Em dia histórico, com o voto do PT, Convenção Interamericana contra o Racismo é aprovada

Em votação histórica nesta quarta-feira (9), a Câmara aprovou a adesão do Brasil à Convenção Interamericana contra o Racismo, a Discriminação Racial e Formas Correlatas de Intolerância. O texto consta do projeto de decreto legislativo (PDL 861/17). Os países que ratificarem o acordo devem se comprometer a prevenir, proibir e punir todos os atos e manifestações de racismo, de discriminação e de intolerância. A convenção resultou de negociações iniciadas em 2005 pela Organização dos Estados Americanos (OEA), e aprovada 2013, durante a 43ª sessão ordinária da OEA, em Antígua, na Guatemala.

Emocionada, a deputada Benedita da Silva (PT-RJ) não escondeu a sua felicidade com a aprovação do PDL. “Nós já buscávamos há muito tempo a ratificação dessa convenção, porque no Brasil é preciso definir exatamente o que significa discriminação racial, porque, quando as pessoas falarem que vidas importam, é preciso dizer claramente que vidas negras importam, dados os índices que encontramos de homicídios nessas comunidades. Quando se fala em taxa de homicídio, sempre devemos colocar que a maioria, às vezes, até oito vezes mais, atinge exatamente pessoas de cor, de pele negra”, desabafou.

Benedita frisou que a Abolição não significou para os negros a inserção no mercado de trabalho. “Aí nós vamos ver quão são importantes as ações afirmativas, porque somos o maior número de desempregados no Brasil. Eu poderia dizer das crianças, da educação, da área da saúde, mas eu quero apenas dizer que esta convenção identifica um grupo específico que é beneficiado por isso, em que consiste o racismo, o racismo estrutural, o racismo institucional, que nós precisamos combater e pelo qual o Estado tem responsabilidade”, afirmou.

A deputada enfatizou que a convenção explica esses deveres e os compromissos convencionais do Estado. “É o Estado brasileiro que assume, na assinatura desta convenção, este compromisso de olhar parte desses brasileiros não com privilégio, mas com inclusão, para diminuir os danos causados pelo processo de colonização e a falta de inclusão desta comunidade”.

Benedita da Silva explicou ainda que a ratificação da convenção faz parte de uma série de projetos apontados pela Comissão Externa da Câmara que acompanha a apuração do assassinato de João Alberto, no Carrefour, em Porto Alegre (RS), como prioritários para serem apreciados pelo Parlamento.

Vidas negras importam

O deputado Vicentinho (PT-SP) destacou que ao aprovar este compromisso internacional, está-se colocando, pelo menos sob o aspecto da lei, o Brasil em um patamar de dignidade e de comprometimento contra todo tipo de preconceito e de discriminação, contra o racismo, que hoje mata no Brasil. “Vidas negras importam. Vidas da comunidade indígena também importam. Esta decisão, tomada hoje, significa o fortalecimento da lei, mas são necessários também um trabalho cultural e educativo, campanhas de conscientização, para que aquele ou aquela que se sinta superior a uma pessoa por causa da cor da pele constate que é na verdade inferior, frágil, doente e temerosa de que alguém pode ter o mesmo direito que ela tem”.

Vicentinho também citou a morte de João Alberto, no Carrefour, em Porto Alegre, e comentou sobre a Comissão Externa da Câmara que acompanha as investigações do assassinato. “Em visita e em solidariedade à família do João Alberto, fiquei feliz e esperançoso com o movimento popular negro no Rio Grande do Sul e também com as vereadoras e os vereadores, jovens negros que assumem essa missão. Esse é um novo sinal. Esse é um novo tempo”, afirmou. O deputado ainda defendeu a aprovação de outros projetos que criam políticas preventivas e que tratam de qualquer tipo de discriminação.

Por João Alberto

A deputada Maria do Rosário (PT-RS), que era ministra da Secretaria de Direitos Humanos na época em que o Brasil negociava a convenção da Organização dos Estados Americanos, defendeu a convenção e afirmou: “Faremos isso por João Alberto. Faremos isso pelas meninas negras assassinadas barbaramente na porta de casa neste final de semana no Rio de Janeiro. Faremos isso por Jane da Silva Nunes, em Porto Alegre, que morreu ontem numa abordagem policial desastrosa, que leva à circunstância de morte mais uma vida negra, uma lutadora negra. Nós faremos isso porque basta de ódio”.

Luta de Zumbi e de Dandara

E a deputada Erika Kokay (PT-DF) começou a defesa de seu voto a favor do PDL saudando a luta de Zumbi, de Dandara. “Viva a luta deste País contra as casas grandes e senzalas! Viva a luta deste País para fazer os lutos dos nossos períodos traumáticos, para romper uma lógica e uma visão colonial, para romper a lógica que o Brasil vivenciou na escravidão, para romper a lógica das ditaduras que se expressam!”.

