Medida, que fere a Constituição, visa a beneficiar atingidos por eventos climáticos.
Sob protesto e com o voto contrário da Bancada do PT, a Câmara dos Deputados aprovou na noite dessa quarta-feira (14/8) o projeto de lei (PL 397/24), do Senado, que suspende por 48 meses o pagamento de parcelas de crédito rural tomado por produtores de regiões atingidas por secas ou enchentes, mesmo sem estado de calamidade reconhecido pelo Executivo federal. O projeto, que segue para sanção presidencial, permite a prorrogação do pagamento das parcelas vencidas ou a vencer de operações de crédito rural contratadas nos anos de 2022 a 2024.
Para o deputado Bohn Gass (PT-RS), o projeto é inconstitucional porque propõe que, se o município decretar estado de calamidade não precisa haver o reconhecimento da Defesa Civil do estado nem da União. “Isso está errado, além de ser inconstitucional. É lei, a decretação da situação de emergência, de calamidade, precisa passar pela Defesa Civil”, alertou. Ele acrescentou que o município decreta a situação, mas é o estado e a União que reconhecem.
“São cientistas, são profissionais que avaliam tecnicamente se a situação está ou não enquadrada na calamidade. Se estiver, poderá ter o benefício. Se houver apenas o que o projeto pede, que o município decrete e haja a suspensão sem o reconhecimento técnico, isso estará fora da lei, não vai ajudar os agricultores, é só demagogia política”, reiterou.
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Bohn Gass lembrou ainda que toda vez que se precisa de uma ajuda para o agricultor, o governo deve ajudar, “mas deve fazer isto dentro de critérios, como nós estamos fazendo agora no Rio Grande do Sul, com uma lei”.
Avaliação técnica
A deputada Erika Kokay (PT-DF) também alertou sobre a inconstitucionalidade do projeto. “Lutamos para dar robustez ao texto, tentamos adiar a votação para dar robustez a esta proposição, para que não tenhamos sobressaltos, para que não construamos aqui um projeto nitidamente inconstitucional, porque em nenhum momento esse texto fala de avaliação técnica, em nenhum momento fala de Defesa Civil, estadual ou nacional”, lamentou.
Para a deputada, é importante ajudar os produtores rurais que estão com a sua atividade impactada em função de calamidades. “Por isso, o texto precisava dar segurança jurídica e avaliação técnica do próprio estado de calamidade. Entretanto, o projeto aprovado fala nas entrelinhas que sua essência é atribuir a decretação de calamidade pública para um ponto de vista político de uma relação de muita pressão que existe no próprio território. Esse é o recado do próprio texto”, criticou.
Juros
Erika Kokay disse ainda que o produtor rural precisa saber que a Câmara estava aprovando um texto em que não se suspende a cobrança de juros e de correção monetária durante a suspensão do pagamento. “Portanto, está aumentando o saldo devedor. Em verdade, aqui está se criando um precedente para prestações que nem são vencidas, você nem sabe se vai ter condições de pagar ou não, para que isso também seja objeto de suspensão”, denunciou.
Para além disso, Erika disse que o projeto não traz qualquer tipo de estimativa. “Nós temos fundos como o Pronaf (Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura), vários fundings (mobilização de recursos de terceiros via mercado de capitais ou mercado bancário), recursos de vários programas e precisamos ter a noção do que isso, de fato, representa”, cobrou.
Segundo a deputada, com esse projeto, pode-se eliminar o fundo de agricultura familiar porque determinados municípios, de forma “absolutamente açodada”, tenham decretado a calamidade e tenham tido suspenso o pagamento deste recurso, ou seja, um funding precisa ser retroalimentado. Empresta-se o recurso, e ele retorna. “Enfim, se um município decreta a calamidade sem ter, de fato, uma situação de calamidade a ser reconhecida pela Defesa Civil, ele pode retirar recursos de um programa e deixar de atender outros segmentos”, lamentou.
Texto vai à sanção
O projeto aprovado estabelece que um regulamento disciplinará as normas, critérios, condições e procedimentos para formalizar a suspensão dos pagamentos. Serão abrangidos os financiamentos e empréstimos perante os seguintes programas, fundos ou bancos:
Programa de Incentivo à Irrigação e à Produção em Ambiente Protegido (Moderinfra);
Programa de Incentivo à Inovação Tecnológica na Produção Agropecuária (Inovagro);
Programa de Desenvolvimento Cooperativo para Agregação de Valor à Produção Agropecuária (Prodecoop);
Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar (Pronaf);
Programa Nacional de Apoio ao Médio Produtor Rural (Pronamp);
Fundo Constitucional de Financiamento do Norte (FNO);
Programa de Capitalização das Cooperativas de Produção Agropecuária (BNDES Procap-Agro);
BNDES Agro;
BB Investe Agro;
Financiamentos de custeio pecuário;
Crédito Rural Sicoob;
Banco da Amazônia (Basa);
Caixa Econômica Federal;
Banco do Brasil.
Vânia Rodrigues