A proposta de educação domiciliar (homeschooling) defendida pelo governo Bolsonaro como prioridade para aprovação no Congresso Nacional foi pauta de debates nesta segunda-feira (19), no Núcleo de Educação e Cultura do PT no Congresso. Sete projetos de lei relacionados ao homeschooling estão sendo analisados pela Câmara. Para debater esse tema, a coordenadora do Núcleo, deputada federal Professora Rosa Neide (MT) convidou o professor da Universidade de São Paulo (USP) Romualdo Portela de Oliveira.
Romualdo de Oliveira destacou que o homeschooling trata-se de “uma política de exceção. Não é uma política de educação universal, pois apenas quem tem condições financeiras de colocarem seus filhos estudando em casa, poderão fazê-lo”, disse. Ele informou que o Brasil possui uma Associação Nacional de Educação Domiciliar, que já organizou cerca de 5 mil famílias com interesse nessa prática. “Essa Associação possui apoio de uma Associação norte-americana de defesa do homeschooling, em uma clara interferência estrangeria no País”, afirmou.
O professor trouxe dados e evidências levantados por pesquisadores dos Estados Unidos, sobre a prática do homeschooling naquele País. “Pesquisa feita pela Universidade da Pensilvânia, em 1999, mostrou que os defensores da educação domiciliar são brancos, cristãos fundamentalistas e população monolítica, que não quer submeter seus filhos a uma diversidade de concepções”, informou.
Romualdo de Oliveira também relatou pesquisa feita em 2020, pela Universidade de Harvard, que aponta que 90% dos defensores do homeschooling nos Estados Unidos são fundamentalistas religiosos. “Esses defensores se ancoram em três ideias. Eles questionam a Ciência; promovem a subserviência feminina; e defendem a supremacia branca. Ou seja, possuem uma visão ultraconservadora que sem encaixa em um discurso liberal de negação do Estado”, observou.
Outro dado apresentado pelo professor refere-se a um estudo canadense sobre educação domiciliar, que aponta “que os grupos que defendem o homeschooling buscam na verdade, manter-se afastados do convívio social”. Por isso, eles se chocam com a ideia da escola republicana de todos e todas, onde o aprendizado advém do convívio com a diversidade, com a promoção da tolerância e do bem comum”, relatou.
Romualdo destaca que as pesquisas comprovaram que os defensores do homeschooling visam afastar seus filhos da escola, para que eles não convivam com o diferente. “Eles defendem outra cidadania, uma cidadania baseada em grupos e guetos, onde não haja interação social. O atual ministro da Educação (Milton Ribeiro), ao defender essa prática chegou a dizer que esse convívio social das crianças e adolescente que estudarem em casa poderia ocorrer, por exemplo, na igreja. Ou seja, dentro do grupo que a família convive. Eles negam a educação com significado mais substantivo, negam a convivência mais plural”, argumentou. “Os defensores do homeschooling defendem outra cidadania, uma cidadania com menos Estado e mais guetos. Defendem não se misturar gerando um forte apelo xenofóbico”, reforçou.
Debate
Ao comentar a apresentação, o deputado Pedro Uczai (PT-SC) ressaltou que a ideia do governo em tentar aprovar a educação domiciliar é negar às crianças e adolescentes o direito à escola. “Trata-se de um ataque direcionado contra a escola pública e nossa construção histórica enquanto sociedade, porque é na escola que os diferentes convivem e constroem consensos”, afirmou.
Para o deputado Helder Salomão (PT-ES), o governo pretende “fazer interferências e ingerências autoritárias e elitistas na escola pública, desconstruindo o seu papel central na formação da sociedade brasileira, para destruir o Estado, seu papel social e tudo que a sociedade construiu coletivamente”, observou.
Professora Rosa Neide afirmou que a proposta do homeschooling visa um grande projeto de dominação por parte da área ideológica do governo Bolsonaro. “Ao tentar tomar a educação básica e as universidades com sua proposta de educação domiciliar, a extrema direita busca fazer guerra cultural, mudar a cultura para impor o predomínio do conservadorismo e agravar os preconceitos e o negacionismo”, disse.
Participante da reunião, o representante do Fórum Nacional Popular de Educação (FNPE), professor Luiz Dourado, ressaltou que “a Constituição Federal de 1988 estabelece o direito dos pais discutirem qual escola os filhos estudarão, mas não permite que eles escolham se os filhos irão à escola ou não”, afirmou.
O deputado Alencar Santana Braga (PT-SP) elogiou a apresentação do professor da USP e destacou que ao estabelecer para a educação brasileira a prioridade do homeschooling, “o governo Bolsonaro visa destruir o modelo de Estado republicano” construído duramente ao longo da história do País, “onde os diferentes convivem na escola e constroem consensos”.
Elitismo
O líder da bancada do PT, deputado Bohn Gass (PT-RS), destacou a luta do povo brasileiro pela inclusão de todos os alunos na escola, para a construção de conhecimento coletivo e a possibilidade de mobilidade social. “Agora eles querem a exclusão. Famílias humildes não terão condições de ofertar educação domiciliar pra seus filhos. E como ficará a socialização com o diferente? A preparação para viver em sociedade?”, questionou.
O Professor Romualdo corroborou as palavras do líder ao reafirmar o elitismo da educação domiciliar. “Precisamos fortalecer o argumento do elitismo dessa proposta. Aqueles que podem custear a educação domiciliar poderiam contribuir com a melhoria do espaço comum, com a construção de uma escola de qualidade para todos e todas, mas não, se abstêm para não se misturar. E muitas vezes em nome do fundamentalismo religioso se recusam a oferecer o ensino universal para seus filhos, que é ofertado na escola”.
Além do elitismo, o professor da USP afirma que o homeschooling é uma ferramenta de ampliação da desigualdade social e privatização da educação. “A escola cumpre função de reduzir a desigualdade social. Quando impeço os mais abastados de irem à escola mantenho e amplio a desigualdade. Sem falar que existe uma série de interesses privatistas no homeschooling, com empresas querendo produzir material para as aulas em casa. Isso é privatização da educação, que mais tarde pode avançar para ofertar de vouchers para todas as famílias manterem seus filhos estudando em casa”, projetou.
PL 5595 e 3477
Os parlamentares também debateram o encaminhamento da luta para barrar a votação do mérito do projeto de (PL 5595/2020), que prevê a volta imediata das aulas presenciais.
O presidente da Confederação Nacional dos Trabalhadores em Educação (CNTE), Heleno Araújo, afirmou que os profissionais da educação querem voltar às salas de aulas, mas somente após estarem vacinados e vacinadas.
O deputado Odair Cunha (PT-MG) concordou com Heleno e alertou para a necessidade de unidade na argumentação contrária ao PL 5595. “Precisamos argumentar fortemente que o risco da transmissibilidade da Covid-19 na escola é muito alto. Retornar às aulas de qualquer forma e ao sabor do gestor de plantão pode significar a transformação das escolas em centros de transmissão do vírus”, disse.
Professora Rosa Neide também pediu apoio de todos os parlamentares da bancada e diálogo junto aos demais partidos, pelo convencimento aos pares da necessidade de derrubada do veto presidencial ao PL 3477, de sua autoria, que destina R$ 3,5 bilhões para estados e municípios ofertarem internet gratuita e equipamentos a professores e alunos das escolas públicas para aulas remotas, nesse período de pandemia.
Os parlamentares Zeca Dirceu (PT-PR), Leo de Brito (PT-AC), Merlong Solano (PT-PI) e Reginaldo Lopes (PT-MG), também participaram da reunião.
Assessoria de Comunicação