Com muita obstrução da Oposição e com o voto contrário da Bancada do PT, a Câmara aprovou na noite desta quarta-feira (1º) o projeto de lei (PL 4188/21), do governo Bolsonaro, que permite a exploração de um serviço de gestão especializada para intermediar a oferta de garantias entre o tomador de empréstimos e as instituições financeiras. O líder da Bancada do PT, deputado Reginaldo Lopes (MG), afirmou que era uma temeridade aprovar o projeto que coloca em risco a moradia do povo brasileiro. “É arriscado permitir essa modalidade de garantia que deixa vulnerável a propriedade, o porto seguro das famílias”, alertou. Ele acrescentou que os bancos já ganham muito.
A deputada Erika Kokay (PT-DF) afirmou que esse projeto destrói a família ao permitir que o único bem familiar seja penhorado para garantir um ou mais empréstimos. “A família vai ficar absolutamente sem nada. E se o bem está avaliado em R$ 1 milhão, e supondo-se que há um empréstimo de R$ 1 milhão, e se for para leilão porque a família não conseguiu pagar o empréstimo, e só se ofertar R$ 200 mil ou R$ 300 mil, a família perde o bem e ainda fica com a diferença como dívida”, alertou. Ela enfatizou que esse é um projeto que tem a digital dos interesses dos banqueiros, “até porque não apenas se estabelece que o único bem da família pode servir como garantia, como se possibilita que os bancos façam o leilão imediatamente, sem qualquer tipo de ação judicial, em 60 dias”.
Erika afirmou ainda que a maldade não é só essa. “O projeto retira também o monopólio do penhor da Caixa Econômica Federal, que tem esse monopólio do penhor desde 1969. E vai-se colocar quem? Será que essa instituição que vai assumir o penhor tem a mesma capacidade que tem os avaliadores de penhor da Caixa? A mesma condição de dar segurança ao bem penhorado? Seguramente não”, protestou.
Este Parlamento, segundo Erika Kokay, não pode se abraçar com o sistema financeiro dessa forma. “O sistema financeiro não precisa de ajuda. Quem precisa de ajuda desta Casa são as famílias que, inclusive, quando penhoram as suas joias, têm que ter a segurança de que as suas joias serão preservadas”, completou.
Endividamento das famílias
O líder da Minoria no Congresso, deputado Afonso Florence (PT-BA), afirmou que os partidos da Minoria divergiam em três aspectos fundamentais do PL 4.188. “O primeiro, que é gravíssimo, acaba com a impenhorabilidade dos bens de família. “É inaceitável que uma regulamentação hoje vigente no País, que existe em muitos outros países centrais e garante o patrimônio familiar residencial, seja derrubada pela tramitação de um projeto em regime de urgência”, protestou.
O outro aspecto gravíssimo, segundo Florence, é a possibilidade de que o mesmo imóvel seja dado como garantia na contratação de mais de um crédito, de mais de um empréstimo. “Isso ocasionará, inevitavelmente, o endividamento das famílias, ainda mais sendo essa contratação feita por meio das instituições gestoras de garantia. A operação será feita em larga escala e buscará a dinâmica de mercado de contratação de crédito. Pode ser que, de fato, isso facilite a contratação e reduza a taxa de juros, no primeiro momento. Mas isso implicará um superendividamento das famílias”, sentenciou.
O terceiro aspecto negativo desse projeto, conforme o líder da Minoria, poderia ser simplificado: “aqui é a antessala da bolha imobiliária no mercado financeiro. Por condições similares, vimos acontecer nos Estados Unidos a crise de 2008. A tendência aqui é que, em determinado momento, as famílias não consigam honrar seus compromissos, percam o bem de família, o bem central, patrimonial, residencial, e o mercado entre em colapso. Por isso, nós da Minoria somos contra esse projeto”, reiterou.
Projeto dos bancos
Na avaliação do deputado Enio Verri (PT-PR), esse projeto poderia ser chamado de PL dos bancos, porque esse é o sonho dos banqueiros. “Afinal de contas, num país onde os banqueiros têm acesso a todas as informações do cidadão, que eram confidenciais, agora, os bancos privados podem também trabalhar com operações que eram exclusivas da Caixa Econômica, como o penhor. E esse PL permite que principalmente os mais pobres, ao não pagarem as suas dívidas, também possam perder a sua única propriedade, que é a sua casa. Isso é desumano”, protestou.
Para Enio Verri é injusto que a Câmara concorde em fazer um debate e aprove um projeto como esse. “Isso é um desrespeito, principalmente aos mais pobres. Aliás, esta Câmara dos Deputados, com muita frequência, tem votado de acordo com o interesse dos banqueiros e contra o interesse do povo”, desabafou.
Contra o povo
E o líder da Minoria na Câmara, deputado Alencar Santana Braga (PT-SP), afirmou que a Câmara é a casa do povo, mas temos virado especialistas em aprovar projetos que, na verdade, defendem o interesse do sistema financeiro e do grande capital. “Este é mais um projeto que vai gerar, lá na frente, muito mais pessoas sem casa própria, muito mais pessoas vulneráveis e muito mais pessoas que vão acabar ficando em situação de rua”. Ele acrescentou que, lamentavelmente, o governo, em vez de atentar e procurar solução para o problema econômico e social do povo brasileiro, ele faz o inverso, “ele quer facilitar justamente que as pessoas mais humildes percam, muitas vezes, o único bem que têm para sua morada”.
Com esse projeto, afirmou Alencar Santana, “estamos dizendo que a pessoa proprietária poderá obter financiamento e dar em garantia seus imóveis, obtendo mais um financiamento, dividindo em cinco vezes de 20%”. Ele denunciou ainda que essas pessoas ficarão na mão dos bancos, que adiante vão tomar a sua casa. “Nós vamos jogá-las na rua da amargura, construindo uma sociedade em situação de rua ainda maior. Que economia burra é essa?”, indagou.
Os deputados Carlos Zarattini (PT-SP), Leo de Brito (PT-AC) e Zé Neto (PT-BA) também se manifestaram contra o projeto.
Texto aprovado
Pelo texto aprovado, que segue para a apreciação do Senado, ao ser regulamentado pelo Conselho Monetário Nacional (CMN), o serviço poderá ser prestado por instituições autorizadas pelo Banco Central, que farão a gestão das garantias e de seu risco, o registro nos cartórios no caso dos bens imóveis, a avaliação das garantias reais e pessoais, a venda dos bens se a dívida for executada e outros serviços.
Segundo o modelo, as pessoas físicas ou jurídicas interessadas em tomar empréstimo junto a instituições financeiras que usam os serviços das instituições gestoras de garantia (IGG) deverão antes firmar um contrato com uma destas e apresentar os bens que pretendem dar em garantia.
Em seu parecer preliminar, o deputado João Maia (PL-RN) introduziu dispositivos para permitir ao credor fiduciário (como leasing de automóvel) usar serviços do oficial de registro de títulos e documentos para cobrança extrajudicial da dívida ou mesmo localização do bem objeto do contrato, assim como efetuar a consolidação da propriedade em vez do uso da via judicial.
Vânia Rodrigues