Em artigo publicado no jornal Sul 21, o deputado Henrique Fontana (PT-RS) analisa a reforma da previdência e os prejuízos na vida dos trabalhadores, caso ela seja aprovada. “É um tiro na dignidade dos aposentados”, conclui.
Um tiro na dignidade dos aposentados
Henrique Fontana
Ao comentar o envio da proposta de reforma da Previdência ao Congresso, o ministro da Economia Paulo Guedes afirmou: “Demos o primeiro tiro!”. Quando examinamos as alterações propostas pelo Governo no regime previdenciário não restam dúvidas de que todos os futuros aposentados serão prejudicados, mas fica claro que o alvo preferencial do “primeiro tiro” são os mais pobres. Não é verdade que o projeto busque combater os privilégios. Pelo contrário, representa um confisco de direitos que vai aumentar as desigualdades, dificultar o acesso à aposentadoria e empobrecer a população.
Ao estabelecer a idade mínima como critério principal, a proposta desconsidera que os mais pobres ingressam no mercado de trabalho muito cedo. Um jovem que começa aos 16 anos, deverá trabalhar quase 50 anos para obter a aposentadoria. Além disso, em um país com alto índice de desemprego, a exigência de 40 anos de contribuição para alcançar o benefício pleno é irreal e terá como único efeito a redução drástica do valor das aposentadorias. Uma estimativa do INSS mostra que, em média, o trabalhador consegue comprovar a contribuição previdenciária por sete ou oito meses de cada ano, o que transformaria os 40 anos exigidos para o teto em 50 ou mais. Além disso, o fim do mecanismo que valorizava em 80% o período em que o trabalhador teve maior remuneração para o cálculo do benefício igualmente contribuirá para o arrocho nas futuras aposentadorias.
O governo tenta transformar a Previdência na grande vilã das contas públicas. No entanto, os gastos com a Previdência representam 24% da receita, algo bem razoável para um país com a dimensão do nosso. Enquanto isso, os juros e amortizações da dívida, ou seja, a remuneração do capital improdutivo consome 44% do volume dos impostos que pagamos. Se o governo estivesse interessado em combater privilégios deveria, por exemplo, votar a lei de imposto sobre lucros e dividendos, pois essa afetaria os privilegiados, em vez de reduzir o valor das aposentadorias de dois ou três salários mínimos, que representam a grande massa dos contribuintes. O mais trágico é que uma parcela significativa dos brasileiros, especialmente dos mais pobres, não vive além dos 65 anos, ou seja, o projeto do governo pretende simplesmente eliminar um grande número de futuros aposentados.
Não se trata de a priori combater qualquer proposta de mudança da Previdência. Quando estivemos no Governo, instituímos a Previdência complementar para o servidor público, amplamente discutida com a sociedade, que beneficiou milhões de trabalhadores. A reforma apresentada agora, contudo, não foi debatida e apresenta muito mais o perfil de ajuste fiscal meramente contábil que desconsidera o impacto das medidas propostas na vida de milhões de trabalhadores e na realidade social dos estados e municípios.
Para as mulheres, os efeitos são ainda mais drásticos. Passa a ser exigida idade mínima de 62 anos, e o tempo de contribuição mínimo aumenta de 15 para 20 anos. Mas para receber o benefício no valor integral, o tempo exigido será de 40 anos. No caso dos trabalhadores rurais, que sabidamente começam a trabalhar muito cedo, o projeto eleva a idade mínima e o tempo mínimo de contribuição, ignorando as especificidades do trabalho rural sujeito aos mais diversos percalços climáticos e conjunturais.
Especialmente perversa é a alteração do Benefício de Prestação Continuada (BPC), que hoje garante um salário mínimo ao idoso de baixa renda a partir dos 65 anos. Pela proposta, a idade passa para 70 anos. Antes disso, receberá apenas R$ 400,00, o que significa um golpe no setor mais fragilizado da população.
Por fim, chama atenção o “esquecimento” em relação à aposentadoria dos militares das Forças Armadas. Conhecemos e respeitamos as especificidades de suas funções, mas é estranho que em relação a eles não haja uma única mudança proposta no projeto do governo.
Um sistema previdenciário justo é aquele com combina idade e tempo de contribuição. Só assim, o trabalho desenvolvido pelo cidadão ao longo de sua vida será valorizado e terá a devida recompensa. Supervalorizar a idade é o mesmo que consagrar as desigualdades sociais e significará um “tiro” nas expectativas de milhões de trabalhadores que têm o direito de almejar uma aposentadoria digna.
Henrique Fontana é deputado federal (PT-RS)