“A Faixa de Gaza é um imenso campo de concentração”, afirma embaixador da Palestina no Brasil

O Brasil mantém relações diplomáticas formais com o Estado da Palestina desde que o governo brasileiro reconheceu formalmente o país, em 2010. Porém, a relação entre brasileiros e palestinos começa no início do século XX, com a vinda de palestinos para o País, em busca de refúgio e de melhores condições de vida. Naquela época, fugiam da Primeira Guerra Mundial e da perseguição do Império Otomano. Depois, a segunda e maior vinda de palestinos ao Brasil foi causada pelas expulsões do território para a criação do Estado de Israel em 1948. Desde então, a região vive em permanente conflito.

De acordo com a Agência das Nações Unidas de Assistência aos Refugiados da Palestina no Próximo Oriente (UNRWA), existem hoje 59 campos de refugiados palestinos. Eles estão espalhados pela Jordânia, Líbano, Síria, Cisjordânia e na Faixa de Gaza. Só em Gaza são 8 campos com cerca de 1 milhão e 400 mil refugiados, o que corresponde a 83% da população. Na última década, a situação socioeconômica dessa população piorou em consequência de anos de ocupação, de conflitos e do bloqueio à região. A maioria ficou dependente da ajuda internacional.

Esses números, as denúncias de violação de direitos humanos e as relações entre o Brasil e Palestina, foram discutidos pela Comissão de Direitos Humanos e Minorias da Câmara dos Deputados (CDHM), em audiência pública nesta terça-feira (8). O encontro foi solicitado pelos deputados Erika Kokay (PT-DF), Helder Salomão (PT-ES), presidente da CDHM e Márcio Jerry (PSB-MA).

“Nosso conflito não é entre judeus e cristãos, mas um conflito diplomático, geopolítico e econômico. O povo palestino sofre, desde 1917, um sistema de castigos coletivos, assassinatos, perseguições, destruição de casas e contaminação dos aquíferos. Israel não respeita e nem acolhe nenhuma das resoluções do Conselho de Direitos Humanos das Nações Unidas. Já foram mais de 700 recomendações”, conta Ibrahim Alzeben, embaixador da Palestina no Brasil. O diplomata enumera outras situações de humilhação e violações de direitos. Ele afirma que “a lista dos crimes contra os palestinos é interminável”.

Alzeben denuncia e expulsão em massa de aproximadamente 750 mil pessoas, que não podem retornar para casa. “É um verdadeiro massacre, uma limpeza étnica, além da anexação de Jerusalém e das colinas de Golan”, explicou. O embaixador também aponta o armamento de novos colonos para provocar terrorismo na região. “São assassinatos de jovens e crianças, transformando a Faixa de Gaza num imenso campo de concentração com 365 quilômetros quadrados. O povo palestino seguirá na luta, exigindo soberania e paz até a independência”, prometeu.

Sem pátria, sem casa

De acordo com o Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados (Acnur), decorridos 71 anos do êxodo, o número de presos políticos palestinos em prisões israelenses é grande. Desde 2015, mais de 10 mil palestinos foram presos; desde 1967, 800 mil; e mais de um milhão desde a Nakba, em 1948. Em março de 2019 eram 5.450 presos políticos palestinos espalhados em 17 prisões, 2 centros de detenção e 2 centros de interrogação israelenses. Deste total, 540 presos cumprem prisão perpétua, 68 condenados cumprem penas de mais de 20 anos e 497 estão em detenção administrativa.

Segundo a UNRWA, cerca de 450 mil palestinos vivem no Líbano e cerca de 50 por cento em 12 campos de refugiados. São privados de muitos direitos importantes. Não podem, por exemplo, trabalhar em 20 atividades profissionais. Na Síria, estão mais de 510 mil refugiados palestinos também em 12 campos. Muitos têm os mesmos direitos de cidadãos sírios, inclusive com acesso a serviços sociais, mas têm um maior índice de mortalidade infantil e um menor número de crianças matriculadas em escolas. Ainda de acordo com a Agência das Nações Unidas de Assistência aos Refugiados da Palestina no Próximo Oriente, quase 875 mil palestinos estão registrados em 19 campos de refugiados da Cisjordânia.

