O Congresso Nacional analisou, em maio, a Medida Provisória 870 que reorganizou a estrutura do governo federal, e garantiu o retorno da Fundação Nacional do Índio (Funai) e as demarcações de terras indígenas ao Ministério da Justiça. Bolsonaro queria que a tarefa fosse para o Ministério da Agricultura (Mapa). Após a derrota, o presidente afrontou, inconstitucionalmente, a decisão do Legislativo, ao editar, em 18 de junho, outra medida provisória (MP 886) e incumbir, novamente, a demarcação ao Mapa. “Quem demarca terra indígena sou eu! Não é ministro. Quem manda sou eu. Nessa questão, entre tantas outras”, disse Bolsonaro após a publicação do novo texto no Diário Oficial da União.
Ancorado pela Constituição Federal, o ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Luís Roberto Barroso suspendeu, segunda-feira (24), a validade desse trecho da nova medida provisória de Bolsonaro – que também trata de mudanças estruturais do governo ainda não analisadas pelos parlamentares. Assim, conforme a análise do Congresso, a demarcação fica com a Funai, no MJ.
O STF foi motivado por três ações, uma delas do PT. Questionamos a constitucionalidade da MP uma vez que a Carta Magna de 1988, no § 10. do artigo 62, não deixa dúvidas: “É vedada a reedição, na mesma sessão legislativa, de medida provisória que tenha sido rejeitada ou que tenha perdido sua eficácia por decurso de prazo.” A MP em questão infringe o primeiro caso: reedição de medida provisória rejeitada na mesma sessão legislativa (período anual).
Além da ilegalidade, há uma questão imprescindível que não podemos desconsiderar: a ameaça que essa ideia fixa de Bolsonaro representa para a preservação da história e da cultura do Brasil. Como pode o presidente da República querer transferir a responsabilidade da demarcação das terras indígenas (13,8% do território nacional) para a pasta que defende as demandas dos ruralistas? Tirar essas áreas das mãos daqueles que as preservam para entregá-las a quem quer transformá-las em lucro para apenas alguns é colocar em risco o nosso patrimônio. Estaria configurado conflito de interesses. E alguém tem dúvida do lado que sairia perdendo? Na verdade, não seriam somente os povos e as comunidades tradicionais. O que está em jogo são nossas riquezas naturais, o nosso passado e o nosso futuro. Perderíamos todos nós, nossos filhos, netos e bisnetos. Perderia o Brasil.
- Carlos Veras é deputado federal (PT-PE)