Reforma da Previdência é ajuste fiscal com fim de direitos fundamentais, avaliam especialistas na CDHM

O governo federal apresentou ao Congresso Nacional a Proposta de Emenda à Constituição (PEC 06/19) que prevê mudanças na aposentadoria de servidores públicos, militares e trabalhadores da iniciativa privada. Entre as alterações estão o fim da aposentadoria por tempo de contribuição, a implementação de idade mínima para se aposentar – 62 anos para mulher e 65 para homem – e o tempo mínimo de contribuição aumenta de 15 para 20 anos. Para ter direito a 100% do benefício, o trabalhador deve contribuir com o INSS pelo período de 40 anos. Outra mudança é o benefício inicial a idosos pobres, que cai de R$ 998 para R$ 400.

“Não é uma Reforma da Previdência, é um ajuste fiscal para acertar as contas do Tesouro Nacional e não resolve o maior desafio que temos, que são as fontes de financiamento, e retira mais de um trilhão de reais dos trabalhadores mais pobres para as empresas de capitalização”, denuncia Carlos Eduardo Gabbas, ex-ministro da Previdência Social e especialista em Gestão de Sistemas de Seguridade Social.

Gabbas foi um dos participantes do seminário realizado na quarta-feira (22) pela Comissão de Direitos Humanos e Minorias da Câmara dos Deputados, que discutiu os impactos da proposta no que tange aos direitos fundamentais. O ex-ministro informa ainda que esse tipo de sistema [da capitalização] já foi implantado em 30 países, dos quais 18 já voltaram para o formato solidário: “Está na Constituição que a seguridade será financiada por contribuições de toda a sociedade. O nosso sistema já reproduz desigualdades: o filho do trabalhador pobre não tem a mesma oportunidade do rico. Há trabalhadores que não vão conseguir chegar aos 55 ou 60 anos com saúde para continuar trabalhando e se aposentar”, pondera. Gabbas afirma que o Brasil é um país “feito na base da Capitania Hereditária e da escravidão”.

Experiência chilena: pobreza e suicídio

Um exemplo sempre citado pelo governo brasileiro, ao defender a Reforma da Previdência, é o que foi feito no Chile em 1981, ainda sob a ditadura de Augusto Pinochet. Na época, o país instituiu um modelo de capitalização no sistema previdenciário, em que cada trabalhador pagaria sua própria Previdência. Ou seja, o sistema público de Previdência passou a ser privado. Anos mais tarde, esse sistema serviria de inspiração também para México, Colômbia e Peru. Passadas quatro décadas, a experiência chilena resultou em benefícios de baixo valor, em uma média de 60% do salário mínimo local que, na cotação de quarta-feira (22), seria de aproximadamente mil reais.

“O que aconteceu no Chile foi uma transferência de recursos financeiros da população para grandes grupos econômicos. Um estudo mostra que 27 empresas, tanto chilenas como multinacionais, foram beneficiadas com a capitalização. Entre os grandes estão Santander e BTG Pactual”, informa Recaredo Gálvez, da Fundación Sol do Chile, que participou do debate através de videoconferência. “Conglomerados financeiros controlam hoje 75% do nosso PIB e parte deles surgiu graças às reformas promovidas durante a ditadura militar”.

Gálvez destaca também que a população mais pobre recebe ainda menos, cerca de 36% do salário mínimo. “Um modelo de capitalização que durou 40 anos acabou aumentando a pobreza e atingiu principalmente as mulheres. Isso mostra o fracasso dessa fórmula, que não é efetiva como benefício”. Ele acrescenta que outros grupos financeiros também se beneficiaram com privatizações, como na área da saúde, água e de luz.

Hoje, a contribuição feita pelos trabalhadores chilenos é de 10% do salário. O percentual não seria suficiente para garantir uma renda que pague as necessidades básicas dos chilenos aposentados.

“Com a capitalização para fins de aposentadoria totalmente bancada pelo trabalhador, milhões de pessoas foram obrigadas a entregar esses 10% de seus salários a arapucas especulativas, sem haver nenhuma contribuição dos empregadores, nem do Estado”, acrescenta Carolina Espinoza, representante da coordenação No Más AFP (sigla para administradora de fundo de pensão), que também participou por videoconferência.

