Representantes de entidades que defendem os povos de matriz africana defenderam nesta quinta-feira (28), na Câmara, mais políticas públicas setorizadas de combate à intolerância religiosa, de apoio ao empreendedorismo e de segurança alimentar e nutricional. As reinvindicações foram feitas durante audiência pública realizada pela Comissão de Direitos Humanos e Minorias da Câmara (CDHM), mediante solicitação da deputada Erika Lula Kokay (PT-DF), que debateu o tema: “Políticas Públicas para os Povos Tradicionais de Matriz Africana”.
Após a abertura da audiência pública com orações e cânticos pedindo a proteção dos guias e orixás para a reunião, o representante da Federação de Umbanda e Candomblé do Distrito Federal, Rafael Moreira, destacou a necessidade da legalização dos terreiros para que eles possam legalmente receber ajuda governamental.
“Aqui no DF, estamos mapeando todos os terreiros existentes, identificando as nações e os sacerdotes e sacerdotisas. O segundo passo é pedir a legalização de todos os terreiros e exigir que o governo local implemente ações de apoio, como incentivos para a confecção e comercialização de roupas e indumentárias tradicionais”, exemplificou.
Para que isso ocorra, ele também exigiu tratamento igualitário às reivindicações de todas as religiões. “Existe sim intolerância dentro dos próprios órgãos governamentais, seja no governo do DF ou no governo federal. Se por exemplo vamos protocolar uma solicitação, se o atendente for evangélico, não anda. É provável que o destino seja o arquivo”, informou Rafael Moreira.
A coordenadora da Rede Nacional de Religiões Afro-Brasileiras e Saúde (Renafro), Nilce Naira Nascimento (Mãe Nilce), destacou a necessidade de proteção do Estado às casas de culto. “Precisamos de ferramentas de proteção governamental aos terreiros e às casas de santo. É preciso que a sociedade saiba respeitar e conviver com os saberes de cada um”, ressaltou.
Ela apontou ainda que, mesmo as leis que deveriam beneficiar todas as religiões, acabam discriminando as de matriz africana. “A Lei da Capelania nos hospitais, por exemplo, não respeita os sacerdotes e sacerdotisas africanas. Entra o pastor, entra o padre, mas as mães de santo nem sempre. Isso é intolerância religiosa”, acusou Mãe Nilce.
Já em relação às políticas públicas de geração de emprego e renda, o empreendedorismo foi apontado como uma saída econômica para melhorar a qualidade de vida dos povos tradicionais de matriz africana. O representante da Rede Brasil Afroempreendedor (Reafro), João Carlos Nogueira, entidade que estimula iniciativas por todo o País e tem mais de dois mil associados, lembrou que 54% da população do País é negra.
“Levantamentos realizados por corte racial mostram que o consumo da população negra representa 25% do PIB. Esse é uma participação significativa na economia brasileira. Pesquisa do Sebrae também aponta que, entre os 24 milhões de pequenos e microempresários do País, 53% deles são negros. O povo negro historicamente é associativo, por isso temos que estimular as iniciativas com recorte racial, com políticas públicas de acesso ao crédito, por exemplo”, explicou.
Como demonstração de uma experiência simples de geração de emprego e renda, o representante do Coletivo 105, Wagner Lucena, destacou uma ação desenvolvida pela entidade para estimular povos tradicionais a contarem sua própria história por meio de registros audiovisuais. Iniciado entre populações indígenas, hoje o projeto também atua entre comunidades tradicionais de raiz africana e gera emprego e renda para os jovens negros.
“Além de capacitar profissionalmente os jovens para registrar as atividades dos terreiros, dando visibilidade às questões religiosas, linguísticas, a culinária, auxiliamos na captação de clientes para produções audiovisuais interessados na história dessas comunidades”, observou.
Segurança alimentar – Já o representante do Fórum de Segurança Alimentar e Nutricional dos Povos Tradicionais de Matriz Africana (Fonsanpotma), Edson Augusto Nogueira (Tata Edson), detalhou como pequenas ações podem garantir a subsistência e a soberania alimentar dessas comunidades. “Temos ações, como as feiras, nas quais comercializamos a nossa produção, em conjunto com o MST e outras entidades. Mas precisamos ampliar nossas parcerias, bem como o número de cidades onde realizamos essas ações”, disse.
Para a deputada Erika Lula Kokay, idealizadora do encontro, o governo federal precisa olhar com mais atenção as potencialidades humanas e econômicas dos povos de matriz africana. “Temos tantas ações que podem ser apoiadas por meio do orçamento público, seja de combate à discriminação nos locais de culto, seja de estudo da África, que muitas escolas não adotam, seja de questões da saúde ou de incentivo à atividade econômica, como confecção de indumentárias. É preciso romper com essa invisibilidade do Estado para com os povos de matriz africana. Não queremos apenas tolerância, porque tolerância sem respeito é hipocrisia”, afirmou.
Héber Carvalho