Na tarde dessa quinta-feira (19), o presidente da Comissão de Direitos Humanos e Minorias da Câmara dos Deputados, Carlos Veras (PT-PE), esteve em Sergipe para a realização de duas diligências para apurar as denúncias de violação de direitos humanos na reintegração de posse do prédio onde viviam as famílias da Ocupação João Mulungu, em Aracaju, e, também, relato de racismo institucional e intolerância religiosa na Universidade Federal de Sergipe (UFS). As diligências foram realizadas a partir de requerimentos apresentados pelo deputado federal João Daniel (PT-SE) e Erika Kokay (PT-DF).
Veras ressaltou que o papel da Comissão é procurar fazer a mediação nesses casos, ouvir as partes e encontrar uma resolução para as questões. Nesses dois casos, disse ele, optou-se por primeiro fazer as diligências e depois oficiar os órgãos envolvidos. No caso do despejo das famílias da ocupação, o presidente da CDHM lembrou do projeto de lei 827, aprovado recentemente na Câmara, para que não fossem realizadas reintegrações de posse, por conta do risco sanitário, enquanto durar a pandemia, além de resoluções da Organização das Nações Unidas (ONU), Conselho Nacional de Justiça (CNJ), Conselho Nacional de Direitos Humanos, entre outras, que não recomendam tais ações durante a pandemia.
O deputado João Daniel enfatizou a importância da realização das diligências. “É fundamental tratarmos dessas duas questões que envolvem crime racial e religioso e, também, sobre a reintegração de posse na ocupação João Mulungu, em Aracaju, uma vez que recebemos relatos de violência, violações e desassistência às famílias. Esperamos que providências sejam tomadas por parte dos órgãos envolvidos que participaram e que aqueles que não estiveram presentes sejam oficiados para que se pronunciem”, disse João Daniel.
Diversos relatos de violação foram feitos durante a diligência por uma das ocupantes – que inclusive foi detida no dia da reintegração –, a professora Alana Nascimento, coordenadora nacional do Movimento de Luta nos Bairros, Vilas e Favelas (MLB). Ela falou sobre o forte aparato policial militar utilizado nas primeiras horas do dia 24 de maio para o cumprimento da ordem judicial para a retirada das famílias do prédio, com uso de violência, segundo ela, inclusive, contra crianças e idosos, prisão de ocupantes sob argumento de atuação ideológica, ameaças e agressões físicas aos ocupantes na retirada do prédio ocupado.
Pesadelo
“Não tivemos sequer o direito de fazer o exame de corpo de delito. Fizemos por conta própria. Relembrar isso é algo difícil. Até hoje eu tenho pesadelos, porque até hoje nós somos perseguidos pela polícia”, relatou. Ela ressaltou a importância da vinda da CDHM da Câmara apurar essa questão, com a participação de diversos representantes da sociedade civil, pela liberdade de atuação dos movimentos sociais.
O integrante da Comissão de Apoiadores da Sociedade Civil Jessé Jamá também descreveu práticas de violação dos direitos humanos ocorridas na desocupação e mesmo depois, como agressão física, tortura e perseguição por parte de policiais, casos de contaminação por Covid-19 pós realocação, porque não foram adotados cuidados sanitários e de testagem. “A Secretaria de Assistência também se negou a discutir conosco uma proposta alterativa das famílias da ocupação”, afirmou.
O defensor público Alfredo Nikolaus fez um histórico do acompanhamento que ele vinha fazendo das famílias da ocupação João Mulungu. Segundo ele, relatórios do MLB e da Comissão de Direitos Humanos da Ordem dos Advogados do Brasil em Sergipe (OAB-SE) foram juntados à ação interposta pela DPE solicitando a suspensão da reintegração de posse, que chegou a ser deferida pela Corregedoria Geral de Justiça do Tribunal de Justiça de Sergipe. No entanto, meses depois, o autor da ação juntou relatório embasado em informações desatualizadas do Cadastro Único de que muitas famílias teriam residência fixa e assim conseguiram nova decisão judicial favorável à reintegração.
Desassistidas
Ele alegou que o despejo ocorreu sem que tivesse havido qualquer tipo de aviso prévio e, o mais grave, sem que fossem adotadas medidas sanitárias, como teste de Covid em pessoas que depois foram levadas para abrigos onde já estavam outras famílias alojadas. Segundo o defensor público, diversas famílias ainda não foram realocadas e uma audiência na justiça para avaliar quantas ainda estão nessa situação foi marcada apenas para o dia 4 de novembro.
De acordo com o presidente da Comissão de Direitos Humanos da OAB-SE, Robson Barros, 16 famílias ainda estão sem ter para onde ir e a resposta da Secretaria Municipal de Assistência Social é que elas não se enquadram nos requisitos para receber o aluguel social. Ele acrescentou que há cerca de sete anos não havia em Sergipe uma reintegração de posse com tamanha violência policial como a utilizada na retirada dos ocupantes da João Mulungu.
