Sindicalistas, especialistas em gestão pública e parlamentares desmascararam a narrativa do governo neofascista Bolsonaro de que a proposta de Reforma Administrativa (PEC 32/2020), em tramitação no Congresso, não atinge os atuais servidores públicos. Durante audiência pública realizada na Comissão Especial que analisa o tema, foram apresentados diversos ataques a direitos conquistados pelos servidores públicos. Parlamentares do PT na Câmara também repudiaram a PEC.
O Presidente do Sindicato Nacional dos Analistas-Tributários da Receita Federal do Brasil (SindiReceita), Antônio Geraldo de Oliveira Seixas, ressaltou que a proposta do governo acaba com um dos pilares do serviço público no País: a estabilidade do servidor público. “Essa PEC trata a estabilidade como se fosse coisa de outro mundo”, observou.
Segundo Antônio Seixas, a estabilidade surgiu no final do século XIX e foi aperfeiçoada ao longo do século XX, justamente para combater o Estado patrimonialista e personalista, distinguindo o público do privado.
Segurança para atuação do servidor
“A estabilidade, que pela PEC só será garantida as carreiras típicas de Estado, nunca foi uma garantia absoluta. Estabilidade, segundo definida pela Constituição, não é sinônimo de impunidade, e não garante a permanência de maus servidores públicos. No entanto, é a estabilidade que garante que o servidor atue com segurança, na base da impessoalidade, e não por interesses diversos à administração pública”, observou.
O presidente do SindiReceita disse ainda que os servidores atuais correm o risco de ter afetado seus direitos previdenciários – uma vez que os novos servidores passam a contribuir para o Regime Geral e não para o Regime Próprio dos Servidores, causando desequilíbrio que pode acarretar aumento de alíquotas – além de afetar outros direitos adquiridos. Entre eles, Antônio Geraldo de Oliveira Seixas citou a perda de parcelas variáveis após afastamento de 30 dias, fim de adicionais e progressão por tempo de serviço, reajuste retroativo e possiblidade de redução de vencimentos.
Enfraquecimento das ações do Estado
O presidente do Sindicato Nacional dos Auditores-Fiscais da Receita Federal do Brasil (Sindifisco Nacional), Kleber Cabral, ressaltou que a PEC não contém propostas que aprimorem o serviço público no País. Já em relação aos retrocessos, o representante do Sindifisco apontou que a permissão da ocupação de cargos de liderança, incluindo cargos técnicos, vai aumentar a interferência política nas ações dos servidores do Estado.
“Essa proposta inova ao criar cargos de liderança, em substituição aos DAS (cargos de confiança e assessoramento ocupados por servidores); a PEC aponta que serão de livre nomeação, tornando a administração pública mais suscetível a interferências políticas e econômicas, que tanto fazem mal a administração pública. Esperamos que o relator (deputado Arthur Maia – DEM/BA) não acate isso em seu relatório”, afirmou.
Outro ponto criticado na PEC de Bolsonaro é criação do vínculo de experiência, antes da efetivação do servidor público. “Com esse novo vínculo, o Estado pode chamar um número de pessoas acima das vagas previstas em um concurso, por exemplo, e enquanto exercem a atividade ficam em uma espécie de treinamento, sendo avaliadas sem critérios definidos, abrindo margem para a admissão final no serviço púbico por critérios políticos”, alertou Kleber Cabral.
De acordo com o presidente da Associação Nacional dos Procuradores Estaduais e do Distrito Federal (Anape), Vicente Martins Prata Braga, o novo vínculo de experiência pode trazer insegurança jurídica nas ações conduzidas pelos servidores públicos no futuro.
“Como pode um servidor não aprovado de forma definitiva, por exemplo, exercer uma atividade típica de Estado? Como o servidor poderá conduzir um inquérito policial, lavrar um auto de infração, no caso das Receitas federal e estaduais? Como ficarão esses atos se esse servidor não for efetivado e tiver seu vínculo rescindido? Isso nos preocupa”, disse Vicente Braga.
PT critica ataques aos servidores
O coordenador da Bancada do PT na Comissão Especial, deputado Rogério Correia (PT-MG), disse que a PEC da Reforma Administrativa, formulada pelo ministro da Economia, Paulo Guedes, tem como objetivo principal acabar com a estabilidade do servidor para enfraquecer o serviço público e, depois, repassá-lo para o setor privado.
“Paulo Guedes que acabar com a estabilidade para demolir o serviço público, para depois realizar o sonho dele que é privatizar esses serviços. Esse é o caminho a que Guedes quer nos levar: acabar com a estabilidade e depois fazer com que o recurso público seja destinado a entidades privadas que vão passar a ofertar o serviço que antes era público”, denunciou.
O parlamentar mineiro anunciou que a Bancada do PT já apresentou ao relator da PEC na Comissão, deputado Arthur Maia, uma emenda retirando do texto todos os ataques aos direitos dos servidores públicos e ao serviço público.
O deputado Rui Falcão (PT-SP) criticou especialmente a previsão de fechamento das escolas de governo, retrocesso incluído na PEC. “É um absurdo fechar as escolas de governo. Seríamos o primeiro país do mundo a fechar escolas de governo impedindo a capacitação de servidores e servidoras”, disse.
Governo do mercado e contra o povo
Já o deputado Leo de Brito (PT-AC), ao também destacar vários ataques aos direitos dos servidores e ao serviço público, ressaltou que a PEC, da forma como está, é coerente com o discurso do ministro Paulo Guedes.
“Foi o próprio ministro Paulo Guedes que já disse que iria colocar granada no bolso dos servidores e os chamou de parasitas. Os expositores aqui já demonstraram que é uma falácia que essa reforma atingirá apenas futuros servidores. Também atingirá os atuais que perderão direitos previdenciários, poderão ter redução de salários, adicionais e ainda terão afetados seu ambiente de trabalho”, assinalou Leo de Brito.
Diante da enorme quantidade de retrocessos, a deputada Erika Kokay (PT-DF) disse que o destino da Reforma Administrativa deveria ser o arquivo. “Estivemos com o presidente da Câmara, deputado Arthur Lira (PP-AL), e ele disse que não admitiria que essa PEC atingisse os direitos dos servidores. Pois então, eu diria que essa PEC deveria ser devolvida”, defendeu.
No esforço para esclarecer os retrocessos contidos na PEC 32, o deputado Carlos Veras (PT-PE) anunciou a realização de um seminário para debate a proposta na Assembleia Legislativa de Pernambuco, na próxima sexta-feira (20), a partir das 9h30.
A audiência pública realizada nesta terça-feira na Câmara contou ainda com a presença de representantes da Sociedade Brasileira de Direito Público (SBDP), do Conselho de Governança do Todos Pela Educação, e do Conselho Nacional de Secretários de Estado da Administração (CONSAD).
Héber Carvalho