“Houve crises financeiras em que perdemos todas as economias depositadas ao longo da vida, porque ficamos sujeitos aos vaivéns do mercado. E a perda dessas economias levou ao suicídio dos que não conseguiam sobreviver com o benefício”, frisa.

De acordo com o Estudo de Estatísticas Vitais, do Ministério de Saúde e do Instituto Nacional de Estatísticas (INE) do Chile, entre 2010 e 2015, 936 adultos maiores de 70 anos tiraram sua própria vida. O levantamento aponta que os maiores de 80 anos apresentaram as maiores taxas de suicídio, quase 18 para cada 100 mil habitantes. A média nacional é de 10,2. Conforme o Centro de Estudos de Velhice e Envelhecimento, os índices crescem ano a ano, e refletem a “mais alta taxa de suicídios da América Latina”.

A gênese

Maria Lúcia Fattorelli, coordenadora da Auditoria Cidadã da Dívida, explica o contexto no qual o governo se baseia para propor a Reforma. Ela afirma que o rombo das contas públicas está no sistema da dívida e não na Previdência Social: “A gênese desta Reforma se inicia no Banco Central e como ele faz para gerar a dívida pública desde o Plano Real, destinando a maior parte do orçamento para pagar juros e amortizações e quanto mais paga, mais deve”. Fattorelli sustenta que não há um déficit da Previdência. De acordo com a especialista, há uma crise “fabricada para beneficiar grandes bancos, destruindo a seguridade social para entrar a capitalização”. Ela vai além e diz que esse mesmo sistema financeiro, principalmente o internacional, também está interessado nos minérios e no agrobusiness brasileiros. “Essa dívida, de R$ 1 trilhão, alegada pelo governo, foi provocada pela política monetária suicida do Banco Central que inclui a remuneração das sobras de caixa dos bancos. Esse dinheiro vai sair do bolso dos mais pobres. Neste momento, só tem dois lados: brasileiros de um lado e banqueiros de outro”.

Constituição

Selene Michelin Barboza, Secretária de Aposentados e Assuntos Previdenciários da Confederação Nacional dos Trabalhadores em Educação (Cnte), questiona “que país é esse que exige sacrifício de todos para fazer um ajuste fiscal?”.  A educadora afirma que a proposta do governo retira da Constituição a proteção social de todos os brasileiros. “Isso significa destruir conquistas da constituição cidadã, por isso temos que lembrar que os deputados não foram eleitos para fazer mudanças, eles não são constituintes”. Barboza considera a medida “um crime com a sociedade brasileira, que para ter esperança de mudar vai levar décadas”.

Também ao lembrar a Constituição, Erick Magalhães, advogado especialista em direito previdenciário, diz que que o que está na Carta não é objeto de deliberação. “Estão destruindo direitos, como na Reforma Trabalhista, que resultou em quase 14 milhões de desempregados, e agora, com a Reforma da Previdência, as pensões são insuficientes para o povo sobreviver com dignidade, e isso viola princípios da Constituição”.

Consequências no campo

De acordo com a diretora da Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura (Contag) Edjane Rodrigues se a PEC passar vai haver êxodo rural e saída da juventude do campo. “Ameaça também a produção de alimentos saudáveis e terá impacto em 70% dos municípios, onde os repasses das aposentadorias rurais supera o orçamento”, alerta. Edjane critica o aumento de cinco anos no tempo para a mulher rural se aposentar. “Vai ser de 60 anos, mas esquecem que elas começam a trabalhar muito cedo e os assalariados rurais estão na informalidade e outra parte vive de safras”.

Política agressiva e aumento das desigualdades sociais

Para o presidente da CDHM, deputado Helder Salomão (PT-ES), que pediu a realização do seminário, “trata-se de uma política agressiva de redução do gasto público, o que historicamente implica no aumento das desigualdades sociais”. Para Salomão, a PEC 6/2019 cumpre uma finalidade primordial: “atender aos interesses do mercado financeiro, ao favorecimento dos fundos de Previdência privada e liberando recursos estatais para o pagamento de juros à custa de direitos”. O parlamentar conclui e afirma que a proposta penaliza sobretudo mulheres e pessoas mais pobres. “A reforma modifica a lógica do Estado de Bem-Estar Social, consolidado na Constituição de 1988, que tem na seguridade social um de seus principais pilares”.

Assessoria de Comunicação

 

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