O pau que dá em Chico dá em Francisco. O dito popular tem força avassaladora nesses tempos de ruptura democrática e, consequentemente, de perdas e de garantias individuais. Com dois dias de consumado o golpe, as forças policiais acumulam casos de violência numa demonstração de que entenderam o recado do presidente conspirador e ilegítimo da República, Michel Temer, que numa postura déspota disse que não vai admitir ser chamado de “golpista”. Não tardará também para que essa violência bata à porta de quem hoje silencia diante dela e referenda a repressão aos movimentos que estão nas ruas exigindo o respeito à democracia.
Acumulam-se casos e mais casos pelo País de pessoas vítimas de abusos e excessos policiais. Em Brasília, São Paulo, Vitória, Porto Alegre e Florianópolis. Muita gente foi presa ilegalmente, agredida, espancada e até lesionada de maneira grave e irreversível, como a estudante Deborah Fabri, em São Paulo, horas depois de finalizada a votação do impeachment. Ela perdeu a visão do olho esquerdo após ser atingida por estilhaços de uma bomba de efeito “moral”, quando participava de protesto no centro da cidade. Na mesma ocasião, a polícia prendeu dois fotógrafos que registravam a manifestação. Não vai demorar também para que a imprensa que apoiou o golpe parlamentar seja vítima dele.
Mas enquanto isso não chega, a mesma imprensa que bateu palmas para o golpe de 1964 pede mais violência nas ruas. Os editoriais da Folha de S. Paulo e do Estadão desta sexta-feira (2) clamam por mais rigor policial. “Cabe às autoridades constituídas reprimir a baderna e impedir que a desordem se torne rotina”, diz o Estadão. “Toda democracia digna desse nome assegura a mais ampla liberdade de manifestação, desde que pacífica. Atos de violência são reprimidos —e seus autores detidos e processados pelas autoridades”, afirma a Folha.
Mas o que são atos de violência? No último dia 31, em Brasília, uma mulher que passava de carro pela Esplanada foi presa e levada à delegacia simplesmente porque buzinou para expressar seu apoio aos manifestantes que gritavam “Fora Temer”. Os policiais que estavam perto do local classificaram o ato de abusivo e pararam o carro dela. Já na delegacia, sem motivos para justificar a prisão, chamaram apoio do Batalhão de Trânsito do DF, para que fosse aplicada uma multa que respaldasse um inquérito contra ela.
Nesse cenário, a repressão só tende a avançar. O presidente golpista já autorizou as Forças Armadas a atuarem no próximo domingo (4) na Avenida Paulista para “garantia da lei e da ordem” durante a passagem da tocha paraolímpica. Para a mesma data, estão marcados vários protestos contra o governo. Crônica de uma tragédia anunciada. Forças Armadas atuarão num ambiente de tensão em parceria com as forças policiais, que são historicamente repressoras, preconceituosas e assassinas, já que temos a polícia que mais mata no planeta, segundo relatório da Anistia Internacional.
Nota da CDH – Para o presidente da Comissão de Direitos Humanos e Cidadania (CDHM) da Câmara, deputado Padre João (PT-MG), essa violência policial representa uma violação aos direitos humanos que são próprias dos regimes antidemocráticos. Reforçou ainda que o direito à liberdade de expressão é garantia fundamental de todos os cidadãos e cidadãs, sem que seja admissível instituições do Estado adotarem posturas inconstitucionais como represália a opositores do governo.
“Desta forma, a Comissão de Direitos Humanos e Minorias da Câmara dos Deputados solicita às comissões congêneres das Assembleias Legislativas e Câmaras Municipais que se mantenham em alerta para acompanhar o desenrolar dos fatos, mediar conflitos com vistas ao justo exercício dos direitos de expressão e manifestação, prestar assistência a eventuais vítimas e tomar as providências cabíveis junto aos órgãos do Ministério Público e do Poder Judiciário para apuração de eventuais abusos”, conclamou Padre João, em nota divulgada pela Comissão de Direitos Humanos.
Arbitrariedade – Outro caso de violência recente ocorreu na noite de quinta-feira (2), em Caxias do Sul, na serra gaúcha. Mauro Rogério Silva dos Santos, mesmo identificando-se como advogado, foi atingido várias vezes por golpes de cassetete na cabeça, barriga e pernas por um policial, enquanto outro PM o segurava. O episódio foi registrado num vídeo que circula pelas redes sociais. O advogado reagiu às agressões e na, sequência, foi contido por outros policiais e jogado no chão. Em seguida, seu filho reage e chuta a cabeça de um dos policiais.
O advogado relatou nas redes sociais que, ao chegar próximo ao local da manifestação para pegar seu filho, foi chamado por ele para acompanhar uma abordagem policial feita a uma mulher e a um adolescente. Mauro contou que já próximo aos policiais se identificou como advogado, mas foi imediatamente hostilizado e agredido por eles. “Retirei minha carteira [da OAB] e apresentei aos policiais para saber a razão da condução dos jovens e qual o nome deles. De imediato, fui repelido com empurrões e não tive a condição de advogado reconhecida, talvez por eu ser negro. A polícia tem dificuldade em entender que estas duas condições podem andar juntas”, detalhou em seu perfil no Facebook.
O deputado Wadih Damous (PT-RJ) repudiou a ação policial que, segundo o parlamentar, ocorreu sem nenhum pudor ou preocupação diante das câmaras. “Os policiais ignoraram solenemente a informação de que se tratava de um advogado e bateram muito. Outras ações violentas da polícia foram registradas em diversas cidades do País. Isso é grave e só demonstra que as liberdades individuais ficam, sim, ameaçadas em um país que desrespeita a Constituição. Não vamos abaixar a cabeça!”, afirmou Damous pelas redes sociais.
PT na Câmara
Foto: Daniel Isaia/Agência Brasil