Especialistas alertaram na quarta-feira (11) sobre o risco de piora no descumprimento da obrigação legal de contratação de pessoas com deficiência por órgãos públicos e empresas do setor privado. O assunto foi discutido em seminário promovido pela Comissão de Defesa dos Direitos das Pessoas com Deficiência da Câmara dos Deputados.
O debate ocorre após o recente envio de um projeto de lei do Poder Executivo (PL 6159/19) que flexibiliza a atual Lei de Cotas (Lei 8.213/91). Essa lei prevê ao menos 2% a 5% de contratação de pessoas com deficiência nas empresas com mais de 100 funcionários.
A deputada Rejane Dias (PT-PI), autora do requerimento da audiência, avalia que o tema é importante e atual, tendo em vista a quantidade de pessoas com deficiência que estão prontas para serem inseridas no mercado de trabalho. “A lei de cotas é uma obrigação. Em pleno dia internacional da pessoa com deficiência, o governo retira o direito das cotas e substitui pela multa que vale até por dois salários mínimos. É algo estarrecedor. Diante disso à Comissão foi ao presidente da Câmara [Rodrigo Maia] para pedir que ele não paute esse projeto. E o debate de hoje [11], se propõe a ouvir as pessoas que vivenciam a experiência da luta pelos direitos da pessoa com deficiência e já foram impedidas de conseguirem emprego”, observa a deputada Rejane.
Resistências do empresariado
A subprocuradora-geral do Ministério Público do Trabalho, Maria Aparecida Gurgel, avaliou que resistências do empresariado e falhas nos concursos públicos dificultam a efetividade das cotas.
“Nós não temos mais desculpa nenhuma, salvo o preconceito e a discriminação em razão da deficiência praticados pelos senhores empresários. Já vimos que, no âmbito da administração pública, é diferente porque dependemos do concurso público. Mas, no âmbito das empresas, não há mais justificativa para não encontrar trabalhadores com deficiência”, disse Maria Aparecida Gurgel.
Ela citou o caso dos Correios, que foram alvo de ação civil pública para a admissão de pessoas com deficiência aprovadas em concurso público. Hoje, dos 99.548 empregados, 7,8% apresentam algum tipo de deficiência. A estatal também tem adotado projetos inclusivos, como o serviço postal braile e o Programa SIM – Sensibilizar, Inserir e Mobilizar.
Fiscalização
Cego e já com dez anos de experiência como fiscal do trabalho, Rafael Giguer disse que, no setor privado, as contratações só têm ocorrido após a ação dos auditores fiscais.
“Existem vários mitos em relação à pessoa com deficiência, por exemplo: ‘ela não fica nas empresas’. É mito: ela tem uma taxa de permanência superior à dos trabalhadores sem deficiência. ‘Não existem candidatos procurando’. É outro mito, já que os dados estatísticos demonstram o contrário. A gente tem que ser muito contundente com isso porque é muito mais fácil criar desculpas para não contratar do que enfrentar os desafios que de fato existem”, afirmou Giguer.
Transportes e bancos
Já o chefe de gabinete da Confederação Nacional do Transporte (CNT), Guilherme Sampaio, deu exemplos do que seriam os “desafios” do setor para o cumprimento da cota: “80% a 90% do nosso quadro de funcionários está voltado para motoristas, pilotos e, eventualmente, encarregados e ajudantes, em que há objeção às atividades. E também tem o ponto de vista legal, em que as normatizações complementares, como o Código de Trânsito Brasileiro e o Código Aéreo, trazem exigências que infelizmente impossibilitam o cumprimento [das contratações]”, disse.
Na mesma linha, o gerente de relações trabalhistas da Federação Brasileira de Bancos (Febraban), Nicolino Junior, disse que o setor bancário tem procurado investir em capacitação remunerada antes da efetiva contratação. Segundo ele, o índice de trabalhadores com deficiência nos bancos deve subir de 2,9%, em 2018, para 3,6% neste ano.
Quanto ao polêmico projeto de lei que flexibiliza as cotas, a Febraban pediu “reflexão” sobre a necessidade de aperfeiçoamento da legislação.
Audiências nos estados
A organizadora do debate, deputada Rejane Dias, informou que a Câmara, por meio da Comissão de Defesa dos Direitos das Pessoas com Deficiência, vai promover audiências públicas nos estados para discutir o PL 6159.
“Ficamos estarrecidos com a desconfiguração da Lei de Cotas. Por isso, vamos provocar a discussão desse PL nos estados. A convenção da ONU já falou: ‘nada sobre nós sem nós’, sem que realmente as pessoas com deficiência possam contribuir com esse debate”, disse a deputada.
O seminário desta quarta-feira também teve a participação de representantes do Conselho Nacional dos Direitos da Pessoa com Deficiência (Conade) e de centrais sindicais que, além de defenderem a manutenção da atual Lei de Cotas, pediram melhor acessibilidade nos ambientes de trabalho e regulamentação de vários artigos da Lei Brasileira de Inclusão da Pessoa com Deficiência (Lei 13.146/15).
Tuanny Carvalho com Agência Câmara Notícias