O defensor público Sérgio Barreto Morais, coordenador do Núcleo de Direitos Humanos e Promoção da Inclusão Social da Defensoria Pública, relatou ainda que enquanto acompanhava o cumprimento da ordem judicial ouviu por diversas vezes da secretária municipal de Assistência Social que grande parte daquelas pessoas possuíam casa ou tinham residência de parentes para ir. “Queríamos encaminhar essa situação, mas ela insistia nesse argumento. Foi um dia em que todos nós perdemos essa luta, em que a dignidade humana foi atingida de forma violenta, lamentavelmente, por uma ação do Estado”, criticou.
O procurador do município junto à Secretaria de Assistência, Tiago Vieira, alegou que o município não foi omisso e que também só tomou conhecimento da execução da ordem judicial no momento da desocupação, quando, afirmou, o município teria oferecido assistência com a presença do Conselho Tutelar, oferecimento de transporte para as pessoas, para remoção dos pertences e que 25 famílias estariam sendo assistidas pela Secretaria Municipal de Assistência Social, uma vez que há critérios legais para a concessão do auxílio moradia.
“Após esses relatos, agora vamos acompanhar os encaminhamentos tirados durante as diligências. No caso da Ocupação João Mulungu, vamos oficiar a gestão municipal quanto ao cadastro das famílias para que elas possam receber o auxílio moradia, as que estiverem dentro dos critérios, e isso será acompanhado pelas organizações, OAB, Defensoria Pública e, também, a CDHM. Os outros órgãos que não vieram vamos oficializar pela presidência da Comissão”, disse o presidente Carlos Veras.
Caso Ilzver
A Comissão de Direitos Humanos da Câmara Federal realizou também diligência na Universidade Federal de Sergipe, para a averiguação das denúncias quanto à prática de racismo institucional e religioso, tendo em vista ainda a não nomeação do professor Ilzver de Matos Oliveira à vaga de docente do Departamento de Direito da instituição, mesmo tendo sido ele aprovado em concurso público, dentro da vaga de cotista, em 2019. A não nomeação decorre dos vários recursos jurídicos interpostos pelo docente da UFS Uziel Santana – presidente licenciado da Associação Nacional de Juristas Evangélicos (Anajure) -, pleiteando interesse à mesma vaga, através de remoção interna.
Da diligência participaram os deputados da CDHM, o reitor Valter Joviniano, o vice-reitor, Rosalvo Ferreira Santos, o procurador-chefe da República em Sergipe, Flávio Matias, o procurador federal junto à UFS, Paulo Celso Rêgo, representantes da Unegro e Central Única dos Trabalhadores (CUT). O presidente da CDHM requereu informações quanto ao andamento do processo para nomeação à vaga, tendo em vista as denúncias.
O reitor e o procurador da UFS asseguraram que o rito processual vem sendo seguido todos os prazos estabelecidos, para que não haja equívocos administrativos, estando ainda dentro do período para apresentação de recurso ao Conselho Superior da UFS quanto à decisão do Conselho do Centro de Ciências Sociais e Aplicadas que decidiu pela posse do professor Ilzver na vaga em questão, prazo este que se encerra no próximo dia 28, quando a portaria de nomeação será publicada, caso não haja recurso ou alguma decisão judicial em contrário.
Os representantes do Movimento Negro presentes à diligência levantaram a preocupação quanto ao final da validade do concurso para o qual o Ilzver Matos foi aprovado, podendo se extinguir frente aos sucessivos recursos feitos pelo outro candidato à vaga, mas a informação passada pelo reitor é que a validade do concurso já foi prorrogada por mais um ano.
À denúncia à Comissão de Direitos Humanos da Câmara foram juntados relatos com manifestações públicas, de cunho ideológico, do professor Uziel Santana, que apontam fortes indícios de Lawfare (uso ou manipulação das leis/regimentos como um instrumento de combate/perseguição contra alguém), usados na tentativa de protelar e, consequentemente, inviabilizar a posse de Ilzver. Assessores da Diligência analisaram diversos documentos, relatos e peças processuais que viriam a corroborar os indícios de tentativa de protelação para atrapalhar a nomeação de Ilzver para a vaga.
“Vamos acompanhar de perto os processos administrativos que estão sendo encaminhados para ser chamado o concursado. Esse é um processo, inclusive, de valorização do serviço público e da universidade. Num país laico como o nosso não podemos admitir a intolerância religiosa e o preconceito racial que são crimes e precisam acabar. Não dá para se admitir que nesse país tenha crime racial”, afirmou Carlos Veras.
Assessoria de Comunicação