Com o objetivo de sustar o decreto 9.785/19 do presidente Jair Bolsonaro, que esta semana ampliou o acesso ao porte de armas de fogo, apresentamos na Câmara dos Deputados o Projeto de Decreto Legislativo 224/2019. Este decreto, flagrantemente inconstitucional, uma vez que tal medida é de competência exclusiva do Congresso Nacional, é mais uma decisão equivocada desse governo que no afã de dar uma satisfação ao seu eleitorado e colocar e concretizar uma de suas promessas de campanha, adota uma medida que vê no armamento desenfreado da população uma medida de segurança pública. Para além disso, o decreto 9.785/19 fere o Estatuto do Desarmamento.
Enquanto o governo Bolsonaro perde o rumo da economia, com um ministro tentando justificar a sua inércia na necessidade da aprovação de uma reforma da Previdência que pune os brasileiros mais pobres, o presidente Jair Bolsonaro busca armar a população, com o suposto objetivo de defesa contra bandidos reais ou imaginários.
Na verdade, o seu decreto de facilitação do porte de armas atende ao lobby da indústria armamentista. Mas, da forma que foi ampliado radicalmente, assustou até os seus próprios apoiadores, facilitando o acesso a arma de fogo para mais de 20 milhões de brasileiros maiores de 25 anos.
Foi a festa para a indústria de armas que no mesmo dia, com o decreto, viu as ações da Taurus subirem 19,2% e a perspectiva de faturamento de R$ 20 bilhões para todo o segmento.
Também atendeu a uma grande parte dos ruralistas que vêm nessa liberação uma oportunidade a mais para avançar nas ações de grilagem sobre terras públicas e aquelas ocupadas por indígenas, quilombolas e sem-terra, além da licença para matar em suas propriedades.
O Brasil está entre os países em que mais se mata com armas de fogo. De acordo com o “Atlas da Violência de 2018”, cerca de 70% dos homicídios no Brasil são cometidos com esse tipo arma.
Pesquisas feitas por secretarias de Segurança Pública que rastrearam a motivação dos homicídios concluíram que 30% do total de mortes decorrem de crimes intrapessoais, como crimes passionais, feminicídios, brigas de vizinhos e em bares, no trânsito e até briga por discussão política e futebol.
Uma arma, mesmo em casa, aumenta as ameaças contra as mulheres, vítimas, cada vez mais frequentes, de seus companheiros, de acidentes com crianças e até de suicídios. Sem contar que armas conseguidas de formas lícitas acabem caindo nas mãos de criminosos.
Com o tema “Fraternidade e Políticas Públicas”, a CNBB critica o aumento da violência e nos faz refletir sobre esse tipo de decisão, uma vez que num país em que por conta de políticas equivocadas temos o aumento do desemprego, a retirada de direitos trabalhistas e sociais, o aumento da fome e da pobreza, permitir que uma população com capacidade financeira tenha acesso as armas, é um prenúncio de uma grande ameaça contra a população menos assistida, pois transfere para o cidadão a responsabilidade pela segurança pública, que é um dever do Estado.
Uma preocupação maior é com a Região Nordeste que, segundo o citado Atlas, concentra os três piores índices de violência por 100 mil habitantes. O estado de Sergipe apresentava a maior taxa do país com (64,7), seguido por Alagoas (54,2) e Rio Grande do Norte (53,4). A região tem ainda Pernambuco na sexta posição (47,3) e na sétima Bahia (46,9). No Norte, Pará (50,8) e Amapá (48,7). O Brasil atingiu a taxa de 30 assassinatos por 100 mil habitantes pela primeira vez na história, contra 55,6 em Sergipe.
Há uma esperança, porém, quando pesquisa da Datafolha mostra que até entre os eleitores de Bolsonaro há resistência à tese de que o porte de arma amplia a segurança, o que, segundo a pesquisa, representam 62% dos entrevistados. Além disso, 64% dos eleitores do presidente não concordam que uma polícia que mata suspeitos de crimes amplia a proteção à sociedade.
Com o objetivo de barrar este decreto, flagrantemente inconstitucional, uma vez que tal medida seria de competência exclusiva do Congresso e pela sua abrangência que o torna inconsequente e perigoso para a sociedade, apresentamos um projeto de lei para invalidar os efeitos dessa medida equivocada no que se refere à segurança pública e fere o Estatuto do Desarmamento.
- João Daniel é deputado federal (PT-SE)