Após a divulgação de reportagem com documentos que comprovam que a família Bolsonaro utilizou dinheiro em espécie em diversas transações imobiliárias ao longo das últimas décadas, o tema ganhou destaque nas redes sociais. Até a tarde desta sexta-feira (9), o termo “51 imóveis em dinheiro vivo” somou mais de 62 mil menções, figurando nos trending toppics (assuntos mais falados) do Twitter. Assim, políticos, jornalistas, influenciadores e demais usuários ironizaram o discurso de suposto combate à corrupção empunhado pelo presidente de extrema direita Jair Bolsonaro (PL) na sua campanha à reeleição.
Na semana passada, os jornalistas Juliana Dal Piva e Thiago Herdy, da Folha de S.Paulo, revelaram que a família do presidente negociou 107 imóveis nos últimos 30 anos. E 51 deles em dinheiro vivo. Agora, a dupla divulgou evidências, entre escrituras e dados de quebras de sigilo obtidos pelo Ministério Público do Rio Janeiro (MP-RJ). O levantamento confirma que pelo menos metade do patrimônio em imóveis do presidente e seus familiares foram pagos de maneira nada usual. Em valores corrigidos pela inflação, o montante equivale a R$ 25,6 milhões.
A reportagem também revelou que outros 30 imóveis foram adquiridos por meio de cheque ou transferência bancária. As transações essas transações somam R$ 17,9 milhões (corrigidos). Além disso, não foi possível identificar a forma de pagamento de outros 26 imóveis, que somam gastos de R$ 1,9 milhão.
Patrimônio incompatível com a renda
Além da forma de pagamento pouco convencional, típica de quem quer esconder transações ilícitas, a própria evolução patrimonial da família também é incompatível com os ganhos que Bolsonaro e os filhos obtiveram como parlamentares nas últimas décadas.
Para se defender da denúncia de possível lavagem de dinheiro na compra de imóveis, Bolsonaro disse em entrevista à Jovem Pan, na terça-feira (6), que sua família não utilizou dinheiro em espécie em transações imobiliárias que somam R$ 25,6 milhões nos últimos 30 anos. Entretanto, jornalistas do UOL que denunciaram o escândalo encontraram escrituras que comprovam que a família Bolsonaro usou R$ 25,6 milhões em dinheiro vivo para quitar de forma total ou parcial a compra de 51 imóveis nos últimos 30 anos.
Segundo o presidente, os jornalistas do UOL que denunciaram o escândalo envolvendo sua família, tentaram confundir os leitores usando o termo “moeda corrente nacional” como se isso fosse sinônimo de “dinheiro vivo”. “Em qualquer escritura está escrito moeda corrente”, disse ele. Nas redes sociais, a tese bolsonarista espalhada por apoiadores era de que o termo “moeda corrente” significava que o imóvel teria sido pago com o Real (e não em dólar, por exemplo).
O filho zero um presidente, o senador Flávio Bolsonaro, que comprou uma mansão de quase R$ 6 milhões próxima ao Lago Paranoá, em Brasília, foi um dos que publicaram postagens meio que dando uma aula para os reporteres sobre o significado de moeda corrente, termo que seria o usado nas escrituras.
Documentos comprovam pagamentos em dinheiro vivo
Para comprovar a denúncia, os jornalistas Juliana Dal Piva e Thiago Herdy, do UOL, foram atrás das evidências de pagamento em dinheiro vivo e encontraram documentos que comprovam que o clã Bolsonaro usou dinheiro vivo para quitar 51 das 107 transações imobiliárias realizadas no período. Os dados estão acompanhados de documentos oficiais. A reportagem também entrevistou parte dos vendedores e consultou os próprios cartórios de notas.
Segundo a reportagem, “17 compras são citadas em investigações do MP (Ministério Público) do Rio, a partir de dados de quebra de sigilo, sobre o esquema de rachadinha nos gabinetes de Carlos e Flávio Bolsonaro. Flávio chegou a ser denunciado por um desvio de R$ 6,1 milhões, mas os dados financeiros foram anulados pelo STJ (Superior Tribunal de Justiça) e a investigação está sendo refeita pelo MP.”
“No Rio, o Código de Normas da Corregedoria Geral de Justiça estadual determina desde 1999 que na lavratura de atos notariais conste a “declaração de que foi pago em dinheiro ou em cheque, no todo ou em parte, discriminando, neste caso, valor, número e banco contra o qual foi sacado”, diz um outro trecho da reportagem.