Na avaliação da deputada, essa Convenção precisa ser ratificada por este Parlamento “como resposta desta nação e desta Casa a tantos corpos negros que estão feridos, a tantos corpos negros que são mortos neste País”.

Erika defendeu também que o Brasil reconheça que há no País o racismo estrutural, estruturante, estruturador das relações. “É como se tivéssemos uma lente racista em que se vê o conjunto das relações. Nós temos um racismo institucional, temos um racismo religioso, temos um racismo permeando este País, que é negado por aqueles que, ao negarem o racismo que existe neste País, ajudam a perpetuá-lo, a perenizá-lo, porque, quando não se reconhece que nós temos a violência racista nesta nação, não se combate a ela e tenta transformar as vítimas em responsáveis pela sua própria condição de vítima”, argumentou.

Status constitucional

O deputado Paulão (PT-AL), que foi relator desta matéria na Comissão de Direitos Humanos e Minorias explicou que esta convenção, depois de ratificada pelo Brasil, tem status constitucional. “Isso é importante para que possamos extrapolar os muros do Brasil, pois estamos vivendo momentos muito críticos do processo civilizatório, principalmente aqui nesse País. Então, são orientações fundamentais que têm como escopo justamente evitar qualquer discriminação racial e dar proteção às pessoas contra o racismo”.

O deputado Reginaldo Lopes (PT-MG) defendeu uma posição forte contra o racismo, contra o preconceito e a favor da vida. “Temos que avançar, que a ratificação dessa convenção hoje, seja o início de uma grande agenda parlamentar em favor do povo brasileiro, que tem a maioria da sua população negra”. Ele apontou a necessidade de se aprovar o Fundo Nacional de Superação do Racismo. “É preciso colocar parte do orçamento público para fazer a reparação desses 400 anos de escravidão”, concluiu.

Na avaliação do deputado Joseildo Ramos (PT-BA), essa convenção é importante para que o País tenha legislações afirmativas e contra o racismo estrutural que vivenciamos. “Precisamos contribuir para que o racismo, que está vivo nas entranhas do Estado brasileiro, nas suas instituições, seja banido”.

Exemplo

O deputado Valmir Assunção (PT-BA) citou o episódio ocorrido ontem (8) durante um jogo de futebol entre o PSG e o Istanbul, quando o quarto árbitro do jogo cometeu um crime de racismo contra um membro da comissão técnica do Istanbul. “Diante desse crime de racismo, os dois times, tanto o Istanbul, quanto o PSG, tomaram uma decisão de sair de campo e não jogar o futebol. Essa atitude fica marcada na história, mostra que nós não podemos tolerar os racistas em lugar nenhum do mundo, em nenhuma atividade. O dia 8 de dezembro entrou para a história, assim como o dia 9 de dezembro também entra para a história com a ratificação da Convenção Interamericana Contra o Racismo, a Discriminação Racial e Formas Correlatas de Intolerância”, afirmou.

E o deputado Afonso Florence (PT-BA), ao destacar a importância da convenção, enfatizou que o Brasil é um País onde o capitalismo se constituiu através da escravização de povos africanos. “A independência e abolição da escravidão foram parte de um jogo das elites. O racismo no Brasil é estrutural e presente”, lamentou. Ele ainda  manifestou solidariedade a todas as famílias brasileiras vítimas do racismo

Convenção

De acordo com a convenção, a discriminação racial pode basear-se em raça, cor, ascendência ou origem nacional ou étnica e é definida como “qualquer distinção, exclusão, restrição ou preferência, em qualquer área da vida pública ou privada, com o propósito ou efeito de anular ou restringir o reconhecimento, gozo ou exercício, em condições de igualdade, de um ou mais direitos humanos e liberdades fundamentais consagrados nos instrumentos internacionais aplicáveis aos Estados partes”.

A convenção trata ainda da intolerância, conceituada como “um ato ou conjunto de atos ou manifestações que denotam desrespeito, rejeição ou desprezo à dignidade, características, convicções ou opiniões de pessoas por serem diferentes ou contrárias”.

Compromissos

Os países que ratificarem a convenção devem se comprometer a prevenir, eliminar, proibir e punir, de acordo com suas normas constitucionais e com as regras da convenção, todos os atos e manifestações de cunho racista e discriminação racial.

A convenção lista 15 situações que se enquadram em atos e manifestações de racismo, discriminação racial e formas correlatas de intolerância, como “qualquer ação repressiva fundamentada em discriminação em vez de basear-se no comportamento da pessoa ou em informações objetivas que identifiquem seu envolvimento em atividades criminosas”.

O documento determina que os países ratificantes devem se comprometer ainda a garantir que seus sistemas políticos e jurídicos “reflitam adequadamente a diversidade de suas sociedades, a fim de atender às necessidades legítimas de todos os setores da população, de acordo com o alcance da convenção”.


Vânia Rodrigues

 

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