Trabalhadores do setor de aplicativos no Brasil precisam ter seu vínculo empregatício reconhecido com as plataformas de serviços digitais e terem seus direitos fundamentais ligados ao trabalho garantidos, segundo o que determina o artigo 7º da Constituição Federal. Essas foram as principais conclusões tiradas durante o 2º painel do Webinar Breque na Precarização, realizado virtualmente na tarde desta quinta-feira (3). Durante o evento, foram debatidos à precarização do trabalho destes profissionais e projetos de lei no Congresso Nacional voltados às trabalhadoras e aos trabalhadores de aplicativos. O debate virtual coordenado pelo deputado Vicentinho (PT-SP) teve como objetivo subsidiar ações do Núcleo do Trabalho do PT na Câmara, coordenado pelo deputado Rogério Correia (PT-MG), sobre a regulação do setor no Brasil.
Segundo vários especialistas nas relações de trabalho presentes ao evento, sobram motivos para comprovar que os trabalhadores de aplicativos têm vínculo empregatício com as plataformas de aplicativos, apesar dessas empresas não reconhecerem essa relação. “Existe poder diretivo e hierárquico das plataformas sobre os trabalhadores, com ordens sobre prestação de serviços, monitoramento e organização da forma de trabalho, tempo de cumprimento da tarefa, atribuição de valor ao serviço e definição da forma como ele é pago”, disse o representante do Sindicato Nacional dos Auditores Fiscais do Trabalho (Sinait), Renato Bignami.
Ele destacou que outra característica do vínculo empregatício pode ser observada no poder das plataformas de disciplinar e impor sanções aos trabalhadores de aplicativos por causa da rejeição de entregas e serviços e até por reclamações de clientes. O procurador do Ministério Público do Trabalho (MPT), Tadeu Henrique Lopes da Cunha, disse que o MPT ajuizou recentemente três ações civis públicas para reconhecer essa relação de trabalho.
“Duas já tiveram decisões na justiça em primeira instância. Em uma houve o reconhecimento (do vínculo empregatício), mas em outra não. Portanto, como as duas ainda estão sem decisão na segunda instância, não sobre o caminho que tomara a jurisprudência nesse caso”, esclareceu. Segundo o procurador, uma vitória no reconhecimento do vínculo empregatício evitaria que trabalhadores de aplicativos tivessem que recorrer à justiça para terem direito a equipamentos de proteção individual durante a atual pandemia, por exemplo.
Segundo o procurador Tadeu Henrique Lopes da Cunha, o MPT teve que entrar com várias ações civis públicas contra plataformas de aplicativos para assegurar medidas de proteção à saúde de seus trabalhadores, e de assistência financeira em casos de afastamento por contágio da Covid-19 ou por pertencerem a grupo de risco. Segundo ele, apenas uma dessas foi atendida, parcialmente. “Se esses trabalhadores tivessem o vínculo reconhecido, já teriam direito a proteção previdenciária em caso de afastamento e não necessitariam ser amparados por uma ação judicial”, observou.
A trabalhadora de aplicativos Luiza Helena Rizzo, que também é estudante de Pedagogia da Universidade Estadual do Rio de Janeiro (UERJ), relatou que as plataformas não tem preocupação alguma com a saúde de seus trabalhadores, “nem se estão se alimentando, ou mesmo se estão vivos”. Ela explicou que trabalha até 14 horas por dia, e até 7 dias por semana, e que muitas vezes depende de gorjetas para se alimentar. “Uma vez fiquei duas horas esperando uma chamada, e quando recebi tive que subir uma ladeira enorme de bicicleta para ganhar apenas R$ 3 pela entrega”, explicou.
Reivindicações
Segundo Luiza Helena Rizzo, os trabalhadores de aplicativos reivindicam o recebimento de um valor mínimo no ato da entrega, além de uma adicional noturno por conta do risco. Ela destacou que é necessário ter uma ajuda de custo para assistência técnica de bicicletas, motos e carros de entrega. “Minha bicicleta, quando quebra, tenho que tirar do próprio bolso, as vezes da própria alimentação”, lamentou.
