“Antes de qualquer discussão sobre este acordo, queremos a titulação dos nossos territórios, onde estamos há 300 anos. Como vamos dialogar com o Estado se não temos o título definitivo de uma área que é nossa? Como vai ser o passo a passo deste projeto, como ele vai acontecer? Se a gente soubesse não estaríamos aqui, nesta situação. E isso tem nome, é racismo institucional estrutural contra negros, indígenas, quilombolas, qualquer população tradicional deste país”. A afirmação é de Célia da Silva Pinto, Coordenadora Nacional de Articulação das Comunidades Negras Rurais Quilombolas (Conaq). Ela participou da audiência pública na Comissão de Direitos Humanos e Minorias da Câmara dos Deputados (CDHM), no último dia 10, sobre o acordo de salvaguardas tecnológicas entre Brasil e Estados Unidos para uso comercial do Centro de Lançamentos de Alcântara, no Maranhão. O debate foi realizado em parceria com as Comissões de Relações Exteriores e de Defesa Nacional (CREDN) e da Comissão de Ciência e Tecnologia, Comunicação e Informática (CCTCI).
Em março deste ano, o governo federal assinou em Washington (EUA) um acordo que permite o uso comercial da Base Aérea de Alcântara. O acordo prevê que os Estados Unidos possam lançar satélites e foguetes da base maranhense. Na área ao redor da base aérea, vivem 27 comunidades quilombolas que correm o risco de ser removidas para o interior da ilha, em agrovilas, para execução do acordo. São mais de 2.000 pessoas em 792 famílias. O grupo exige os títulos de posse da terra, direito que já foi reconhecido pelo Incra através do Relatório Técnico Identificação e Delimitação (RTID), publicado em novembro de 2008.
Para a procuradora federal dos Direitos dos Cidadãos do Ministério Público Federal, Déborah Duprat, “as comunidades quilombolas da região sofrem uma das mais cruéis e perversas violação de direitos humanos. Somos seres humanos e finitos, precisamos de desafios e projetos de vida para nossa existência, e isso foi roubado desta população porque não sabem o que vai acontecer no futuro”. De acordo com Duprat, o medo de perder as condições de sobrevivência como a pesca e a agricultura persiste até hoje, passados 40 anos da primeira remoção de quilombolas para a construção do Centro de Lançamentos. “Foram várias ameaças de despejo e não podemos pedir a essas comunidades que acreditem que isso não vai lhes afetar, que não vai haver ampliação, que não serão removidas e que o modo de vida não vai ser alterado. Antes de qualquer movimento, deve haver a titulação definitiva das terras pela União”.
“Esta audiência faz parte iniciativas que temos feito pela garantia dos direitos dos quilombolas de maneira geral, e de Alcântara em particular. Semana passada estivemos lá e ouvimos as comunidades que já foram afetadas pelo centro de lançamento e que podem ser afetadas pela eventual expansão, caso o acordo com os Estados Unidos seja aprovado”, explica o presidente da CDHM, Helder Salomão (PT-ES).
Felicidade
Antônio Pinho Diniz, presidente do Sindicato dos Trabalhadores e Trabalhadoras Rurais de Alcântara, mora em uma das agrovilas. “De agro só tem o nome, porque não tem nada e hoje só quem é ouvido são os idosos do tempo do Exército. Tenho 50 anos e há 40 vivemos essa história. Por que não deu certo? Foi culpa nossa? Não, foi incompetência do governo e este acordo pode ser mais um com o mesmo resultado. Vivemos décadas de incerteza, será que amanhã vou estar na minha comunidade ou vou ser colocado num caminhão como nos anos 80? Só queremos ser felizes”.
Também participaram da audiência, Francisco Gonçalves da Conceição, Secretário de Direitos Humanos e Participação Popular do Maranhão; Davi Telles, Secretário de Ciência, Tecnologia e Inovação do Maranhão, Nathanael Silva, Assessor do Departamento de Direitos Humanos e Cidadania do Ministério das Relações Exteriores e Yuri Costa, Defensor Regional dos Direitos Humanos da Defensoria Pública da União.
PT na Câmara com Assessoria de Comunicação-CDHM