Em nota divulgada na tarde desta quinta-feira (7), a Bancada Feminina do PT na Câmara repudia as manifestações de intolerância e de desrespeito proferidas pela juíza Adriana Gatto Martins Bonemer, na sentença proferida na ação contra um ex-universitário que participou de trote do curso de medicina em São Paulo. Ele conduziu um juramento com expressões pejorativas e de baixo cunho sexual, um verdadeiro hino a cultura do estupro. “A juíza não só julgou improcedente a ação, como teceu toda uma tese de subversão da pauta feminista, com total desrespeito a história de lutas e conquistas dos direitos humanos civis, políticos e sociais das mulheres”, protesta a bancada.
“A referida juíza, mesmo reconhecendo o caráter vil e ofensivo do discurso proferido pelo ex-universitário, considera hipócrita o fato dos movimentos feministas abominarem tal ato, por contemplar que há um processo de degradação moral da sociedade promovido por estes mesmos movimentos. A partir de tal fala, é tácito o reconhecimento de que a autora da sentença culpabiliza o movimento feminista pela violência simbólica compreendida no rito do trote universitário, que apenas reproduz práticas misóginas de nossa sociedade patriarcal e demonstra seu viés etnocêntrico e antidemocrático de considerar seus valores conservadores como hierarquicamente superiore”, diz trecho da nota.
A Bancada Feminina do PT denuncia ainda a criminalização dos movimentos sociais, das mulheres organizadas e também a escalada de violência contra as mulheres e o genocídio da população.
Leia a íntegra da nota:
A Bancada Feminina do Partido dos Trabalhadores na Câmara dos Deputados vem a público expressar seu mais veemente repúdio e indignação às manifestações de intolerância e desrespeito proferidas pela juíza de Direito Adriana Gatto Martins Bonemer, em sentença exarada nesta quarta-feira, 06 de novembro de 2019.
A juíza de Direito Adriana Gatto Martins Bonemer, da 3ª vara Cível de Franca/SP, não só julgou improcedente a Ação Civil Pública Cível (ACP) – Indenização por Dano Moral – movida pelo MP/SP contra um ex-universitário que participou de trote de curso de medicina e conduziu um juramento com expressões pejorativas e de baixo cunho sexual, um verdadeiro hino a cultura do estupro; como também teceu toda uma tese de subversão da pauta feminista, com total desrespeito a história de lutas e conquistas dos direitos humanos civis, políticos e sociais das mulheres.
Com o intuito de diluir completamente a possibilidade do feminismo enquanto movimento político, a referida juíza argumenta que não se pode vislumbrar a existência de um pretendido coletivo de mulheres, uma vez que “indivíduos do sexo feminino não são iguais e não possuem os mesmos valores”. Enquanto constructo ontológico, de fato, o essencialismo contemplado na categoria “mulher” não é capaz de contemplar a diversidade de experiências femininas, que apresentam múltiplas especificidades e peculiaridades em suas vivências. Sustenta-se aqui, contudo, a relevância de se apelar para esta categoria sob efeito de um essencialismo estratégico, uma vez que a reivindicação das pautas femininas e a formulação de políticas públicas voltadas à esta população dependem da identificação de estruturas comuns que atravessam essa categoria.
Negando quaisquer contribuições do movimento feminista para sociedade, incluindo-se aí a conquista de diversos direitos civis angariados no último século, a referida juíza avalia que “que o movimento feminista apenas colaborou para a degradação moral que vivemos”. Ao apelar para o âmbito da moralidade, a autora da supracitada sentença ignora o caráter sócio-histórico-cultural de fluidez que constitui àquilo que é relativo aos modos, costumes e convenções de cada sociedade em cada época. Ao condenar os méritos do movimento feminista com base na pauta moral, a referida juíza aliena-se do fato de que, ela mesma, na condição de mulher, jamais seria capaz de exercer sua atividade de magistratura com direito a voz e voto no Brasil, se os valores morais de cem anos atrás tivessem permanecido estanques.
A referida juíza, mesmo reconhecendo o caráter vil e ofensivo do discurso proferido pelo ex-universitário, considera hipócrita o fato dos movimentos feministas abominarem tal ato, por contemplar que há um processo de degradação moral da sociedade promovido por estes mesmos movimentos. À partir de tal fala, é tácito o reconhecimento de que a autora da sentença culpabiliza o movimento feminista pela violência simbólica compreendida no rito do trote universitário, que apenas reproduz práticas misóginas de nossa sociedade patriarcal e demonstra seu viés etnocêntrico e antidemocrático de considerar seus valores conservadores como hierarquicamente superiores.
Não temos dúvidas que a herança dos trotes perversos deve ser desarticulada de forma sistemática, isso não significa que não seja imprescindível tomar providencias quanto à responsabilidade e as motivações de atentado ao imaginário social e a vida das mulheres. O episódio do trote na UNIFRAN, em 04/02/2019, revela o fortalecimento da cultura do estupro no Brasil, que tem crescido e disseminado o ódio, a violência e a morte para com as mulheres brasileiras. A violência ocorrida sobretudo contra as mulheres e população LGBTQI nos trotes universitários se perpetua por meio do pacto de silêncio que protege os agressores. Quando rompido, espera-se que a sociedade, as instituições e as famílias acolham de modo humano aquelas que ousaram denunciar, sejam estas denúncias realizadas pelas próprias vítimas ou mesmo por testemunhas e movimentos sociais organizados.
Somos alvo cotidiano da objetificação, da hipersexualização, da humilhação e da exposição. Nossos corpos se tornam públicos em certos ambientes, de modo que homens se acham no direito de tocá-los, acariciá-los, dirigir olhares lascivos e constrangedores. A denúncia é direito de quem se sente violado e não representa um pré-julgamento na tentativa de dissuadir as jovens da denúncia e difamá-las juntos aos demais colegas, numa estratégia vil de colocar o corpo acadêmico de tal universidade em conflito. Vale lembrar que o silêncio é cúmplice da violência e é extremamente cruel fazer coro com a opressão e violência.
A Bancada Feminina do Partido dos Trabalhadores na Câmara dos Deputados denuncia ainda a criminalização dos movimentos sociais, das mulheres organizadas e também a escalada de violência contra as mulheres e o genocídio da população. Tal sentença vem à tona como comprovação do que está em jogo no Brasil: muito mais do que a justiça e os direitos da população, um jogo político perigoso de distorção da história, que usurpa nossos direitos arduamente conquistados em prol de um discurso que criminaliza nossas vidas e retira nossa liberdade. Repudiamos essa sentença e aproveitamos o ensejo desta nota para reafirmamos o nosso compromisso com a defesa do povo brasileiro, por uma Justiça que seja garantidora dos direitos humanos, sociais, civis e políticos de todas e todos.
Brasília 7 de novembro de 2019
Deputada Benedita da Silva (PT-RJ)
Deputada Erika Kokay (PT-DF)
Deputada Gleisi Hoffmann (PT-PR)
Deputada Luizianne Lins (PT-CE)
Deputada Margarida Salomão (PT-MG)
Deputada Maria do Rosário (PT-RS)
Deputada Marília Arraes (PT-PE)
Deputada Natália Bonavides (PT-RN)
Deputada Professora Rosa Neide (PT-MT)
Deputada Rejane Dias (PT-PI)