Para Ahmed Shehada, presidente do Instituto Brasil-Palestina (IBRASPAL), a violação de direitos humanos não ocorre apenas pela ocupação do território. “São várias restrições, com as forças do Exército Israelense e gangues aterrorizando milhares de pessoas. Entre eles, minha família, meus pais. Vivemos na região há milhares de anos e sofremos um massacre históricos e a diáspora continua. Vivemos um extremismo crescente refletido no terrorismo praticado pelos colonos. E há uma incapacidade da comunidade internacional em forçar Israel a cumprir as determinações da ONU”, lamentou.

Infância de guerra

Em 2013, o Unicef publicou um relatório apontando que os maus-tratos de crianças palestinas no sistema de detenção militar israelense são generalizados, sistemáticos e institucionalizados. Desde 2000, pelo menos 8 mil palestinos com menos de 16 anos foram detidos, interrogados e acusados pela justiça militar israelense. Conforme estipulado pela Ordem Militar 1651, crianças palestinas dos 12 aos 13 anos estão sujeitas a penas de 6 meses; dos 14 aos 15 anos, 12 meses na prisão.

Já um levantamento realizado pela ONG Dci Palestine afirma que 2016 foi o ano com mais mortes de crianças palestinas pelas forças israelenses nos últimos dez anos, com 32 mortos na Cisjordânia e Jerusalém Oriental.

“Temos que dar visibilidade ao que acontece na Palestina, os direitos humanos são indivisíveis e universais. Não podemos mais fechar os olhos para o que acontece na Palestina. Um apartheid em vários aspectos, mas negado e invisibilizado”, denunciou Erika Kokay.

Violações

Uma das atitudes mais nefastas e violentas contra os palestinos, apontada pelos participantes é a destruição de casas nos territórios ocupados e em Gaza. A prática já foi denunciada por diversos organismos internacionais de defesa dos direitos humanos e até pela ONU. “As demolições de propriedades privadas e a transferência forçada de pessoas são graves violações da Convenção de Genebra, e são crimes de guerra”, ressaltou Helder Salomão, presidente da CDHM.

Pedro Charbel, pesquisador e ativista dos direitos humanos, destaca o poder econômico de Israel. “Na medida em que governos compram armas e outras tecnologias israelenses, estão ajudando e apoiando institucionalmente e financeiramente essa repressão”. Charbel dá o exemplo de iniciativas que podem colaborar com a causa palestina. “O parlamento chileno, por exemplo, aprovou uma medida que impede a entrada de produtos de assentamentos ilegais israelenses, e isso é o mínimo que podemos fazer”.

Solidariedade

A professora Berenice Bento, do Departamento de Sociologia da Universidade de Brasília, alerta que as ações continuadas do governo israelense “são um verdadeiro extermínio de um povo, é genocídio e o desrespeito é a regra”. Ela traz uma reflexão para os defensores de direitos humanos brasileiros. “Nossos ativistas deviam agir de forma mais firme e ampla. Temos movimentos dos negros, feministas, indígenas e LGBT, entre outros. Esses movimentos, com suas identidades e lugares de fala não poderiam entender também o sofrimento distante?  Quando uma parte do globo se indigna contra algo em outro lugar, como foi com o apartheid na África do Sul e a guerra no Vietnam, podemos ter resultados concretos. Não precisamos dela, mesma língua ou proximidade. Precisamos de solidariedade”, concluiu.

Também participou da audiência pública Alid Rabah, presidente da Federação Árabe Palestina do Brasil (Fepal).

Assessoria de Comunicação/CDHM

 

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