A ideia de uma cultura de maior transparência no Brasil já tinha muitos desafios mesmo antes da chegada de Jair Bolsonaro ao Planalto. Sancionada há dez anos pela presidenta Dilma Rousseff, a Lei de Acesso à Informação Pública (LAI) representa um avanço para a democracia e a luta contra a corrupção. Originada a partir de um projeto de minha autoria, o PL 219/2003, a lei, no entanto, precisa de constante aperfeiçoamento e, no caso do atual governo, de defesa a cada ataque, o que tem sido constante desde 1º de janeiro de 2019.
Seguidores da ditadura com seus porões e segredos, tanto Bolsonaro, quanto seu vice, general Hamilton Mourão, assinaram decretos para aumentar o sigilo sobre documentos públicos e suspender prazos de resposta a pedidos dos cidadãos, ora recuando, ora sendo derrotados pelo Supremo Tribunal Federal, pelo Congresso Nacional e pela mobilização da sociedade.
O sigilo sobre a absolvição do julgamento militar de Eduardo Pazzuelo, general da ativa, flagrado em manifestação política — e antidemocrática — chamou mais atenção do que o fato de que a maioria dos ministérios de Bolsonaro reduziu atendimento à LAI. Hoje, o Ministério da Defesa responde apenas 57,6% dos pedidos de informação, e o da Cidadania nega 10% dos pedidos, um aumento de mais de 200%, em relação a gestões anteriores. Entre respostas e negativas, há também a omissão e a fraude, como no caso dos servidores do Palácio do Planalto que orientaram ministérios a omitir informações por “risco político”, critério não admitido pela lei e que merece a devida investigação.
O presidente trava uma batalha contra uma lei que enfrenta a corrupção e que é um dos pilares de resistência ao seu projeto autoritário. Não é difícil imaginar o que seria seu governo se não fosse a LAI. Não é difícil imaginar a gastança desenfreada, a farra ainda maior para seus apaniguados e mil novas formas de rachadinhas que fariam jorrar o dinheiro público.
A garantia de acesso aos documentos públicos já era norma na Suécia em 1766. Apesar do direito à informação constar na Declaração Universal dos Direitos Humanos, de 1948, e na nossa Constituição de 1988, só virou lei no Brasil em 2011.
Antes da LAI, não havia sequer prazo, muito menos garantia legal do cidadão ter acesso a uma informação pedida. Era preciso justificar uma solicitação e a resposta estaria condicionada à boa fé de uma autoridade. Hoje, está ao acesso de todas e de todas saber qual a taxa de mortalidade de uma região, os salários dos políticos, quanto custou uma obra pública, ou mesmo quanto custou a aquisição de vacinas, sem precisar de qualquer justificativa.
Além de vencer as investidas de Bolsonaro contra a LAI, é preciso cobrar maior transparência ativa de todos os órgãos, mesmo para que o cidadão precise pedir cada vez menos, e já encontre facilmente o que deseja saber, algo indispensável na era da comunicação digital.
Todos os setores da sociedade devem ser estimulados a se apoderar desse direito, o que já fazem muito bem os jornalistas, os pesquisadores e as polícias em suas investigações, que têm na LAI um instrumento fundamental para exercerem suas atividades. As forças policiais, aliás, têm um desafio ainda maior, que é o de implementar a Lei de Acesso à Informação no sistema de segurança pública, o que defendo no PL 4894/2016.
A cultura da transparência depende do controle da população que, hoje, ainda não tem ideia de como se dá a composição de preços do combustível e do gás de cozinha, cada vez mais caros, que paga. Não restam dúvidas de que a transparência é amiga da democracia, da luta contra a corrupção e da luta em defesa da justiça social. Que saibamos valorizar nossas conquistas, mas, sobretudo, saber defendê-las.
*Reginaldo Lopes é economista e deputado federal (PT-MG). É autor do projeto que deu origem à Lei de Acesso à Informação.
Artigo publicado originalmente no jornal “o Globo”