Congresso Nacional derrota Bolsonaro e faz reparação histórica ao permitir dignidade menstrual

Deputada Marília Arraes. Foto: Zeca Ribeiro/Câmara dos Deputados

Congresso Nacional impõe derrota ao presidente Bolsonaro ao bater martelo em favor da dignidade menstrual. A maioria dos parlamentares das duas Casas legislativas derrubou o veto presidencial a dispositivos do projeto de lei (PL 4968/2019), da deputada Marília Arraes (PT-PE). O veto vai à promulgação. “Hoje fizemos história ao reparar muita injustiça”, comemorou a autora da proposta.

O projeto da petista originou a lei do Programa de Proteção e Promoção da Saúde Menstrual (Lei 14.214/2021). O projeto prevê entre outros itens, a distribuição gratuita de absorventes higiênicos para estudantes de baixa renda e pessoas em situação de rua.

O projeto original foi aprovado com o objetivo de promover a dignidade menstrual, combatendo a chamada precariedade menstrual, que significa a falta de acesso ou a falta de recursos para a compra de produtos de higiene e outros itens necessários ao período da menstruação. No entanto, o presidente Jair Bolsonaro vetou seis trechos da proposição alegando falta de previsão de fontes de custeio e incompatibilidade com a autonomia dos estabelecimentos de ensino.

Marília avaliou que o Congresso Nacional teve a oportunidade de fazer a reparação de uma das maiores violências — das muitas — que Bolsonaro cometeu ao longo do seu governo. Para ela, Bolsonaro vetou um projeto histórico, não somente pelo assunto, não somente pela mudança que vai acontecer na vida de tantas meninas e mulheres, “mas porque nós tivemos a oportunidade de trazer para o público um assunto, um problema, que sempre foi deixado no privado, como um assunto tratado somente pelas mulheres, e que elas tinham vergonha de tratar, de falar, de dizer que passavam por ele”.

Desigualdade de gênero

A parlamentar afirmou que ¼ (um quarto) das meninas do Brasil já faltaram à aula porque não tinham acesso a artigos de higiene menstrual. Com isso, acrescentou Marília, a desigualdade de gênero só aumenta.

“Essas meninas também têm que chegar em casa e fazer serviço doméstico, ajudar a mãe, ajudar em casa, e, muitas vezes, o menino não precisa fazer isso, porque essa cultura nós ainda estamos combatendo, para que as próximas gerações estejam pensando e vivendo diferente. Mas, hoje, nós temos essa oportunidade”, observou.

Política de Estado

Com a aprovação, a deputada espera que essa lei passe a ser uma política de Estado, para que mesmo com a alternância de governo, ela permaneça e avance. “Esperamos que seja o primeiro passo para que as meninas de hoje sejam mulheres que atravessem menos dificuldade do que nós atravessamos”, finalizou.

Acerto de contas

O líder da Bancada do PT, deputado Reginaldo Lopes (PT-MG), comemorou e parabenizou a coragem de Marília Arraes em pautar tal proposta. “Com muita coragem, pautou esse debate no Parlamento brasileiro, que reconheceu que, de fato, temos aproximadamente seis milhões de mulheres que necessitam desse apoio em função do seu baixo poder econômico e que esse debate tem que fazer parte de um conjunto de programas, isto é, do conjunto das políticas públicas”, afirmou.

Líder Reginaldo Lopes. Foto: Gabriel Paiva

Preconceito

Para o deputado, ao vetar o projeto, Bolsonaro revelou seu preconceito e falta de sensibilidade em relação às mulheres. Segundo ele, ao derrubar o veto, o Parlamento fez um acerto de contas “porque nós precisamos de uma política pública e não de um decreto ou de uma mera promessa de ano eleitoral”.

Saúde da mulher

A deputada Maria do Rosário (PT-RS) uma das coautoras da proposta comemorou os 426 votos favoráveis pela derrubada do veto. Ela lembrou que uma em cada quatro meninas brasileiras tem dificuldade de acesso a produtos de higienes no momento em que corre a menstruação.

“Não consegue, não tem acesso a produtos básicos de higiene, que lhe asseguram chegar à escola em condições de assistir aulas, de estar tranquila no momento em que se encontra em situação menstrual”, argumentou Rosário.

Rosário disse ainda que com a derrubada do veto do governo será assegurado um dos aspectos fundamentais para a saúde da mulher e para a saúde das meninas. “Não é uma ou duas, é uma grande gama de mulheres que adoecem e têm uma série de prejuízos no âmbito da sua saúde, justamente por não conseguirem observar as condições básicas de higiene no período menstrual, que vai desde o tema do absorvente até, em muitas circunstâncias deste imenso Brasil, da própria água, que falta”, frisou.

Deputada Maria do Rosário. Foto: Gustavo Bezerra

A deputada Erika Kokay (PT-DF) criticou a morosidade de o Congresso Nacional analisar o veto do governo à proposta. “Há 5 meses estamos impedindo que milhões de meninas neste País tenham dignidade menstrual”, criticou.

Deputada Erika Kokay (PT-DF) – Foto – Paulo Sergio-Câmara dos Deputados

Naturalização da pobreza menstrual

Erika citou que pelo menos 4 milhões de meninas têm, em suas casas, alguma ausência fundamental para a manutenção da dignidade menstrual. “Em cada quatro, pelo menos uma já deixou de ir à escola em função da pobreza menstrual. Não tem sentido não considerar uma política pública o direito à dignidade às pessoas que menstruam”, protestou.

A deputada acrescentou que não faz sentido o Brasil “normalizar ou naturalizar o papelão, o jornal, o miolo de pão ou aquilo que foi dito por uma deputada das mais aguerridas em defesa de Bolsonaro: Usem paninhos!”

Segundo Erika, não há expressão mais cruel e de maior tentativa de naturalizar a pobreza menstrual do que aquela que diz: ”Às que podem pagar, os absorventes; às que não podem pagar, conformem-se com os paninhos.”

Benildes Rodrigues

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