Em artigo, o deputado Paulo Teixeira (PT-SP) analisa a importância de se reforçar, na legislação, a desaprovação do direito em relação às condutas de agentes públicos que violam os direitos fundamentais. Para ele, nenhuma forma de corrupção pode ser naturalizada, muito menos a corrupção do sistema de direitos e garantias fundamentais por agentes do Estado. “O parlamento brasileiro deve debater a necessidade e adequação de um novo regramento que busque dissuadir a prática de abusos por autoridades”. Para o deputado, a violação da legalidade por um juiz é tão grave quanto a ilegalidade praticada por um cidadão. Leia a íntegra:
Evitar arbítrios
POR PAULO TEIXEIRA
O Estado Democrático de Direito surgiu após os horrores da 2ª Guerra com objetivo de impor limites rígidos ao exercício de qualquer poder. Nas democracias, a atividade dos agentes estatais está condicionada pela incidência do princípio da legalidade estrita, que existe para preservar os direitos, as garantias fundamentais e evitar arbítrios. O abuso de autoridade é uma das mais significativas violações ao Estado Democrático de Direito. Não se pode aceitar que o mesmo agente estatal que pune quem viola a lei penal possa violar a legalidade. Violências ilegítimas promovidas pelo Estado são muito graves: há, nesses casos, um desvalor objetivo que autoriza a tipificação penal em razão dos riscos criados à democracia.
No Brasil, a legislação que tratou do “abuso de autoridade” nunca se mostrou efetiva na construção de uma cultura democrática e de respeito à legalidade. Mas, se o desejo da sociedade for o de construir uma sociedade democrática, impõe-se reforçar, no campo simbólico formado pelas leis, a desaprovação do direito em relação às condutas de agentes públicos que violam os direitos fundamentais, em maior número, daqueles que não interessam aos detentores do poder político e do poder econômico. Nenhuma forma de corrupção pode ser naturalizada, muito menos a corrupção do sistema de direitos e garantias fundamentais por agentes do Estado.
O parlamento brasileiro deve debater a necessidade e adequação de um novo regramento que busque dissuadir a prática de abusos por autoridades. A solução penal é uma das hipóteses postas à discussão. É possível questionar a efetividade e buscar formas de racionalizar o direito penal, mas soa, no mínimo, paradoxal que alguns agentes públicos, muitos juízes e membros do MP, critiquem um novo regramento que procura reforçar o desvalor dos casos de abuso de autoridade. É fácil perceber que os principais críticos da nova tipificação penal são os mesmos que insistem na efetividade da pena e confiam nas suas capacidades de identificar um criminoso. Uma violação da legalidade por um juiz é tão grave quanto a ilegalidade praticada por um cidadão que não exerce a jurisdição.
Há, por evidente, o risco de a nova lei de abuso de legalidade ser aplicada de forma distorcida e permitir abusos e controles indevidos das funções estatais. Mas esse risco existe na aplicação de qualquer lei, inclusive nas tipificações penais que criminalizam condutas mais comuns nas camadas pobres da população. Hoje, sem a necessidade de uma lei nova, muitos juízes e promotores, às vezes por ousarem cumprir a Constituição, já sofrem controles ideológicos. Se uma lei produzida em atenção à técnica legislativa, uma lei que reduz os espaços de arbítrio, é mal aplicada (e, por vezes, dolosamente distorcida), o problema é antes da qualidade técnica e ética dos intérpretes. Ninguém pretende uma lei que puna a interpretação, mas, da mesma forma, a democracia não suporta mais abusos acobertados pelo poder.
Paulo Teixeira é deputado federal (PT-SP) e vice-presidente nacional do partido