Com a apreciação dos destaques, o plenário da Câmara concluiu na tarde desta quinta-feira (19) a votação do projeto de lei (PL 3179/12), que regulamenta a prática da educação domiciliar (homeschooling) no Brasil. O texto, que ainda precisa ser apreciado pelo Senado, prevê a obrigação do poder público de zelar pelo adequado desenvolvimento da aprendizagem do estudante, e para usufruir da educação domiciliar o estudante deve estar regularmente matriculado em instituição de ensino, que deverá acompanhar a evolução do aprendizado. A Bancada do PT votou contra a escola domiciliar por considerar que ela representa um retrocesso para o processo educacional.
Na avaliação da deputada Erika Kokay (PT-DF), que encaminhou os votos pelo PT, esse projeto de educação domiciliar é um atraso. “Ele tira o que se avançou ou que foi assegurado na LDB, que nós teríamos na educação infantil pessoas formadas em pedagogia. E nos outros níveis nós teríamos pessoas com licenciatura. Isso tudo vai por água abaixo. Querem tirar da criança o direito ao contraditório, o direito a desenvolver uma consciência crítica”, denunciou. A prioridade, afirmou a deputada, é ter uma educação pública de qualidade.
Erika Kokay frisou que a educação infantil não é educação conteudista apenas, mas é fundamentalmente uma educação que vem através da socialização, vem através do outro. “Nós somos seres gregários, por isso nós precisamos do contato com o outro para que nós possamos desenvolver todas as potencialidades. Para além disso, nós estamos aqui agredindo educadores e educadoras, porque o que a base bolsonarista quer? Quer tirar do educador a possibilidade de educar, quer transformar pais em professores”, criticou.
Sobre o dispositivo do projeto aprovado, que obriga que a criança em homeschooling esteja matriculada em uma escola, Erika explicou que é para que essa escola possa supervisionar e avaliar a qualidade do ensino domiciliar. “Portanto, nós estamos aqui dizendo que nem todas as escolas têm condições objetivas de absorver um novo serviço, porque isso significa uma demanda nova. Essa escola não só terá que atender os alunos que estão na escola, mas ela também terá que atender, avaliar, enfim, as crianças que estão em homeschooling”.
A deputada alertou que é preciso ver se a escola tem condições de fazer isso. “Se a relatora da proposta diz que é importante estar matriculado é porque é importante ter a avaliação e o acompanhamento de uma escola regular. É preciso, portanto, assegurar que essa escola tenha essas condições”, defendeu Erika Kokay.
Avaliação
Para o deputado Leo de Brito (PT-AC) esta proposta de homeschooling demonstra claramente um desconhecimento a respeito da realidade das escolas brasileiras. “Primeiro, nós somos a favor de que as crianças que façam escolas domiciliares estejam matriculadas a uma escola, mas nós sabemos que existem escolas que têm situações extremamente precárias, que têm as suas dificuldades na administração dos alunos que lá estão participando das aulas coletivamente. Agora vamos botar um ônus em várias dessas escolas em relação ao acompanhamento da avaliação da educação domiciliar. Isso é um erro”, afirmou. Ele defendeu uma emenda para que as redes de ensino possam credenciar escolas específicas que sejam mais bem estruturadas, para que elas possam acompanhar o homeschooling. A emenda, no entanto, foi rejeitada pelo plenário.
Qualificação
O deputado Leo de Brito destacou ainda que o projeto prevê que a educação no formato homeschooling seja desenvolvida por pais, e um dos requisitos é a comprovação da escolaridade em nível superior ou em educação profissional tecnológica. “Olhem o absurdo! Nós já estamos tirando os alunos que vão ter educação escolar domiciliar da condição de estarem nas escolas, onde há professores qualificados, professores não só com formação superior, mas também com formação pedagógica. E qualquer pessoa que tenha educação profissional tecnológica vai dar aula para essas crianças. Olhem o absurdo que essa proposta está trazendo”, denunciou.
O deputado explicou que, quando falamos da educação profissional tecnológica, não estamos falando de um nível de escolaridade, estamos falando de uma modalidade. “Então, é completamente diferente. Nós entendemos que a escola seja um espaço de aprendizagem e, por isso, precisamos que os pais estejam devidamente qualificados”, argumentou Leo de Brito, em defesa da emenda do PT que pretendia retirar do texto aprovado a autorização para que pais que tenham somente a educação profissional tecnológica possam educar os seus filhos em casa. “Ou seja, os pais que forem exercer a relação de ensino e aprendizagem com seus filhos precisam ter nível superior, como é exigido nas escolas. Ensinar não é brincadeira de pai e filho”, afirmou. A emenda, no entanto, foi rejeitada pelo plenário.
Excepcionalidade
O deputado Rogério Correia (PT-MG) argumentou que a escola domiciliar deveria ser uma excepcionalidade, e não como prática política corriqueira. “A prática política é a educação pública nas escolas”, observou. O parlamentar considerou que a aprovação da escola domiciliar é uma derrota para os estudantes brasileiros. “Essa ideia de encarcerar crianças em vez de levá-las para a escola. São tempos estranhos. As pessoas agora não querem as crianças nas escolas, às vezes não querem que elas se misturem, se misturem na religião, se misturem no sentido da raça, da cor, do gênero, das opções sexuais. Querem-nas encarceradas. Muitas já vivem encarceradas em condomínios de luxo. Agora, querem encarcerá-las também do ponto de vista das ideias”, protestou.
O deputado relembrou que o Bolsonaro, desde que assumiu o governo, ataca a educação pública, seja nas universidades, na educação básica, nas creches. “Por isso, nós vimos paralisado o sistema de construção de mais creches e de mais vagas para os alunos mais pobres, vimos as universidades sem recursos, cada vez mais estão diminuindo os recursos, e não tivemos Internet para as crianças nem durante o período de pandemia. É um governo que ataca a universidade e a escola pública. No seu lugar, surge, portanto, esse homeschooling, que é a educação em casa, em contraposição, infelizmente, à educação pública.
Texto aprovado
O homeschooling (PL 3179/12), do deputado Lincoln Portela (PL-MG), foi aprovado na forma do substitutivo da deputada Luisa Canziani (PSD-PR). O texto estabelece as seguintes condições para a educação domiciliar:
-O estudante deve ser matriculado todos os anos em uma instituição de ensino; o aluno deverá passar por avaliação anual para testar a aprendizagem, que podem ser os exames do sistema nacional de avaliação da educação básica ou exames do sistema estadual ou municipal; pais ou responsáveis pelo ensino domiciliar deverão ter nível superior ou profissional tecnológico e não podem ter antecedentes criminais; e pais ou responsáveis devem enviar para escola, a cada três meses, o registro das aulas e atividades.
Determina ainda que um tutor da instituição de ensino terá encontros semestrais com o aluno, os pais ou responsáveis e os preceptores. O ensino domiciliar também deve seguir o conteúdo da Base Nacional Comum Curricular.
Vânia Rodrigues