“Outros 24 imóveis estão em São Paulo, estado em que cartórios devem declarar em escrituras formas de pagamento, “se em dinheiro ou cheque (…) ou mediante outra forma estipulada pelas partes”, de acordo com o provimento 58/1989 da Corregedoria Geral da Justiça de São Paulo. No Rio, o Código de Normas da Corregedoria Geral de Justiça estadual determina desde 1999 que na lavratura de atos notariais conste a “declaração de que foi pago em dinheiro ou em cheque, no todo ou em parte, discriminando, neste caso, valor, número e banco contra o qual foi sacado”, segue a reportagem.
“Algumas das escrituras consultadas pelo UOL trazem expressões ainda mais precisas sobre o uso de dinheiro vivo, como moeda “contada e achada certa” ou “em espécie”. A reportagem também se baseia em entrevistas com parte dos vendedores e consultas aos próprios cartórios de notas”, diz o UOL.
Há quatro anos, Bolsonaro disse que pagamento em dinheiro vivo podia estar ligado a roubo. Ou seja, a pessoa estaria lavando o dinheiro roubado, o que é um crime. Agora, não vê problema nenhum em comprar mais de 50 imóveis e pagar com dinheiro.
Quem rastreia lavagem de dinheiro
Os bancos devem informar ao Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf) todas as operações de depósito ou aporte em espécie ou saque em espécie de valor igual ou superior a R$ 50 mil.
Também são obrigados a informar o Coaf sobre movimentações financeiras as corretoras de valores, cooperativas financeiras, joalherias, marchands, seguradoras, prestadores de serviço de assessoria e consultoria, loterias, atletas, artistas, entre outros. E, desde 2020, os cartórios se tornaram fonte de informações do órgão por força do Provimento 88/2019 do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) que entrou em vigor em fevereiro de 2020.
Desde então, o volume de comunicações de operações suspeitas explodiu.
– Em 2018, o Coaf recebeu 428 mil comunicações de operações suspeitas.
– Em 2019, foram 346 mil.
– Em 2020, com a vigência da regra do CNJ que incluiu os cartórios, o número de notificações saltou para 1,4 milhão.
– Em 2021, chegou a 2,3 milhões. Do total do ano passado, 1,6 milhão são comunicações feitas pelos cartórios.
Segundo o Conjur, os cartórios brasileiros são responsáveis por quase 70% das comunicações de operações suspeitas feitas ao Coaf. Nos últimos dois anos, tabeliães, notários e registradores de todo o país enviaram ao órgão de inteligência financeira mais de 2,5 milhões de registros que, na visão dos cartorários, poderiam indicar atividade ilícita — mais especificamente, lavagem de dinheiro ou financiamento do crime organizado.
Flávio Bolsonaro é suspeito de lavagem de dinheiro
O Ministério Público do Rio de Janeiro garante que ocorreeu de forma ilícita a captação de recursos de ex-assessores pelo senador Flávio Bolsonaro no esquema da “rachadinha”. Promotores afirmam que o filho do presidente recolheu esse dinheiro e praticou lavagem por meio da compra de dois imóveis em Copacabana.
Flávio foi denunciado sob acusação de peculato, lavagem de dinheiro e organização criminosa, mas o caso foi arquivado porque o Superior Tribunal de Justiça (STJ) anulou as principais provas do caso. O MP-RJ afirma que pretende reabrir a investigação.
Dados da investigação, contudo, mostraram que Bolsonaro teve, quando deputado federal, transações e práticas semelhantes às que levantaram suspeita contra o seu filho mais velho.
Parlamentares se manifestam
Os parlamentares do PT na Câmara se manifestaram em suas contas no Twitter. A deputada Erika Kokay (PT-DF) escreveu: “Bolsonaro mentiu mais uma vez para o povo brasileiro ao dizer que pagou imóveis com “moeda corrente nacional”. Não! Bolsonaro pagou 51 imóveis em dinheiro vivo”.
Bolsonaro mentiu mais uma vez para o povo brasileiro ao dizer que pagou imóveis com "moeda corrente nacional".
NÃO!
Bolsonaro pagou 51 imóveis em dinheiro vivo!
— Erika Kokay (@erikakokay) September 9, 2022
“Não adianta negar e dar desculpas esfarrapadas. Foi dinheiro vivo sim”, destacou o deputado Rogério Correia (PT-MG).
Não adianta negar e dar desculpas esfarrapadas. Foi dinheiro vivo sim!https://t.co/pbdrM3YYqK
— Rogério Correia (@RogerioCorreia_) September 9, 2022
Para o deputado Helder Salomão (PT-ES) não adianta a família Bolsonaro tentar esconder. “Não adianta tentar esconder. A família Bolsonaro adquiriu 51 imóveis em dinheiro vivo”.
Não adianta tentar esconder. A família Bolsonaro adquiriu
51 IMÓVEIS EM DINHEIRO VIVO pic.twitter.com/Aj5X47XiUW— Helder Salomão 1350 (@heldersalomao) September 9, 2022
Redação PT na Câmara com CUT e Brasil de Fato