Em uma importante vitória para a cultura brasileira, o ministro Edson Fachin, do Supremo Tribunal Federal, votou pelo parcial provimento da medida cautelar pleiteada pelo PT e demais partidos de Oposição – PSOL, PCdoB, PSB, PDT e Rede -, na Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF 878), ingressada na Suprema Corte em agosto passado, questionando a constitucionalidade do decreto do governo Bolsonaro que altera a Lei Rouanet (Lei 8.313/1991). O voto de Fachin, relator da ação, divulgado nesta sexta-feira (8), é pelo retorno da obrigatoriedade de fomento de atividades culturais voltadas à extinção de preconceitos e discriminações. É necessário, agora, aguardar o voto dos demais ministros do STF.
A lei atual define como apto a captar recursos via Lei Rouanet projetos que busquem “erradicar todas as formas de discriminação e preconceito”. Mas o governo Bolsonaro, no decreto, modificou o texto alterando a finalidade para “promoção da cidadania cultural, da acessibilidade artística e da diversidade”.
Edson Fachin, em seu voto, também retirou o caráter recursal do Comissão Nacional de Incentivo à Cultura. Na ação, a Oposição questionou as mudanças feitas pelo decreto na composição da Comissão Nacional de Incentivo à Cultura (CNIC), composta por membros da sociedade civil que avaliam e decidem os projetos aptos a captar recursos via renúncia fiscal. Com o decreto de Bolsonaro, a CNIC deixava de ser órgão deliberativo colegiado e passava a ser apenas uma instância recursal consultiva. Já as decisões finais sobre os incentivos fiscais, passam a ser de responsabilidade exclusiva da Secretaria Especial da Cultura do governo federal.
Outro ponto questionado do decreto foi a alteração na indicação de membros que compõem o CNIC. Antes da mudança feita pelo governo Bolsonaro, os seis representes da sociedade civil indicados para o colegiado deveriam vir das seguintes áreas: Artes cênicas; Audiovisual; Música; Artes Visuais, Arte digital e eletrônica; Patrimônio cultural material e imaterial (inclusive museológico e expressões das culturas negra, indígena, e das populações tradicionais); e humanidades, inclusive literatura e obras de referência.
No seu voto, o ministro Fachin também retirou a hipótese de necessidade de autorização da Secretaria de Cultura para a inauguração de atividades. A Oposição questionou na ação a proibição de “utilização de logomarcas, símbolos ideológicos ou partidários”, tanto nas divulgações feitas por proponentes quanto por patrocinadores. O decreto de Bolsonaro prevê que a aprovação prévia para “inauguração, o lançamento, a divulgação, a promoção e a distribuição” de produtos, peças promocionais e campanhas institucionais relativas a projetos realizados com recursos da Lei Federal, dependerá da anuência da Secretaria Especial de Cultura.
Na ADPF os partidos políticos alegam que a autorização prévia da Secretaria de Cultura para a inauguração de atividades descaracteriza em absoluto o projeto/produto cultural, que pelo próprio sistema de cadastramento, e previsão do proponente já possui um cronograma de execução físico e financeiro, separado por metas de pré-produção, produção, execução e conclusão. “Ou seja, o proponente não teria mais planejamento e controle sobre os atos do projeto cultural realizados com incentivo fiscal”.
Na Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF), os partidos pedem a suspensão do decreto por mudar de forma autoritária e inconstitucional a análise dos projetos que visam captar recursos via Lei Rouanet. Representam o PT na ação a presidenta nacional do partido, deputada Gleisi Hoffmann (PR) e a deputada Benedita da Silva (RJ), ex-presidenta da Comissão de Cultura da Câmara.
Outras ilegalidades
Na ação, o PT e demais partidos de Oposição afirmam que nova norma se caracteriza como uma “clara e abusiva discriminação limitadora da extensão de efetividade social da política pública”. “Na prática, a Secretaria Especial de Cultura do Ministério Turismo poderá dizer quais instituições são relevantes ou não relevantes. O que unilateralmente poderá possibilitar ou inviabilizar a liberação de recursos para dada instituição, em clara afronta ao princípio da isonomia e da impessoalidade na administração pública”, denunciam.
Os partidos políticos lembram ainda que o governo Bolsonaro incluiu outras finalidades, antes não existentes na lei, para captação de recursos. Entre elas, o apoio “a atividades culturais de caráter sacro, clássico e de preservação e restauro de patrimônio histórico material, tombados ou não” e o apoio a “festejos, eventos e expressões artísticas-culturais tradicionais, além das já tombadas como patrimônio cultural e imaterial”.
Questionam ainda a mudança realizada pelo decreto que altera o funcionamento dos Planos Anuais de Atividades Culturais. A legislação anterior previa que esses planos seriam direcionados a custear a manutenção de instituições culturais sem fins lucrativos como um todo. Já a partir do decreto só podem ser atendidos “instituição exclusivamente culturais”, cujas atividades estejam relacionadas a “museus públicos”, ao “patrimônio material e imaterial” ou a “ações formativas”.
Nesse caso, demais museus e instituições culturais sem fins lucrativos de caráter privado que desejarem apresentar projetos na forma de Plano anual terão que ser consideradas “relevantes para a cultural nacional” pela Secretaria de Cultura, comandada pelo ex-ator bolsonarista Mário Frias.
Leia a íntegra do voto do ministro Edson Fachin:
Vânia Rodrigues