Especialistas e operadores do direito criticaram de forma contundente, durante audiência pública nesta terça-feira (23), na Câmara, o projeto de lei (PL 4850/16), de autoria do deputado Antônio Carlos Mendes Thame (PV-SP) que altera a atual legislação e estabelece novas medidas de combate à corrupção no País. Segundo eles, a proposta que agrega as 10 Medidas contra a Corrupção – apresentadas pelo Ministério Público Federal ao Congresso Nacional – violam os direitos e garantias fundamentais do cidadão.
Convidado pelo deputado Paulo Teixeira (PT-SP) para participar do debate, o juiz Marcelo Semer disse que a proposta “é um atentado ao direito constitucional de defesa garantido pela Constituição”.
“Há uma série de direitos que estão sendo eliminados, como a presunção de inocência. Se existe (na proposta) um teste de integridade, onde a pessoa tem que provar que é inocente, está se presumindo que ela é culpada, e isso é um equívoco. Outro ponto é sobre a redução do Habeas Corpus (HC), que é a garantia da liberdade, ou seja, poder levar ao juiz uma petição quando a liberdade está sendo tolhida ou ameaçada, e há inúmeros dispositivos na lei que estão fragilizando o Habeas Corpus e aumentando os casos de prisão. Isso é frontalmente contrário à Constituição e reduz em muito os direitos individuais”, destacou Semer.
Considerado por muitos especialistas como inconstitucional, o teste de integridade permite que órgãos policiais e de fiscalização e controle apliquem, sem prévio conhecimento, simulações de questões éticas apenas com a intenção de testar a honestidade do servidor público. Nesse caso, em caso de reprovação a pessoa poderá ser punida.
O PL 4850/16 também é criticado por vedar a concessão do Habeas Corpus de ofício; em caráter liminar; quando houver supressão de instância; para se discutir nulidade, trancar investigação ou processo e, além disso, condiciona sua concessão à prévia requisição de informações ao promotor natural da instância de origem. Segundo o juiz Marcelo Semer, “mutilar o Habeas Corpus é um comportamento típico de países ditatoriais”.
Outro ponto muito criticado pelo magistrado na proposta que engloba as dez medidas do MPF, é a intenção de acabar com os embargos infringentes, recurso utilizado pela defesa para reformar decisão colegiada não unânime. Segundo o juiz, a suposta aceleração no encerramento do processo não justifica os enormes prejuízos que a medida pode causar.
“O direito que eu estudei dizia que é preferível errar e deixar dez culpados soltos, a se condenar um inocente. Essa proposta prega o contrário, que se prendam todos, culpados e inocentes”, observou Semer.
Constituição– Outros convidados para o debate também criticaram o projeto de lei. O advogado e professor de Direito da Universidade Federal da Bahia, Gamil Föppel, disse que a proposta aproveita uma oportunidade histórica para rasgar a Constituição.
“Esse projeto é marcado por uma consequencialidade. E alguém já disse que só se legisla em momento de oportunidade e, assim, as pessoas (do Ministério Público) perceberam a oportunidade de rasgar a Constituição e o processo legal, em nome de um suposto combate à corrupção”, acusou.
Na mesma linha, o professor titular de Direito Financeiro da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo (USP), Heleno Torres, alertou que o respeito aos direitos fundamentais do cidadão deve ser a premissa da atuação do Estado no combate à corrupção.
“Precisamos de um judiciário mais ágil e de penas mais duras, mas com respeito às liberdades e garantias individuais de todos os cidadãos. A ideia de que toda pessoa que fala em garantias constitucionais é a favor da corrupção é errônea. O Estado Democrático de Direito é obrigado a garantir o direito de defesa. O réu não pode ser considerado um sujeito desterrado, entregue à própria sorte”, afirmou.
Já o deputado Paulo Teixeira (PT-SP), membro da Comissão Especial que analisa o assunto e autor do requerimento que permitiu a participação do Juiz Marcelo Semer no debate, também defendeu que a luta pelo combate à corrupção não pode entrar em choque com os direitos garantidos a todos os brasileiros pela Constituição Federal.
“Acho que é importante combater a corrupção, que retira recursos dos serviços públicos, da saúde, da educação, do transporte e do desenvolvimento do país. Mas não podemos substituir a capacidade investigativa pela restrição das liberdades. Se temos de combater a corrupção, o Estado tem que ser competente. Senão, as dez medidas de combate à corrupção passam a ser dez medidas de combate a Constituição”, finalizou.
Héber Carvalho
Foto: Gustavo Bezerra/PTnaCâmara