Ela também ressaltou que as plataformas de aplicativo deveriam ter um canal para as trabalhadoras da categoria denunciarem casos de assédio. “Nós mulheres, por sermos poucas, somos triplamente assediadas. Pelos próprios trabalhadores de aplicativo, pelos atendentes dos estabelecimentos, e pelos clientes para quem fazemos as entregas”, reclamou.
Segundo o representante do Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese), Fausto Augusto Júnior, a regulamentação das relações de trabalho no setor de aplicativos são urgente, porque, segundo ele, essa é uma tendência que só tende a se expandir no futuro.
“Isso não vai ter limite. Já estamos vendo empresas de logística utilizando plataformas digitais, o e-commerce (comércio eletrônico) já utiliza as plataformas, e esse é o modelo que vai dominar a mão de obra global no futuro. Temos que debater essa nova organização dos trabalhadores, porque a não formalização vai avançar cada vez mais sobre o setor formalizado do mercado de trabalho”, alertou.
Para o deputado Vicentinho, é preciso interromper no País a escalada da precarização do trabalho, sob pena das futuras gerações terem um padrão de vida pior do que a atual. “Antigamente era normal até três, quatro gerações, as famílias irem melhorando de vida. Se continuarmos do jeito que estamos, no futuro os netos e bisnetos da atual geração serão mais pobres do que seus pais e avós”, lamentou.
Propostas no legislativo
Ao falar sobre as propostas em tramitação sobre a regularização das relações de trabalho no setor de aplicativos, o professor de Direito do Trabalho da Universidade Federal do Paraná (UFPR), Sidnei Machado, lembrou que existem cerca de 12 projetos que tratam especificamente das relações de trabalho no setor de aplicativos. Entre esses, ele citou propostas do deputado Rui Falcão (PT-SP) e do senador Jaques Wagner (PT-BA). Ele ainda citou a proposta da deputada Tábata Amaral (PDT-SP), a mais adiantada em tramitação, como um retrocesso na luta dos trabalhadores por mais direitos por “apenas ajustar a regulação a reforma trabalhista e a vontade das plataformas de aplicativos”.
Participação de Parlamentares
Vários parlamentares do PT participaram do debate e também defenderam o respeito aos direitos dos trabalhadores de aplicativos. O deputado Carlos Veras (PT-PE) disse que os trabalhadores do setor precisam de “condições de trabalho decente, direito a saúde e a Previdência”.
Ao lembrar dos jovens, que são a maioria dos trabalhadores dos aplicativos, o deputado Reginaldo Lopes (PT-MG) lamentou que a atual situação do País os empurre para esse tipo de serviço precarizado. O parlamentar lembrou ainda que, para tentar amenizar essa realidade no futuro, apresentou um projeto de lei para incluir os trabalhadores de aplicativos no Regime Especial da Previdência. “Assim eles terão os mesmos direitos garantidos aos agricultores familiares, aposentadoria aos 50 anos para as mulheres, e 55 anos para os homens”, afirmou.
Já a deputada Erika Kokay (PT-DF), disse que “a precarização do trabalho é reflexo do tempo atual no Brasil onde o lucro é sacralizado, enquanto os trabalhadores veem seus direitos sendo retirados com sucessivas reformas, como a trabalhista e a da Previdência”.
Por sua vez, o deputado Bohn Gass (PT-RS) destacou que atualmente sob o governo Bolsonaro o Brasil assiste a “uma verdadeira vampiragem na retirada de direitos, e nas novas formas de precarização nas relações de trabalho”. “Temos sim que ter regulação para amparar os trabalhadores de aplicativos, temos que construir um “Estatuto do Trabalho”, para resgatarmos os direitos roubados”, afirmou.
Resistência
Ao finalizar o debate, o coordenador do Núcleo do Trabalho do PT na Câmara, deputado Rogério Correia, convidou os especialistas e trabalhadores do setor de aplicativos para participarem do Grupo de Trabalho do Núcleo que vai construir propostas para serem apresentadas na Câmara, junto com os partidos de Oposição.
“Sabemos que não vai ser fácil aprovar, principalmente diante desse governo. No entanto, sabemos que, se mantivermos a unidade dos partidos, das centrais sindicais e dos movimentos sociais, e possível vencer, como fizemos, por exemplo, com a MP da Carteira Verde Amarela, que caducou por conta da nossa luta e resistência”, destacou.
Héber Carvalho