Super-ricos têm que pagar imposto como todos os brasileiros, afirma Zeca Dirceu

Líder do PT na Câmara, deputado Zeca Dirceu - Foto: Vinicius Loures/Câmara dos Deputados

O saudoso Raymundo Faoro observou que as elites brasileiras queriam um país de 20 milhões de pessoas e uma democracia sem povo. Não conseguiram, mas ao longo do tempo lograram conquistar regalias tributárias injustificáveis, em que bilionários praticamente não pagam imposto, vivendo numa ilha cercada por pagadores de tributos. Daí a importância de se aprovar, no Congresso Nacional, a proposta do governo de tributar os fundos exclusivos e os rendimentos das offshores, duas modalidades de investimento financeiro acessadas apenas pela nata dos super-ricos do país. A Câmara avançou e fez a sua parte.

Para investir em fundo exclusivo é preciso ter na conta pelo menos cerca de R$ 10 milhões líquidos. Somente 2,5 mil brasileiros estão nessa condição, 0,001% da população. Essa turma, ao contrário da classe média que investe em fundos de investimentos, quando lhe sobram alguns recursos, paga pouco ou nada em tributos. Ou seja, não se trata de tributar mais quem ganha muito mais, mas simplesmente de evitar que se cobre deles muito menos do que se cobra dos demais cidadãos brasileiros, como hoje ocorre. É uma situação inconcebível.

Trata-se simplesmente de fazer justiça tributária. Vamos lembrar: hoje, esses fundos só pagam Imposto de Renda no resgate, o que pode demorar anos. Com isso, não sofrem a cobrança do chamado come-cotas, o recolhimento periódico de Imposto de Renda (duas vezes por ano) que afeta os fundos de investimento nos quais a classe média consegue investir, e recursos que deveriam ter sido recolhidos na forma de imposto e destinados a políticas públicas são reinvestidos em benefício dos investidores. Isso gera rendimentos adicionais, o que dá aos fundos exclusivos fechados uma enorme vantagem tributária. Detidos pelos super-ricos, essa vantagem aumenta a regressividade do sistema tributário brasileiro e contribui para concentrar a renda no país.

As offshores, por sua vez, são entidades criadas no exterior, normalmente em paraísos fiscais, que também só recolhem impostos se em algum momento os recursos forem internalizados no Brasil, diferentemente do que ocorre com investimentos aqui realizados, cujos rendimentos são tributados regulamente.

Os rendimentos das offshores podem assim permanecer indefinidamente no exterior sem pagar tributos, sendo reinvestidos e proporcionando rendimentos adicionais a seus controladores. Além de constituir um incentivo à remessa de recursos para fora do país e gerar distorções em sua alocação reduzindo o crescimento econômico, a vantagem tributária dessas entidades, detidas apenas pelos mais ricos, também aumenta a regressividade do sistema e concentra a renda no país, assim como no caso dos fundos exclusivos.

Os números são uma miríade aos olhos dos cidadãos comuns. Calcula-se que haja atualmente cerca de R$ 756 bilhões aplicados em fundos fechados, enquanto nas offshores estão aplicados cerca de R$ 1 trilhão. São pouquíssimos os integrantes da elite brasileira que têm munição – para usar uma linguagem desses tempos de violência – para fazer esses investimentos. E, por isso mesmo, com seus aliados subalternos na mídia e em redes sociais, atuam em campanhas mentirosas que distorcem e mascaram a justiça tributária embutida na proposta do governo.

Em qualquer democracia moderna e consolidada, a justiça tributária é condição essencial para garantir um Estado de bem-estar social. E o Brasil, um dos países mais injustos do mundo, um dos líderes mundiais da concentração de renda, tem o desafio de buscá-la. Com o privilégio desse segmento da elite, a estimativa é de que o governo brasileiro deixe de arrecadar, no mínimo, R$ 40 bilhões anuais por conta dos benefícios às duas modalidades de investimento. Ou seja, 10% do orçamento da saúde do governo federal.

A arrecadação adicional resultante da taxação de quem hoje quase não paga imposto e vive numa ilha de privilégio num país tão desigual, viabilizaria a construção de milhares de casas populares, escolas e postos de saúde, e a execução de múltiplas ações para a população. Não apenas por parte do governo federal, mas também, como metade do tributo a ser arrecadado é distribuída a estados e municípios, reforçando seus orçamentos, também por esses entes subnacionais.

Hoje, empresários do setor produtivo, assalariados, funcionários públicos, classe média, todos pagam imposto. Por que os ricaços não podem pagar tributos sobre seus rendimentos? É preciso eliminar, urgentemente, as distorções na tributação, para aumentar a eficiência na alocação de recursos e promover o crescimento da economia, e para reduzir a desigualdade social.

Além da taxação dos fundos exclusivos e dos rendimentos das offshores, outro desafio no horizonte é extinguir a excrescência chamada Juros sobre o Capital Próprio, PL 4.258/2023, ainda sem previsão de votação. Criado durante as reformas neoliberais dos anos 90, foi acompanhado por outra medida adotada apenas no Brasil, a completa isenção da tributação sobre dividendos. O JCP permite, com o pretexto falacioso de incentivar o aporte de capital ao invés do endividamento junto a terceiros, que o sócio ou acionista seja remunerado na forma de “juros” calculados sobre parte do capital da empresa (como se este fosse um “empréstimo”), sujeitos à tributação à alíquota de 15%.

Esses juros são posteriormente deduzidos do lucro da empresa, que seria tributado em 34%. Ou seja, o JCP permite que parte do lucro seja taxada em 15 em vez de 34%, viabilizando uma grande renúncia de tributos que beneficia os proprietários das empresas, em geral grandes, que são as tributadas pelo lucro real e de fato aproveitam o mecanismo. O PL justamente propõe extinguir tal benefício, que já demonstrou não incentivar o investimento e apenas contribui para concentrar a renda.

É preciso acabar com essas distorções e privilégios. É crucial que o país avance, consolidando a tributação dos rendimentos dos fundos exclusivos e das offshores, e, o mais rápido possível, a extinção dos juros sobre o capital próprio. Isso não é nenhuma revolução, mas apenas aproxima o Brasil de países capitalistas e democráticos onde a tributação é menos injusta, como na OCDE e na meca dos neoliberais, os Estados Unidos. O Brasil carece de um sistema tributário moderno e justo.

Deputado Zeca Dirceu (PR) é  líder da Bancada do PT na Câmara dos Deputados

*Publicado originalmente na Carta Capital

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