumentos sem respaldo em dados disponíveis nas pesquisas mais recentes. “Servem mais como cortina de fumaça para encobrir os reais interesses que estão por trás da aprovação desse pacote do veneno”, afirmou.
Entre esses interesses, segundo ele, está o aumento do lucro das empresas de agrotóxicos e as empresas associadas ao modelo industrial de agricultura, como alguns setores de máquinas e o sistema financeiro de crédito. Nesse contexto, ele inclui as recentes megafusões entre as grandes multinacionais de transgênicos e agrotóxicos. É o caso da Bayer e Monsanto, Dow e DuPont e também da Chem China com a Syngenta, que avançam cada vez mais sobre setores da agricultura.
“É a própria profecia da concorrência que leva ao monopólio. Um dos argumentos dos ruralistas é a necessidade de uma nova lei para poder informatizar os processos de registro de agrotóxicos no Brasil, que não tem o menor cabimento. É só a gente pensar, por exemplo, no caso recente do Judiciário brasileiro, em que hoje em dia os processos são eletrônicos. A mudança foi muito mais uma adaptação interna nos procedimentos do órgão, e não foi preciso uma nova lei para garantir que os processos que tramitam na Justiça brasileira sejam hoje informatizados. Então a gente não pode aceitar esse argumento falacioso que é preciso uma nova lei para que os processos de registro de agrotóxicos passem a ser informatizados ou tramitem com mais celeridade no Brasil”, explicou.
Clima tropical
Outro dado falso dos ruralistas, segundo Fernandes, diz respeito ao que eles chamam de uso eficaz dos agrotóxicos no Brasil para tentar justificar o maior uso de agrotóxico no Brasil por causa do clima tropical, com mais incidência de pragas que em vários outros países. E também que o Japão, a Inglaterra e assim por diante, têm uso mais intensivo por unidade de área plantada.
“Ao dizer isso, eles estão escondendo o fato de que, em 2002, a comercialização de agrotóxicos no Brasil era equivalente a 2,7 quilos por hectare de lavoura. Dez anos depois, em 2012, esse número chegou a 6,9, segundo dados do IBGE, de 2015. Cresceu muito.”
Monoculturas e transgênicos
Conforme o agrônomo, outro dado bastante importante, que derruba esse “argumento falacioso” do uso eficaz de agrotóxicos vem do próprio Ministério da Saúde, segundo o qual, entre 2007 e 2013 dobrou o uso de agrotóxicos no Brasil. No entanto, nesse mesmo período, a área cultivada cresceu apenas 20%. “Então não está sendo usado mais agrotóxicos no Brasil porque aumentou a área cultivada. O que esses dados estão mostrando é que predomina no país um modelo agrícola baseado em monoculturas, em transgênicos que, sim, está demandando uma aplicação mais intensiva por unidade de área. Ou seja, mais litros, ou quilos de agrotóxicos por hectare de plantação.”
É importante notar ainda que a atual legislação não impede a aprovação e registro dos produtos considerados mais eficientes. O argumento dos ruralistas quanto à necessidade de produtos mais modernos no Brasil, segundo ele, pode não coincidir com o interesse das empresas fabricantes de agrotóxicos no Brasil. “Será que têm de fato interesse em introduzir esses produtos no Brasil ou vão continuar seguindo a política de usar o Brasil para vender aqueles agrotóxicos que já foram proibidos em outros países, como já acontece bastante hoje? Aqui se vende a sobra daqueles produtos que não podem mais ser comercializados na Europa e assim por diante.”
Glifosato
No caso dos transgênicos é a Comissão Técnica Nacional de Biossegurança (CTNBio) que legitima a aprovação de transgênicos, sempre dispensando a realização de estudos de impacto ambiental.
No caso dos agrotóxicos, estão propondo uma CTNFito – Comissão Técnica Nacional de Fitossanidade. Na avaliação do agrônomo isso é bastante grave do ponto de vista da saúde e do meio ambiente. O Randup, herbicida mais vendido no Brasil, é comercializado há mais de 40 anos e só mais recentemente que as pesquisas feitas pelo próprio governo do Estados Unidos estão começando a confirmar que há ingredientes do Randup que são mais tóxicos, com mais impactos às células humanas do que o seu próprio princípio ativo, o glifosato.
“Acontece que os modelos regulatórios as atenções estão voltadas para a molécula do ingrediente ativo do agrotóxico. E as avaliações de risco nos estudos toxicológicos não consideram os outros ingredientes do produto. E são produtos que estão há décadas no mercado. Há, portanto, a confirmação de que existem outros ingredientes que passam batido pelo crivo dos registros de agrotóxicos e que podem ter mais efeitos adversos à saúde e ao meio ambiente”, disse.
Portanto, as mudanças necessárias na lei têm de ir no sentido de garantir que o sistema de registro, de avaliação e reavaliação de agrotóxicos no Brasil passe a considerar também a composição em geral dos agrotóxicos, e não só os ingredientes ativos. E para isso é necessário informação cientifica recente, de qualidade, que sustente esse tipo de posição. “Como mostra o vídeo dos ruralistas, a agricultura brasileira precisa de menos e não mais agrotóxicos. E para conseguir isso a gente precisa de mais agroecologia e não mais liberação facilitada de agrotóxicos como eles estão propondo.”
Rede Brasil Atual